Macron: Europa precisa responder a eletrochoque de Trump – 14/02/2025 – Mundo


Emmanuel Macron descreveu o retorno de Donald Trump como um eletrochoque que deveria forçar a Europa a garantir seu próprio futuro, assim como o da Ucrânia.

Em uma entrevista no Palácio do Eliseu ao jornal Financial Times pouco depois de Trump concordar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em negociar o fim da Guerra da Ucrânia, o presidente francês defendeu a necessidade de a Europa se fortalecer em defesa e na economia.

Ele insistiu que apenas o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, poderia negociar em nome de seu país, alertando que permitir uma “paz que seja uma capitulação” seria “uma má notícia para todos”, incluindo os EUA.

“A única questão neste momento é se o presidente Putin está genuinamente, de forma sustentável e credível, disposto a concordar com um cessar-fogo nesta base. Depois disso, cabe aos ucranianos negociar com a Rússia”, disse Macron. “Todos precisamos permanecer coletivamente vigilantes.”

O líder francês há muito argumenta que a Europa deve assumir mais responsabilidade por sua própria segurança, o que só seria possível aumentando a independência econômica e reduzindo sua dependência dos EUA e da China.

Ele descreveu o retorno de Trump à Casa Branca como um impulso para que a UE invista em sua própria defesa e no renascimento econômico e tecnológico. Isso significava abandonar um quadro fiscal e monetário, pactuado pela primeira vez pela UE em 1992, que ele descreveu como obsoleto.

“Este é o momento da Europa para acelerar e executar”, disse ele, enquanto alertava sobre o risco de fracasso para a UE. “Não há escolha. [A UE] está ficando sem tempo.”

Se Macron conseguirá mobilizar outros países europeus para seu plano é uma questão em aberto, especialmente porque ele foi gravemente enfraquecido domesticamente e em Bruxelas pela paralisia política que se seguiu à eleição antecipada do ano passado para o Parlamento francês. As finanças públicas do país, debilitadas, também limitam sua própria capacidade de fazer os investimentos necessários em defesa e outras prioridades.

Mesmo assim, o presidente francês apoia a posição da gestão Trump de que é responsabilidade da Europa garantir a segurança da Ucrânia, dizendo que isso decorria de uma mudança geracional e bipartidária nas prioridades da política externa dos Estados Unidos que resulta em um afastamento da Europa e um olhar prioritário para a Ásia.

O unilateralismo dos EUA não começou com o retorno de Trump ao poder, acrescentou Macron, observando que ele “não recebeu uma ligação” antecipada da gestão Biden sobre o acordo de submarinos nucleares no âmbito do Aukus, grupo de Washington com a Austrália e o Reino Unido, ou sobre a retirada de tropas do Afeganistão.

“O que Trump está dizendo à Europa é que cabe a vocês carregar o fardo. E eu digo, cabe a nós assumi-lo”, disse Macron.

Enquanto muitos líderes europeus reagiram furiosamente às conversas de Trump com Putin sobre o fim da Guerra na Ucrânia, Macron pareceu mais tranquilo. Tendo falado com Trump por telefone no início da semana, o francês disse que não estava surpreso com a ação do presidente dos EUA.

Ele disse que Trump havia criado uma “janela de oportunidade” para uma solução negociada em que “todos têm que desempenhar seu papel”.

O papel dos EUA é “reiniciar este diálogo” e tomar a iniciativa porque Trump trouxe um “elemento de disrupção estratégica”. Ele afirmou que caberia apenas a Zelenski discutir “questões territoriais e de soberania”.

E, segundo ele, “cabe à comunidade internacional, com um papel específico para os europeus, discutir garantias de segurança e, mais amplamente, o quadro de segurança para toda a região. É aí que temos um papel a desempenhar.”

Outros aliados europeus denunciaram as aparentes concessões de Washington a Putin antes mesmo das negociações começarem. Entre elas estariam descartar a adesão da Ucrânia à Otan e descrever uma restauração completa da integridade territorial ucraniana como ilusória.

Macron, no entanto, foi cuidadoso em não tecer críticas, observando que foi o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, quem disse que a adesão de Kiev à Otan “não era um resultado realista”, não o presidente dos EUA. A entrevista ao Financial Times havia ocorrido antes de Trump classificar, mais tarde, que a adesão de Kiev “não era prática”.

Macron tem liderado discussões entre aliados europeus sobre como garantir qualquer acordo de paz, incluindo a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia para deter novas agressões russas.

Zelenski afirmou que apenas uma força de 150 mil a 200 mil homens com envolvimento dos EUA dissuadiria a Rússia de atacar novamente. O envio de tropas em tal escala seria praticamente impossível para os exércitos europeus.

Macron disse que, embora achasse cedo para falar sobre números, o comprometimento de tropas nesse nível era exagerado, acrescentando que a Europa precisava fazer “coisas que sejam apropriadas, realistas, bem pensadas, medidas e negociadas.”

Questionado sobre a ameaça de Trump de anexar a Groenlândia, Macron afirmou que respeitava as preocupações do presidente dos EUA sobre a segurança das rotas marítimas no Ártico, mas que elas deveriam ser abordadas coletivamente pelos aliados de Washington na Otan. Ele disse ainda que pediu ao secretário-geral da aliança, Mark Rutte, para desenvolver uma estratégia para a segurança no Ártico, incluindo possíveis operações militares conjuntas.

