Energia limpa no país do lenga-lenga – 22/02/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman


Folha decidiu, em seu 104º aniversário, anunciar a renovação de sua campanha em favor da energia limpa, definida pelo jornal como “a que não emite carbono”. O que a campanha quer dizer, porém, ainda está pouco claro para o leitor, passado o primeiro ano da iniciativa que fez o jornal mudar seu slogan de “Um jornal a serviço do Brasil” para “Um jornal em defesa da energia limpa”.

A cobertura sobre fontes renováveis se intensificou nesse período, é fato, com conteúdo de qualidade sobre o cenário energético no país. Há também farto destaque para a palavra de líderes empresariais do setor.

Não sendo o consumo energético o principal e nem o segundo principal fator de emissões no país, seria importante deixar claro se o jornal tem (ou não) particular interesse ou investimento nessa área, como teve na defesa da democracia, que perpassa o próprio projeto editorial.

“O interesse, como no caso da democracia, é defender um bem público de importância notória e urgente”, responde o secretário de Redação Vinicius Mota.

Uma das críticas pertinentes à campanha diz respeito à dimensão do consumo energético nas emissões. “Somente 23% das emissões nacionais de gases do efeito estufa provêm do consumo de energia. Dois terços se originam de desmatamento e agropecuária”, informava o próprio editorial da Folha no lançamento do projeto, no ano passado. Por que escolher o menor quarto das emissões como alvo?

“A Folha há décadas faz cobertura extensiva e intensiva da chaga do desmatamento brasileiro. Mantém uma editoria de Ambiente que se ocupa com prioridade desse tema e um correspondente na Amazônia, agora em Belém, bastante concentrado nessa cobertura. A transição energética não é apenas um modo de melhorar ainda mais a matriz brasileira, mas também uma importante oportunidade de negócios e projeção para o país num mundo que necessita avidamente de fontes limpas. Energia é a principal fonte de emissão de dióxido de carbono no planeta, e a crise do clima é planetária”, afirma Mota.

Neste momento, há até ganchos noticiosos mais fortes do que há um ano, como a maior proximidade da COP30, Trump e sua campanha pró-fóssil e a maior discussão sobre exploração de petróleo na margem equatorial, que rendeu a crítica de Lula ao que seria “lenga-lenga” do Ibama.

Nos textos sobre o slogan, o jornal lembra que o Manual da Redação prevê a realização de campanhas “em situação especial, quando dirige seus esforços para promover determinada causa que julgue ser do interesse público”. “O Manual da Redação preconiza que o jornal, mesmo quando entra em uma campanha, mantenha seu programa crítico e pluralista”, diz Mota.

Ainda que resguardada pelo Manual e por sua prescrição de equilíbrio, a Folha acaba por se comprometer com um lado. O fato de o lado ter um bom nome (“energia limpa”) ajuda um pouco, mas a adoção de uma campanha vai além do reconhecimento do imperativo da transição energética. O jornal acaba por encampar, por tabela, a defesa de um setor produtivo que também é habitado por seus próprios jabutis e eminências pardas.

Sobre as medidas tomadas pelo próprio jornal para mitigar suas emissões, a Folha declara que “só usa energia renovável em sua sede [‘Grupo Enel atesta uso de energia renovável pela Folha’] e só compra papel-imprensa de fornecedores que garantem usar apenas madeira de reflorestamento. A gráfica em que o jornal é impresso também adota políticas de sustentabilidade”.

*

A apuração da Folha sobre falas de Mauro Cid omitidas na denúncia da Procuradoria-Geral da República é um daqueles casos que fazem o jornal virar vidraça e, paradoxalmente, se destacar na cobertura.

Algumas das muitas críticas ao jornal afirmam que a função da PGR é acusar, não defender. É um ponto. Da mesma forma, o jornal faz bem ao mostrar a construção do documento e as peças que ficaram de fora dele, trechos da delação convenientemente desconsiderados. Nenhuma autoridade deveria ser vista como sacrossanta, e o questionamento é uma condição fundamental da democracia —se ainda existe (e ainda bem que sim), é esperado que o jornal faça bom uso dela.

Em outro título, a Folha foi menos feliz. “Ameaça de Moraes a Cid abre brecha para contestar delação que implicou Bolsonaro”, afirma o jornal, que no entanto ouve dois especialistas que apenas contradizem a formulação. Embora estabeleça um paralelo entre a conduta de Moraes e os fatores que têm levado Dias Toffoli a anular processos e decisões da Lava Jato, faltou encontrar quem endossasse a tese além do advogado de Jair Bolsonaro e de seus correligionários.

A ver os próximos capítulos.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.