Mas que Festa e Operação Rescaldo.

Cenário de terra arrasada. Mesa de jantar bagunçada, tapetes idem. Para andar 4 passos é preciso desviar de copos, taças, garrafas, sapatos masculinos, femininos, sapatos indecisos e restos de OCNI (Objeto Comestível Não Identificado). Pendurados no lustre, cuecas, calcinhas e sutiãs. No piano de cauda, uma cortina de janela oculta um volume amorfo. No sofá, uma calça masculina sem a perna direita e uma peruca.

No ar, cheiro de perfume misturado com champanhe, vômito e urina. A cortina se mexe, cai ao chão e revela dois corpos despertando: um homem e uma mulher, ou o que sobrou deles, coçam os olhos, examinam o ambiente e dizem em uníssono: Que festa!

Olham-se no espelho e descobrem-se em trajes de gala, amarrotados e repletos de manchas de comida, bebida, doces e algo que lembra chantily, mas ninguém ousa provar. Ela exala bafo de lagartixa e ele arrota cheirando a gambá. Que festa!

Com dificuldade, descem do piano, cambaleiam, estabilizam e avaliam o cenário de bombardeio nuclear. A sala é gigante e a varanda maior que um apartamento da Cohab. O sol já desponta, mas o lusco-fusco e as cabeças latejando impedem saber a localização exata e dificultam a orientação espacial. Que festa!

Circulam pela copa, amplas suítes, sala de jantar e uma cinematográfica escada curva, toda em mármore. Sobem e chegam a um imenso salão muito bem decorado e repleto de restos de comemoração. Abrem a porta de correr em vidro verde e surgem piscina e deck com vista para o mar. Concluem que estão num daqueles apartamentos de cobertura caríssimos. Na praia, muita sujeira, corpos imóveis na areia, cães lambendo as bocas, garis recolhem lixo e bêbados vagam tal zumbis. Deve ser Copacabana, cenário dos fogos da virada, diz o homem. Que festa!

  • Minha cabeça está rodando – ele diz.
  • Não se acorda ninguém no meio de um pesadelo – ela emenda.
  • Você vem sempre aqui?
  • Nem imagino. Não sei onde estou ou como cheguei.
  • Eu cancelaria um transplante de rim para saber onde estou e como vim parar aqui.
  • Eu idem. Estou cansada de acordar bêbada ao lado de desconhecidos. 
  • A prática leva à perfeição.
  • Exceto na roleta russa. KKK.
  • Pelo menos você acordou bem-humorada.
  • Estou piscando por causa da luz do sol, mas não estou aqui contra a vontade.
  • Alguma pista sobre o que aconteceu aqui?
  • Nicas, mas que festa!
  • Que festa! Você veio sozinha?
  • Com certeza. Não tenho ninguém. Nunca dei sorte com homens.
  • Mulher que não tem sorte com homens não sabe a sorte que tem.
  • E você? É muito rico?
  • Falido, negativado e pago pensão para duas ex-esposas, mas sou alegre e feliz.
  • Alegria de falido é impossível.
  • Sou batalhador, mas sei que a luta é longa.
  • E a derrota certa.
  • Poxa, como você é pessimista! Sou um eterno otimista.
  • Relaxa. Tudo pode piorar.
  • Penso diferente. Sei que não posso mudar o passado, mas…
  • Mas ainda pode estragar seu futuro. KKK
  • Calma. Não leve a vida tão a sério. Ninguém sairá dela vivo.
  • Tem razão. Tudo passa. Nem que seja por cima de você.
  • Devia ter postado fotos no Instagram. Agora saberia onde estou.
  • O que é mesmo Instagram?
  • Twitter de quem não gosta de ler.
  • Opa! O que é aquilo no chão junto à piscina?
  • Parece um galo preto morto. Tem velas, charuto e cachaça. Que festa!
  • Que festa!
  • Sorte que você me deixou ficar aqui no seu apartamento.
  • Meu apartamento? Pensei que fosse seu apartamento!
  • Que festa!
  • Que festa!

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