Introdução ao Estudo da Geopolítica

Quais as Características Comuns Entre os Dois Blocos Geopolíticos Surgidos ao Final da Segunda Guerra? Além da Grã-Bretanha, França, China e Índia Que Outros Países Podem Apresentar Arsenais Nucleares? Por Que Alguns Países Querem Acumular Poder Nuclear se Não Têm a Pretensão de Utilizá-lo?

No final da Segunda Guerra Mundial despontaram duas (2) potências que passaram a dominar o cenário internacional das relações políticas – EUA e a extinta URSS. Países com modelos políticos e econômicos distintos e ideologicamente colocados em polos opostos exercitaram nos últimos 40 anos políticas de poder vigorosas, não abrindo mão, em nenhuma oportunidade, de mostrar quem era hegemônico em cada um dos grupos constituídos à sua volta. De um lado, a liderança exercida foi apoiada nos conceitos tradicionais de liberalismo no caso norte-americano; e, de outro, a aglutinação em torno do bloco soviético foi marcada pela administração altamente centralizada do governo moscovita.

Apesar das diferenças de modelos econômicos, políticos e ideológicos, ambos os líderes, hegemônicos incontestes em seus blocos, apresentavam uma característica comum: além da necessidade de proteger suas áreas de influências acordadas e tratados, a vocação para ampliar em escala cada vez maior os valores de cada modelo no resto do mundo. Tal política se verificava não apenas no continente africano – que iniciava então a ruptura dos grilhões que o acorrentava aos países colonialistas – mas também no sudeste asiático, nos países árabes e, no próprio continente americano, do Caribe para baixo.

Visando ocupar o globo em um contexto de poder bipolar, essa conduta pontificada por inúmeras situações agudas nada mais era do que aquilo que sempre acontecera na história da humanidade. Ou seja, a tentativa de conquista e construção de grandes impérios, se possível um único, no mundo inteiro. Com uma diferença marcante, pois ambos os países dispunham, nesse período, de capacidade de destruição e de intervenção como nunca se conhecera.

É esse poder de destruir, com a obtenção de bombas nucleares, e de estar presente em várias partes do mundo ao mesmo tempo que caracterizou o quadro do pós-guerra, com a afirmação dessas superpotências. Se o domínio da tecnologia atômica foi monopólio inicial da Casa Branca, este teve efêmera duração, visto que apenas quatro anos depois o Kremlin repetia o feito norte-americano. Como se viu, posteriormente, a Grã-Bretanha, a França, a China e a Índia trilhariam o mesmo caminho. Hoje, pode-se afirmar que pelo menos mais duas dezenas de países encontram-se em condições de construir seus próprios arsenais nucleares. Trata-se apenas de optar por esta decisão política, já que têm os vetores necessários.

O período iniciado em 1945 apresenta características conflitantes. De um lado, viu nascer uma instituição supranacional – Organização das Nações Unidas (ONU) – até agora não superada e, por outro, mostrou que mesmo os países que subscreveram a Carta de São Francisco, em 1945, pouco se importaram com os princípios por ela ditados, atropelando-a quase sempre. Basta lembrar que no preâmbulo da Carta das Nações Unidas já se enfatizava a necessidade de se preservar as gerações futuras do flagelo da guerra; os signatários, portanto, abster-se-iam de recorrer às ameaças ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado.

Assim, os membros deveriam fomentar relações de amizade apoiadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos. Os dados da História mostram que nos anos seguintes as superpotências implementaram todas as políticas possíveis, usando, abusando e fazendo tudo que seu poder lhes permitia, exceto acatar a soberania dos povos. Ao nos determos nas próprias circunstâncias que levaram à criação da ONU, provavelmente concluiremos que de fato estes princípios não poderiam ser seguidos, mesmo porque ela própria só se viabilizou após intensas negociações, quando então foram asseguradas condições privilegiadas de membros permanentes e com direito a veto, no Conselho de Segurança, aos Estados Unidos, à União Soviética, à Grã-Bretanha, à França e à China.

Embora a ONU surgisse sem uma política de poder, já que está ancorada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros, a criação do Conselho de Segurança dava, naquela altura, mostras inequívocas de como seria estruturado o sistema internacional. Tanto da parte da Casa Branca quanto do Kremlin, as políticas de poder surgiam de maneira transparente, não deixando qualquer dúvida sobre a natureza dos objetivos dos dois contendores.

