Disponibilidade de Recursos Econômicos e Financeiros: fator crítico de sucesso em Ecossistemas de Inovação

É fundamental assegurar esses recursos, com a quantidade e a qualidade necessária, para o desenvolvimento de inovações e de empreendimentos inovadores para serem competitivos globalmente. / Imagens: DALL-E/SC Inova


[28.11.2024]

Marcus Rocha, especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova. 

A inovação é reconhecida como motor de transformação social e econômica, sendo indispensável para o avanço tecnológico e o desenvolvimento sustentável das sociedades. Contudo, para que ecossistemas de inovação prosperem, causando os impactos econômicos e sociais desejados, é fundamental assegurar a disponibilidade de recursos econômicos e financeiros, com a quantidade e a qualidade necessária para o desenvolvimento de inovações e de empreendimentos inovadores com possibilidade de serem competitivos globalmente.

RECURSOS ECONÔMICOS E RECURSOS FINANCEIROS PARA INOVAÇÃO: UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA

Antes de qualquer outra coisa, é importante compreender que recursos econômicos e recursos financeiros não são sinônimos. No âmbito da inovação, os recursos econômicos englobam os ativos não financeiros que podem ser utilizados para gerar valor em processos inovadores. Esses recursos podem ser laboratórios de última geração, ferramentas tecnológicas avançadas, equipamentos de alta potência, capital intelectual de pesquisadores ou de profissionais experientes, propriedade intelectual (como patentes), infraestrutura tecnológica, redes de colaboração e informações estratégicas, entre outros. Esses recursos são importantes especialmente para o suporte à execução prática de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novas tecnologias, materiais, processos, métodos, etc., com potencial disruptivo.

Já os recursos financeiros referem-se ao capital monetário necessário para viabilizar as atividades relacionadas à inovação. São utilizados para custear mão de obra, insumos, comercialização e outras despesas operacionais. Diferentemente dos recursos econômicos, os financeiros podem ser mais facilmente redistribuídos e convertidos em outras formas de valor, tornando-se indispensáveis em diferentes fases do ciclo de vida da inovação.

No campo dos recursos financeiros, mecanismos de investimento variados ajudam a impulsionar um ecossistema local de inovação. Entre eles podem ser destacados:

  • Capital Anjo: investidores individuais que aportam capital inicial em startups, frequentemente em troca de participação societária.
  • Capital Semente: fundos voltados a startups em estágios iniciais, fornecendo capital para desenvolvimento de produtos e serviços.
  • Venture Capital (Capital Empreendedor): recursos destinados a startups em fases mais avançadas, geralmente com foco em expansão.
  • Empréstimos e Linhas de Crédito: incluem financiamento com taxas subsidiadas por bancos de fomento ou linhas comerciais.
  • Subvenção Governamental e Renúncia Fiscal: editais públicos que oferecem subsídios diretos ou incentivos fiscais para projetos inovadores.

O PAPEL DA OFERTA DE RECURSOS EM ECOSSISTEMAS DE INOVAÇÃO

Ecossistemas de inovação mundialmente reconhecidos possuem uma oferta ampla e contínua de recursos econômicos e financeiros. Nessas localidades, há um equilíbrio entre a disponibilidade de capital para pesquisa e desenvolvimento, suporte à ideação e financiamento para escalabilidade no mercado.

A quádrupla hélice — composta por governo, empresas, academia e sociedade civil — desempenha papel crucial nesse equilíbrio. Todos os atores necessitam aplicar recursos para a inovação, com cada categoria ou ‘hélice’ disponibilizando mais ou menos ¼ da soma do total de recursos econômicos e financeiros disponíveis no território do ecossistema. Importante compreender também que, de acordo com a função social, categoria ou propósito de cada ator do ecossistema, seus recursos serão destinados a uma linha de ação ou etapa mais específica da jornada do empreendedorismo inovador.

Assim, cada estágio do ciclo de inovação demanda diferentes tipos de suporte e investidores. Atividades de P&D com alto risco, por exemplo, atraem recursos predominantemente de instituições públicas e acadêmicas, enquanto empreendimentos em fase de tração dependem mais de capital privado. Em contrapartida, startups em estágio inicial muitas vezes contam com subvenções governamentais, além de investidores anjo. Empresas estabelecidas contam com seus próprios recursos econômicos e financeiros, complementados com crédito de agentes de fomento públicos ou privados e com mecanismos de renúncia fiscal de órgãos governamentais, entre outros.

É possível ver isto em ecossistemas de sucesso como o de Tel-Aviv, onde programas governamentais incentivam startups e centros de inovação, com destaque para as iniciativas lideradas pela Autoridade de Inovação de Israel. Esses incentivos econômicos e financeiros são complementados pelas iniciativas das organizações acadêmicas que fornecem principalmente suporte técnico e tecnológico, com destaque para o centro de pesquisa da Tel-Aviv University (TAU). Ao mesmo tempo, empresas como Volkswagen, Citi, Hyundai, Sompo, Jaguar Land Rover e Visa levaram para lá seus centros de inovação para o desenvolvimento de novas tecnologias e modelos de negócio, além de também desenvolverem seus veículos de venture capital corporativos para investir em startups que possam complementar seu portfolio ou representar uma oportunidade para ampliar sua posição competitiva no mercado.