Quanto à proposta de Trump de reconstruir Gaza, depois de despejar os mais de 2 milhõesde palestinos que lá vivem para Estados árabes vizinhos, Macron foi mais direto. Expulsar os habitantes de Gaza seria “extremamente perigoso”. “Para mim, a solução não é uma solução imobiliária. É uma solução política.”

Os planos de Trump para Gaza e Groenlândia eram exemplos da “extrema incerteza estratégica” que o mundo vivia agora, segundo Macron. Isso exigia uma reavaliação radical de como a UE e seus Estados-membros operam.

“É um eletrochoque. Precisamos de choques assimétricos, precisamos de choques externos. É um choque exógeno para os europeus.” Isso ajudaria a trazer lucidez para aqueles na Europa que ainda pensavam que poderiam viver em um estado de “dependência estratégica”, de acordo com o francês.

“Esse modelo, que diz que você tem o mercado chinês como saída, o guarda-chuva americano para nossa segurança e o gás russo barato para poder produzir, esqueça os três”, afirmou Macron.

Para que a Europa realize o “despertar estratégico” que ele defende, será necessário tanto impulsionar a Defesa, como reacender o crescimento agora estagnado com uma explosão de desregulamentação e integração econômica de tudo, desde mercados de capitais até energia, para permitir que a UE colha os benefícios de seu tamanho, segundo o francês.

Falando sobre segurança, Macron disse que a Europa deve construir suas capacidades para que possa agir “mesmo quando os EUA não estiverem envolvidos”.

No entanto, mesmo três anos após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a mudança dentro da indústria de Defesa tem sido lenta. Embora a capacidade de produção de munições e mísseis tenha aumentado, as empresas europeias do setor continuam muito fragmentadas para produzir em escala.

Os países também permanecem apegados às suas empresas de defesa nacionais e muitas vezes são cautelosos com programas de desenvolvimento conjunto, particularmente com fusões transfronteiriças que poderiam criar campeões de defesa europeus.

Mais uma vez, Macron instou a Europa a se desvencilhar da dependência de comprar armamentos dos EUA, uma prioridade de longa data da França, dizendo que os parceiros deveriam comprar o sistema de defesa aérea franco-italiano SAMP-T. Ele defendeu que o armamento que era melhor do que o equivalente americano Patriot, já usado por vários países da UE.

“Devemos também desenvolver uma base de Defesa, industrial e tecnológica totalmente integrada na Europa”, disse Macron. “Isso vai muito além de um simples debate sobre números de gastos. Se tudo o que fizermos for nos tornarmos clientes ainda maiores dos EUA, então, em 20 anos, ainda não teremos resolvido a questão da soberania europeia.”

Para permitir que os países europeus invistam mais em sua segurança, Macron defendeu mais “soluções de financiamento inovadoras”, que poderiam incluir mais empréstimos comuns da UE, como foi feito durante a pandemia de coronavírus. Até agora, a Alemanha tem se mantido firmemente contra isso; Macron disse esperar que essa posição possa evoluir após as eleições alemãs, previstas para ocorrer no dia 23 de fevereiro.

Os desafios da Europa eram tão agudos agora quanto durante a pandemia, disse ele. Para enfrentá-los, a Europa precisava se libertar dos limites de déficit sob o pacto de crescimento e estabilidade da UE, que exige que os países mantenham déficits abaixo de 3% do PIB. “É obsoleto”, afirmou Macron sobre as regras da UE. “O quadro financeiro e monetário em que vivemos está desatualizado.”

“A Europa está subalavancada” (ou seja, haveria mais espaço para aumentar a dívida com expectativa de retornos futuros de investimentos), dada a sua necessidade de investir em tecnologias emergentes, como inteligência artificial, transição verde e segurança.

Macron também pediu a revogação de regulamentos da UE que ele classificou como onerosos e irreais. Isso inclui a diretiva de relatórios de sustentabilidade corporativa do bloco e multas iminentes para fabricantes de automóveis que não cumpriram as cotas de veículos elétricos —que ele definiu como malucas. Macron alertou, ainda, que a Europa não deve prejudicar os bancos aplicando requisitos de capital mais rigorosos, já que os EUA parecem prontos para ignorar as regras acordadas internacionalmente.

O presidente francês, porém, hesitou quando questionado se a UE precisava de sua própria versão do chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) de Trump, com o qual ele liberou o bilionário Elon Musk para cortar gastos do governo. “Uma simplificação drástica é necessária… É melhor tomar decisões ousadas e politicamente responsáveis do que destruir tudo.”

Macron admitiu que pode levar “de cinco a dez anos” para a Europa se fortalecer, período em que ele não será presidente, já que seu segundo mandato termina em 2027. Com populistas e a ultradireita ganhando terreno na França e em outras partes da Europa, uma parte dos eleitores está cautelosa com a expansão da influência da UE em suas vidas.

Mas Macron ainda tem fé em sua capacidade de persuadir. “Eu ainda acredito”, disse ele, acrescentando com um floreio caracteristicamente intelectual: “Eu amo o humanismo do Renascimento e a filosofia do Iluminismo. É o que nos fez E não acho que essas ideias sejam antiquadas. Acho que, pelo contrário, temos que reinventá-las.”



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