Queimadas criminosas encobrem de chamas o interior de São Paulo

A fumaça das queimadas está se alastrando no interior de São Paulo, com a conivência do agronegócio. A região de Ribeirão Preto é uma das mais afetadas, com incêndios criminosos nos canaviais e bloqueios de estradas

Redação SP | Ribeirão Preto (SP)


Neste domingo (25/8), o interior de São Paulo vive o pior momento de uma crise de fumaça e chamas que se arrasta desde o início de agosto. Só neste mês, até o dia 24/8, o estado já registrou 3.480 focos de queimadas e incêndios. É a maior quantidade de focos ativos em um único mês desde 1998, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Imagens de satélite mostram dezenas de colunas de fumaça espalhadas por todo o estado e a poluição espessa pode ser vista das janelas de aviões e já chegou em cidades distantes das queimadas. Fruto da destruição promovida pelos grandes latifundiários do agronegócio, depois de atingirem o Pantanal e a Amazônia, as queimadas espalharam-se por todo o interior de São Paulo, causando grandes impactos na vida do povo trabalhador. Pelo menos 3 pessoas já morreram tentando combater os incêndios.

Regiões do interior devastadas

Em todo o estado de São Paulo, 17 pontos de interdição de rodovias já foram registrados por conta das fumaças e das queimadas. Porém, nos últimos dias, a região de Ribeirão Preto (SP) se tornou a mais afetada pela crise de fogo.

O terminal rodoviário da cidade registrou inúmeros atrasos e suspensões de viagens regionais de ônibus, impactando a vida de milhares de trabalhadores que não conseguiram voltar para suas casas após o dia de trabalho devido aos bloqueios nas estradas por conta dos incêndios e à péssima condição de visibilidade imposta pela fumaça em diversos trechos. Na rodoviária, o jornal A Verdade presenciou um cenário de lotação e de abandono da população, que não sabia se conseguiria voltar para sua casa em segurança.

Já no município de Sertãozinho (SP), as aulas da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (FATEC) foram canceladas na quinta-feira (23/8). Os trabalhadores da usina de cana de açúcar Raizen, na mesma cidade, tiveram que ser evacuados às pressas, devido à proximidade do fogo que se alastrava por um canavial próximo. Os jovens internos da Fundação Casa de Sertãozinho precisaram ser removidos para uma antiga unidade na cidade de Ribeirão Preto, pois a fumaça tomou conta da região onde o prédio fica localizado.

Elen, que estuda no campus de Sertãozinho do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e mora em Pitangueiras (SP), também na região de Ribeirão Preto, ofereceu ao jornal A Verdade um relato sobre o caos causado pelas queimadas nas estradas do interior de São Paulo. “Eu estava voltando da aula de Sertãozinho para Pitangueiras e o motorista do ônibus prosseguiu a viagem ignorando a interdição da estrada, mas não dava pra enxergar a pista. Quando deu, o que havia era fogo dos dois lados da pista, quase chegando no asfalto. O vidro do ônibus aqueceu e até queimou o meu braço”, ela disse.

A estudante também fez uma denúncia sobre a situação que encontrou em sua cidade. “Quando chegamos em Pitangueiras, a situação é essa que estamos vendo: muita fumaça, dificuldade para respirar, sono prejudicado. Eu moro em frente a um canavial e hoje, não sei como, colocaram fogo perto da minha casa. Ele se alastrou e se juntou com outros, que já estão chegando em Jaboticabal [cidade vizinha]. Quando a polícia chegou, o fogo já estava muito alto e nós tivemos que evacuar o bairro. Agora, estou na casa da minha sogra sem saber se o fogo vai chegar na minha casa”, conta a jovem.

Na região de São José do Rio Preto (SP), no Noroeste paulista, as cidades de Ubarana e Urupês também suspenderam as aulas nas escolas, devido à baixa umidade do ar e aos altos níveis de fuligem presentes. Em Ubarana, uma rua inteira precisou ser evacuada às pressas devido a proximidade do fogo em relação às casas. Já em Urupês, dois funcionários de uma usina perderam suas vidas tentando combater o avanço do incêndio.

Ao final do sábado (24/8), as queimadas levaram o estado de São Paulo a decretar situação de emergência por 180 dias em 45 cidades, incluindo Ribeirão Preto, Pitangueiras, São José do Rio Preto e Sertãozinho.

Saúde dos trabalhadores em risco

Não bastassem os inúmeros problemas causados ao meio ambiente, as perdas materiais e os impactos sobre o cotidiano dos trabalhadores brasileiros, as queimadas também causam sérios danos à saúde do povo. Só nas últimas semanas, 3 trabalhadores perderam suas vidas e centenas de outros tiveram sua saúde prejudicada com a explosão de queimadas, em grande parte proveniente de campos agropecuários e canaviais no interior de São Paulo.

