Por que existem processos sigilosos?

Recentemente, foi noticiado na imprensa que dois casos policiais registrados no Estado do Pará passaram a ser investigados sob sigilo. O primeiro é sobre uma mulher suspeita de dopar as adversárias em partidas de beach tennis para que ela pudesse vencer as competições. O segundo refere-se a uma jovem que morreu ao cair de uma lancha durante um passeio pela ilha do Combu.O segredo de justiça é uma ferramenta fundamental para equilibrar os princípios constitucionais da publicidade e da proteção à intimidade e ao interesse social. O advogado criminalista Filipe Silveira explica sobre as razões e os critérios que justificam a decretação do sigilo em processos judiciais, especialmente os criminais.De acordo com Silveira, a Constituição Federal estabelece a publicidade como regra nos processos, mas há exceções importantes. “Quando houver necessidade de preservação da intimidade ou do interesse social, a regra da publicidade poderá sofrer restrições”, explica o advogado.O sigilo é decretado, principalmente, para proteger a intimidade das partes envolvidas e o interesse público, explica o criminalista. Casos envolvendo crimes contra a dignidade sexual, crimes contra crianças e adolescentes, violência doméstica e investigações complexas são frequentemente submetidos a essa medida. Além disso, processos que tratam de informações sensíveis, como quebras de sigilo bancário e fiscal, também se enquadram nessa categoria.Quer mais notícias sobre Pará? Acesse nosso canal no WhatsAppSilveira destaca que a pressão popular ou a especulação da opinião pública não justificam, por si só, o sigilo. “Somente se houver elementos concretos que evidenciem prejuízo à intimidade ou ao interesse social é que o sigilo pode ser aplicado”, afirma.Somente as partes investigadas e seus procuradores têm permissão para acessar processos sob sigilo, em conformidade com a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal. Contudo, essa regra possui nuances quando aplicada a processos cíveis e administrativos. A fiscalização do acesso a essas informações é rígida, e qualquer prejuízo decorrente da violação ou restrição indevida pode ser levado ao Poder Judiciário.A divulgação não autorizada de informações sigilosas pode acarretar sérias penalidades. Silveira cita que tal conduta configura crimes como violação de sigilo funcional (art. 325 do Código Penal) e violação de interceptação telefônica (art. 10 da Lei 9.296/96), com penas que variam de um a quatro anos de reclusão.Além disso, impedir o acesso de partes autorizadas às informações pode resultar na caracterização de abuso de autoridade, conforme previsto na Lei 13.869/2019. O sigilo judicial, embora exceção, é importante em determinados casos para garantir justiça e evitar danos à reputação e à privacidade das partes envolvidas. “A aplicação dessa medida deve sempre ser pautada por critérios claros e objetivos, preservando os direitos constitucionais de todos os envolvidos”, defende o advogado.ÉTICAPara os advogados, lidar com processos sob sigilo exige uma postura ética rigorosa. Silveira enfatiza que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) proíbe a divulgação, sem justificativa, de informações obtidas em virtude do exercício profissional. “Assim como qualquer servidor público envolvido, o advogado atuante em processo sigiloso deve abster-se de divulgar as informações que possui acesso em razão do ofício. Aliás, o Estatuto da OAB veda – caracterizando como infração ética-profissional – a violação, sem justa causa, do sigilo profissional”, alerta.Silveira defende que a cobertura jornalística de casos sigilosos deve ser feita com extremo cuidado, respeitando tanto a legalidade quanto os princípios constitucionais. Nos últimos anos, episódios de vazamento seletivo de informações têm levantado preocupações sobre práticas antiéticas e ilegais.“O vazamento de informações sigilosas constitui crime”, destaca Silveira, apontando também os riscos de declarações precipitadas de autoridades à imprensa. Ele alerta que entrevistas de delegados ou promotores, que afirmam a culpabilidade de investigados antes do trânsito em julgado, violam o princípio da presunção de inocência.Casos internacionais, como os julgados pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), reforçam o impacto dessa violação. Silveira cita decisões emblemáticas, como no caso Allenet de Ribemont x França, em que declarações públicas sobre a culpa de acusados levaram à anulação de processos.
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