Washington faria não apenas intervenções longe de seu território – numa escala crescente e que encontra poucos paralelos na história –, como se preocuparia em criar entidades voltadas à defesa não só de seu país, mas de toda uma parte do mundo. Da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) à guerra da Coréia, da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, ao Vietnã, dos golpes militares na América do Sul nos anos 60 às intervenções no Caribe nos anos 80, passando pela África e pelo Oriente Médio, um sem-número de situações mostrou todo o poder de intervenção do Estado norte-americano e a capacidade para estabelecer políticas verdadeiramente abrangentes.

Moscou procura não ficar atrás: desde a tentativa de permanecer no Irã à revolução cubana e à crise dos mísseis, da criação do Pacto de Varsóvia às intervenções na Hungria, na Tchecoslováquia, no Afeganistão e na África, as forças soviéticas se fizeram presentes. No cômputo geral desses anos, vantagem sensível deve ser creditada a favor dos EUA, que se apresentaram com maior fôlego para sustentar e, em grande parte, obter êxitos na defesa de seus interesses. Contudo, a atuação em grande escala comporta riscos crescentes: quanto maior a quantidade de ações, aumentam também as possibilidades de erros, já que é difícil acertar em todas as ocasiões. Daí situações desastrosas para os Estados Unidos em vários momentos, como a invasão da Baía dos porcos e o Vietnã.

O que se viu, portanto, de ambos os lados, é que o expediente das armas foi o recurso preferido pelas superpotências para resolver problemas em todos os lugares do mundo, mesmo e principalmente sem serem solicitadas. Nisto, descumprindo, sem qualquer pudor, os princípios firmados em São Francisco. Por isso, também, jamais se preocuparam com as reivindicações dos países menos industrializados, que reclamavam seja através da Conferência de Bandung, pela criação do grupo dos não alinhados, pelo Grupo dos 77 e nunca atendendo às constantes solicitações feitas sem foros comuns como a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente em 1972, a Eco 92, ou nas conferências sobre população, no Cairo, em 1994, e em Copenhague, em 1995. A não ser quando os interesses, tanto dos Estados Unidos quanto de seus aliados mais próximos (Grupo dos 7), convergissem em direção às necessidades dos Estados economicamente mais pobres.

Este quadro também não poderia ser pensado de outro prisma. O conflito ideológico que se pretendia mortal em um jogo de soma zero (quando um ganha, o outro perde) indica que acordos e papéis assinados apenas servem quando as partes contratantes usufruem largamente das vantagens dos mesmos, obtendo elevados lucros. O mesmo, entretanto, não pode ser afirmado quando os personagens diretamente envolvidos querem abocanhar, cada um deles, fatia maior do mesmo butim, não deixando nada para o outro.

O poder das duas superpotências foi exercitado porque devia selo. Por que, afinal de contas, acumular poder se não se tem a pretensão de utilizá-lo? Se o mundo é o espólio a ser dividido, políticas pacifistas e respeito à soberania dos outros Estados, obviamente, jamais poderiam ser implementadas.

Esta visão conflitiva que moldou o cenário mundial durante quatro décadas adaptou-se a cada momento, conforme se alteravam, independentemente da atuação dos dois países hegemônicos, os poderes de outros Estados. Ao mesmo tempo que ambos, neste meio tempo, passaram a enfrentar desde problemas de legitimidade com questionamentos às políticas internas até o desgaste ocorrido com derrotas em intervenções extracontinentais, do aumento de taxas de desemprego a déficits comerciais, dificuldades em gerenciar um modelo econômico que não conseguia atender às expectativas de consumo interno e à intensa contrapropaganda. Todas essas dificuldades, em conjunto, aliadas à necessidade de manter intervenções extremamente onerosas, acabariam colocando em xeque a categoria de superpotências que EUA e URSS comodamente desfrutariam durante décadas.