Ao longo de agosto, a umidade relativa do ar na cidade de Ribeirão Preto atingiu níveis alarmantes, abaixo de 20%. Com as queimadas e a fuligem tóxica presente no ar, estão surgindo e se agravando casos de diversas doenças nos olhos, na pele, no coração, nos sistemas gastrointestinal e respiratório, além de alguns tipos de câncer.

O cenário vivido no sábado (24/8) em Ribeirão Preto é um exemplo dessa crise na saúde. Nessa data, uma espessa camada de fumaça e fuligem, acompanhada de muito vento, se espalhou por toda a região, cobrindo o sol e deixando o ar muito difícil de respirar. Às 18 horas existiam 14 focos de incêndio no município. Os equipamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) apresentou um aumento de 60% nos atendimentos, especialmente relacionados às doenças respiratórias e o sistema telefônico do SAMU esteve inoperante por horas.

Para piorar a situação, devido às oscilações de energia elétrica, 23 poços artesianos de água da Secretaria de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (SAERP) foram desligados, atingindo todas as regiões da cidade e deixando centenas de milhares de pessoas sem acesso à água. Apesar dos esforços dos servidores do SAERP, no momento da publicação da matéria, 17 poços seguem desligados.

Muito do problema elétrico se deve à privatização do serviço de energia para a empresa CPFL, que cobra contas altíssimas e presta um serviço ineficiente. Porém, o caos também se deve à falta de investimentos no SAERP, que passa por um processo de sucateamento que tem como efeito direto a precarização do serviço de abastecimento de água e a dificuldade de atender a uma emergência como a vivida hoje.

Destruição ambiental no Ribeirão Verde

Na cidade de Ribeirão Preto, existe um complexo de bairros conhecido como Ribeirão Verde, cercado por matas e vida silvestre. Porém, essa realidade vem se alterando rapidamente nos últimos anos, fruto da especulação imobiliária e das queimadas de mata nativa. Os incêndios das últimas semanas agudizaram fortemente esse problema.

Rosana, que é diretora da Associação de Moradores do Complexo Ribeirão Verde, revelou o descaso político da prefeitura direitista que agravou a situação. “Sou moradora do Complexo Ribeirão Verde desde 2001. Na entrada do nosso bairro tem uma Área de Preservação Permanente, com animais diversas espécies. Hoje, nossa mata está pedindo socorro por causa do último incêndio. Enquanto isso, um projeto de preservação que tínhamos conquistado ficou parado na Secretaria do Meio Ambiente, foi engavetado pela gestão do atual prefeito Duarte Nogueira (PSDB”, ela explica.

Biólogo e militante da Unidade Popular (UP), Vinícius denuncia as causas desse cenário: “O que estamos presenciando é de fato a prova, esfregada em nossas caras, das mudanças climáticas e o prejuízo que a monocultura do agronegócio acarreta”.

“A economia da região de Ribeirão Preto é formada pela cana de açúcar, uma monocultura que suga e seca a terra. A cada ano que passa, sentimos a nossa região ter menos chuvas. Agora, os incêndios que começaram no Pantanal e na Amazônia trazem essa fumaça. Os ‘rios voadores’, que antes traziam chuvas para nossa região, estão trazendo fumaça das queimadas”, continuou Vinicius em depoimento ao jornal A Verdade.

Agronegócio e criminosos capitalistas causam as queimadas

Segundo dados do Painel Geoestatístico dos Incêndios Florestais em Unidades de Conservação e Áreas Protegidas, mais de 90% das queimadas que aconteceram em São Paulo no ano de 2022 são provenientes de ações humanas criminosas como o uso irregular de fogo em atividades agropecuárias e vandalismos. Essas ocorrências estão se multiplicando nos últimos anos, devido ao descaso do governo estadual de São Paulo, encabeçado pelo fascista Tarcísio de Freitas, e das prefeituras aliadas ao agronegócio, que negligenciam as fiscalizações do campo.

Ao jornal A Verdade, a Unidade Popular de Ribeirão Preto frisou que só o avanço na construção do socialismo pode pôr um fim a essa e outras consequências da busca incessante dos capitalistas por mais lucros, que destroem tudo o que vêem pela frente, inclusive as vidas humanas e o planeta. Para o partido socialista e antifascista, o descaso dos governos anda de mãos dadas com o aumento da exploração e da destruição ambiental em nosso mundo, e a solução definitiva para essa crise só pode ser o fim do sistema econômico que estimula essas queimadas e incêndios.

O programa da Unidade Popular, em seu sexto ponto, defende a “reforma agrária popular, a nacionalização da terra e o fim do monopólio privado da terra”.

Na região de Ribeirão Preto, a UP está convocando os trabalhadores a se organizar para enfrentar os capitalistas e políticos burgueses que estão por trás dos grandes danos causados pelas queimadas em São Paulo. “Nós, como população, devemos lutar contra esses que beneficiam os usineiros e destroem a saúde e o bem-estar dos trabalhadores de Ribeirão Preto”, concluiu o biólogo Vinícius.

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