A mesma dinâmica pode ser vista em outros ecossistemas de referência mundial, tais como Seul, Pequim, Xangai, Barcelona, Londres, Berlim e Singapura. Nota-se uma clara orquestração entre os atores na aplicação dos seus recursos econômicos e financeiros para o fomento à inovação nos seus respectivos territórios, obviamente considerando as particularidades de cada região.

A IMPORTÂNCIA DOS CLUSTERS ECONÔMICOS

Clusters de negócios e de inovação são considerados um fator crítico de sucesso para ecossistemas de inovação. Um cluster reúne um grupo de empresas e instituições de um escopo econômico específico, que são interconectadas e localizadas próximas umas das outras em termos geográficos, e que trabalham juntas para obter maior vantagem competitiva. Esses atores trabalham juntos para criar um ambiente que favorece a criação e o desenvolvimento de empreendimentos com alto potencial e é caracterizado pela alta disponibilidade e mobilidade de recursos, incluindo pessoas, capital e informação.

Nesses clusters, linhas de ação para inovação são guiadas por teses de investimento mais claras, atraindo capital financeiro e maximizando a eficiência dos recursos econômicos. Esse direcionamento reflete melhor os interesses e capacidades dos atores envolvidos, otimizando o uso dos recursos disponíveis.

Em ecossistemas de referência global, nota-se uma clara orquestração entre os atores na aplicação dos seus recursos econômicos e financeiros para o fomento à inovação. / Imagem: DALL-E/SC Inova

Além disso, clusters bem estruturados promovem conexões qualificadas entre quem busca e quem oferece recursos. Essa interação facilita parcerias estratégicas, reduz riscos e aumenta a probabilidade de sucesso. Materiais de referência tais como o EU|BIC Innovation Ecosystem Building Playbook, publicado pelo European Business and Innovation Centre Network (Rede Europeia de Centros de Negócios e de Inovação), destacam que a especialização econômica é um dos principais vetores para criar ecossistemas inclusivos para iniciativas inovadoras.

MUITO ALÉM DO DINHEIRO: A CONTRIBUIÇÃO DOS INVESTIDORES

No universo das startups, uma máxima é frequentemente citada: “o dinheiro resolve apenas o problema da falta de dinheiro”. Essa frase reflete a importância de buscar investidores que contribuam com mais do apenas os seus recursos financeiros, mas também agregando a sua experiência em questões chave para o sucesso dos empreendimentos inovadores que receberam os investimentos, tais como negócios, gestão, redes de contato e oportunidades de mercado — estes últimos, podendo ser caracterizados como recursos econômicos.

Esse princípio também se aplica a outros tipos de investimento em ecossistemas de inovação. Por isso é importante que, em um ecossistema, os empreendimentos inovadores tenham acesso não somente a diferentes opções de financiamento, mas também a várias possibilidades de recursos econômicos que podem ser chave para que essas iniciativas alcancem graus mais altos de inovação e, com isso, tenham maior competitividade em nível mundial.

A partir desse raciocínio, qualquer organização que esteja em um processo de inovação, especialmente startups e empresas estabelecidas, têm potencial muito maior de desenvolver inovações mais significativas se, além de recursos financeiros, tiverem acesso a instalações e conhecimentos disponíveis em laboratórios de centros de pesquisa ou de universidades, que são valiosos não apenas como infraestrutura tecnológica, mas também como fontes de colaboração técnica e científica.

Ainda em relação aos recursos financeiros disponíveis em ecossistemas de inovação, há um desafio importante para garantir fluxos contínuos de capital: a liquidez dos investimentos realizados. Ou seja, se não houver mecanismos que permitam aos investidores realizar seus retornos em um prazo razoável, os recursos financeiros podem ficar “travados” nas operações realizadas anteriormente. Isso torna o capital mais escasso no território, além de desestimular a oferta de recursos financeiros, tanto nos veículos de investimentos já existentes, quanto em novos que podem surgir. Ecossistemas maduros têm adotado estratégias para enfrentar esse problema, facilitando a saída dos investidores dos negócios investidos com a respectiva liquidez dos seus investimentos.

Um dos principais movimentos que existem em ecossistemas de inovação de sucesso é a criação de mecanismos que permitam o desenvolvimento de mercados secundários de ativos de empreendimentos inovadores. Importante destacar que um mercado chamado de secundário é um ambiente no qual os investidores compram e vendem títulos e valores mobiliários entre si. Nesse tipo de mercado investidores compram e vendem ativos entre si, como ações, cotas de capital de empresas, cotas de fundos imobiliários, debêntures e outros títulos. Quando se fala de ações, esse mercado se chama ‘bolsa de valores’, mas é possível desenvolver outros tipos de mercados desse tipo.