O cenário dos anos 80 e 90 começou a se desenhar sem pedir autorização às superpotências, e sem uma configuração ainda precisa, passando a privilegiar, por sua vez, outras variáveis que não as estritamente apoiadas na capacidade militar. A formação dos megablocos, em uma competição triádica, parecia, segundo muitos, uma nova forma de reordenamento do poder mundial, com o declínio do até então líder imbatível do mundo ocidental. E, como contrapartida, a emergência de novos atores, abandonando-se, portanto, a visão que até então orientara quase que exclusivamente o funcionamento do sistema internacional, apoiado no elemento força.

Destarte, grande parte da literatura recente passou a considerar chegado ao fim o ciclo das políticas de poder em um novo mundo, caracterizado pela globalização dos mercados, e com o fim da hegemonia norte-americana. Portanto, as políticas de Estado, amparadas pelo poder militar, foram sendo colocadas de lado, considerando, até mesmo, a própria dissolução dos Estados-nações frente a esta nova ordem. Certamente pode-se creditar parcelas de acerto a visões que caminham nesta última direção. Mas afirmar o fim dos Estados-nações e que políticas de poder não têm eficácia ou lugar é, no mínimo, fazer juízos apressados da realidade internacional. Inclusive porque poder econômico e poder militar caminham pari passu, um se apoiando no outro, tanto para sustentar uma potência militar quanto econômica.

Se uma dessas variáveis exige cada vez mais investimento da outra, terminando por levar o Estado que nelas se apoia ao colapso, é algo que pode ser ponderado, mas que não se aplica aos dias atuais, principalmente no exemplo norte-americano. O poder acumulado pelo governo da Casa Branca, em termos militares, dificilmente será um dia superado, tal o montante destas últimas décadas. A não ser, é óbvio, que algum país como o Japão a tal se disponha, mas isso possivelmente teria implicações tanto no plano doméstico quanto no regional. Já que o poder foi o elemento-chave no qual as superpotências se escudaram para atuar até agora, entende-se porque o contexto mundial foi moldado segundo a ótica conflitiva, não privilegiando políticas de cooperação.

Na realidade, além das disputas envolvendo as duas superpotências por um controle global, disputas menores se verificaram simultaneamente em instâncias diversas ao longo desses anos. Portanto, o clima vigente sempre foi o de discórdias entre as nações, se bem que momentos de relaxamento da tensão se observassem ao mesmo tempo. Verifica-se, ainda, que tanto o conflito quanto a cooperação têm caminhado lado a lado, mesmo quando estavam envolvidas as figuras exponenciais do xadrez mundial do poder. O mesmo se sucedia com os países menores, tornando difícil apenas uma política de cooperação global quando o elemento poder se encontra no centro de atenção de todos os países, malgrado o seu tamanho, sua força ou sua localização geográfica.

Sendo assim, o limiar do século XXI ainda não verá o mundo em paz, embora esse conceito seja entendido de formas distintas pelos agentes que operam nas relações internacionais. Enquanto para as superpotências a paz é puramente a ausência de uma conflagração global, com toda uma gama de possíveis complicações nucleares, para as grandes potências o conceito implica um período de relativa normalidade, sujeito às vicissitudes da política de poder e livre de operações militares que poderiam exigir esforços de envergadura nacional.

Já para as médias e pequenas, a paz identifica-se com a segurança e significa imunidade à agressão e preservação de sua soberania e integridade territorial.

O que se pode constatar hoje é a existência de pelo menos duas dezenas de conflitos, seja relativo a divergências internas, seja envolvendo dois ou mais países. Da América do Sul à África, do Oriente Médio ao Leste Europeu, passando pela América Central, poderíamos mencionar desde a guerra equatoriano-peruana ao conflito na Guatemala, da Tchetchênia à Bósnia, de Ruanda à Argélia. 

REFERÊNCIAS

ASHLEY, Richard K. The political economy of war and peace: the sino-sovietamerican triangle and the modern problematique. London: Pinter, 1980.

BEATON, Leonard. The reform of power: a proposal for an international security system. London: Chatto and Windus, 1972.

CARR, E. H. Vinte anos de crise: 1919-1939 – uma introdução ao estudo das relações internacionais. Brasília: UnB, IPRI; São Paulo: 2001. FERREIRA, Oliveiros S. Crise da política externa: autonomia ou subordinação? São Paulo: Renavan, 2001.

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