É fundamental que haja segurança jurídica para que ecossistemas de inovação possam implantar ou atrair mercados secundários para comercializar ativos de empreendimentos inovadores e, assim, proporcionar liquidez para os investidores, especialmente aqueles que investiram nos estágios mais iniciais – comumente chamado de early stage.

No Brasil, desde que o Sandbox Regulatório da Lei Complementar Federal 182 de 2021 entrou em vigor – o Marco Legal das Startups – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisou e aprovou uma série de iniciativas que criaram mercados secundários de cotas de capital de startups, que foram adquiridas por meio de crowdfunding. Na maior parte dos casos, essas cotas estão convertidas em ‘tokens’ e são transacionadas sobre plataformas de Blockchain. Independentemente das questões técnicas, o mais importante é que os ecossistemas de inovação brasileiros têm também a oportunidade de acessar esse tipo de mecanismo, que é muito importante para manter a oferta de capital para investimento em inovação, especialmente em startups.

GOVERNANÇA: FUNDAMENTAL PARA A ORQUESTRAÇÃO DE RECURSOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS

Para que haja uma disponibilidade contínua e equilibrada de recursos econômicos e financeiros para o suporte adequado à inovação em um ecossistema, é importante que os clusters tenham uma estrutura de governança bem estabelecida. Mais do que exercer uma representação institucional dos atores do cluster, a governança é responsável pelos processos de tomada de decisão e, principalmente, na orquestração entre as funções e interesses dos diferentes atores participantes.

Como em uma orquestra, cada ator de um cluster de inovação tem uma participação específica, que precisa ser organizada de tal forma que um complemente o outro e, no final, haja um resultado harmônico. No caso da oferta de recursos econômicos e financeiros, é importante que a governança identifique as fontes e crie fluxos que permitam que os recursos sejam complementares, dando suporte a todas as fases do desenvolvimento tecnológico e da jornada do empreendedorismo inovador, reduzindo ao máximo a competição que possa gerar fricção e conflitos entre os membros do cluster.

Outra função da governança de um cluster é promover ao máximo a integração entre quem busca e quem oferece recursos. Isso pode ser feito por meio das práticas de inovação aberta, como parcerias estratégicas e plataformas colaborativas, potencializam essas conexões.

Considerando que um ecossistema pode e deve ter mais de um cluster de inovação em operação, é importante também proporcionar formas de que esses clusters interajam e cooperem entre si. Destaca-se que primeiro devem ser desenvolvidos clusters fortes e atuantes, com resultados concretos. Depois, naturalmente, vem a necessidade de unir as governanças de cada cluster em uma estrutura representativa maior, que é a governança do ecossistema em si. É uma lógica da base para o topo (bottom up), com foco prioritário em estratégias que promovam a competitividade das principais vocações econômicas já existentes no território, para depois criar uma estrutura mais ampla, com representatividade mais institucional.

Uma governança maior, que represente todos os clusters e atores da quádrupla hélice, é indispensável para alinhar interesses e fortalecer o ecossistema como um todo. Esse modelo promove diálogos contínuos, trocas de experiências e oportunidades conjuntas, garantindo o crescimento sustentável do território.

Percebe-se que, no Brasil, a maior parte dos territórios tem buscado criar primeiro uma governança do ecossistema, para depois realizar o restante. Isso tem criado dificuldades e frustrações, já que o perfil dos membros dessas estruturas é muito mais institucional do que empreendedor. Outro ponto é que, por não ter foco econômico definido, tal modelo tem dificuldade em atrair lideranças das empresas âncora do território, que não percebem convergência com suas atividades. Essa abordagem de cima para a base (top down) é mais fácil de implantar, mas nota-se que não tem trazido os resultados desejados e na velocidade que o mundo competitivo globalizado exige.

CONCLUSÃO

A disponibilidade e a gestão de recursos econômicos e financeiros são pilares para o sucesso de ecossistemas de inovação, especialmente quando orquestrados por clusters com governança bem estabelecida. Com foco nas principais vocações econômicas do território, estratégias bem estruturadas, parcerias sólidas e uma governança integrada entre os clusters, é possível criar ambientes favoráveis à geração de tecnologias transformadoras e ao desenvolvimento de empreendimentos inovadores.

Apesar de não existir uma regra geral, pois cada território tem suas particularidades, o aprendizado com casos globais e a aplicação de boas práticas podem servir de guia para orientar e fortalecer ecossistemas locais. Isso tudo deve ter um propósito claro e compartilhado entre toda a sociedade local: o foco na promoção da inovação de maneira contínua, para o desenvolvimento de vantagem competitiva sustentada de todos os atores da quádrupla hélice estabelecidos na região, com impactos econômicos, sociais e ambientais positivos e relevantes.

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