Governo Trump inventa o próprio vocabulário – 23/02/2025 – Mundo


O governo de Donald Trump está fazendo uma varredura pelo governo dos EUA, encerrando dezenas de programas, demitindo dezenas de milhares de trabalhadores e até desmontando agências inteiras. Ao mesmo tempo, a Casa Branca adotou um léxico único para descrever sua agenda —em alguns casos, usando palavras que, em contextos comuns, significam o oposto.

Aqui está um guia para o vocabulário, extraído de declarações feitas pelo presidente e pela secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt.

Transparência

Tradicionalmente, transparência no governo federal significava acesso a dados, contratos federais e relatórios do governo, mesmo que esses documentos revelassem problemas.

Mas Trump demitiu quase uma dezena de inspetores, responsáveis por identificar fraudes e irregularidades nas agências federais. Oito entraram com processos, afirmando que foram demitidos ilegalmente. Um deles, da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), foi demitido logo após emitir um relatório crítico sobre a interrupção da ajuda ordenada pelo presidente.

Quando surgiram relatórios de que um site do Departamento de Estado revelou que a Tesla, uma empresa de propriedade do bilionário Elon Musk, maior financiador de Trump, havia recebido um contrato de US$ 400 milhões, o documento do contrato foi apagado para remover qualquer menção à Tesla. Além disso, sites do governo foram excluídos, incluindo todas as páginas da Usaid.

Enquanto isso, o Doge (Departamento de Eficiência Governamental), liderado por Musk —que está mirando agências para cancelamento de contratos e cortes de pessoal— opera secretamente, e as pessoas em sua equipe não foram reveladas, embora repórteres tenham identificado alguns dos principais envolvidos.

Mas a Casa Branca diz que o governo é transparente porque Trump frequentemente responde a perguntas de repórteres. (Seu antecessor, Joe Biden, raramente fazia isso e geralmente em situações controladas.)

“Trump tem liderado pelo exemplo nesse aspecto como o líder do mundo livre, o presidente dos EUA, com sua demonstração de acesso e transparência diariamente”, disse Leavitt aos repórteres. “O presidente responde às perguntas de todos vocês quase todos os dias e realmente revela o que está pensando e sentindo.”

Infelizmente, grande parte do que Trump diz é impreciso ou enganoso. Portanto, ele não é uma fonte especialmente confiável, em comparação com relatórios e bancos de dados rigorosamente verificados.

Liberdade de Expressão

A Primeira Emenda consagra o direito à “liberdade de expressão” —o direito de articular opiniões e ideias sem interferência, retaliação ou punição do governo. Sempre houve alguma tensão nesse conceito —isso dá a alguém o direito de gritar fogo em um teatro lotado quando não há fogo?

Conservadores se opuseram a plataformas de mídia social como o Twitter (antes de Musk comprá-la e transformá-la no X) e o Facebook, que sinalizaram ou removeram postagens que continham informações imprecisas ou falsas, especialmente durante a pandemia de Covid-19. Trump foi removido de muitas plataformas depois de instigar uma insurreição no Capitólio dos EUA para impedir a certificação da vitória de Biden em 2020. Mas ele foi reintegrado, e muitas empresas de mídia social reduziram os esforços para policiar informações falsas que circulam em suas plataformas.

“Eu parei a censura do governo de uma vez por todas, e trouxemos de volta a liberdade de expressão para a América”, disse Trump aos membros da Câmara do Partido Republicano após assumir o cargo.

Mas a Casa Branca, nos últimos dias, proibiu repórteres da Associated Press de irem a eventos de notícias, porque a agência ainda se refere ao golfo do México, o nome internacionalmente reconhecido para o corpo d’água que é usado desde o século 17. Em um decreto, Trump direcionou agências federais a mudar o nome para “golfo da América”.

A AP é uma organização de notícias internacional, e o resto do mundo não reconhece a mudança de nome de Trump. Taylor Budowich, vice-chefe de gabinete da Casa Branca, disse em um comunicado que a posição da agência “não é apenas divisiva, mas também expõe o compromisso da Associated Press com a desinformação”. Ele afirmou que, como resultado de “reportagens irresponsáveis e desonestas” —citando o nome usado pelo resto do mundo— a AP não poderia esperar o “privilégio de acesso irrestrito a espaços limitados, como o Salão Oval e o Air Force One”.

De forma similar, Leavitt disse aos repórteres: “Eu fui muito clara na minha entrevista no Dia 1, que se acharmos que há mentiras sendo propagadas por veículos nesta sala, vamos responsabilizar essas mentiras. E é um fato que o corpo d’água na costa da Louisiana é chamado golfo da América, e eu não sei por que os meios de comunicação não querem chamá-lo assim, mas é o que ele é.”

Fraude e Abuso

Fraude geralmente significa engano, frequentemente criminoso, em busca de ganho financeiro e pessoal. Mas o governo Trump reverteu essa definição —ampliando-a para incluir programas e políticas com as quais não concorda— enquanto dificulta a detecção de fraudes reais.

“Estamos encontrando uma tremenda fraude e tremendo abuso”, disse Trump enquanto Musk estava ao seu lado no Salão Oval. Mas uma verificação dos anúncios do Doge sobre programas encerrados revelou que a maioria deles diz respeito a programas de diversidade, questões transgênero e mudanças climáticas. Musk também liderou um ataque contra a Usaid, a agência que teve apoio bipartidário durante muito tempo para distribuir bilhões de dólares em ajuda ao desenvolvimento ao redor do mundo.

“É uma fraude”, disse Trump sobre a Usaid. “É uma fraude. Muito dela, a maior parte, mas é uma fraude.” Quando questionado sobre provas, a Casa Branca forneceu uma lista que muitas vezes estava errada ou era enganosa —e, de qualquer forma, representava apenas uma pequena fração do orçamento de US$ 25 bilhões da agência.

Além de demitir inspetores, Trump demitiu funcionários de alto escalão de setores de ética e enfraqueceu os escritórios que protegem os trabalhadores contra retaliações. Ele também suspendeu a aplicação de uma lei de quase meio século que investiga corrupção corporativa em países estrangeiros, enquanto seu Departamento de Justiça ordenou a retirada das acusações de suborno contra o prefeito de Nova York, Eric Adams, por razões políticas (Adams apoia as políticas de imigração de Trump).

Um comunicado de imprensa da Casa Branca de 13 de fevereiro criticou estados e municípios que resistem aos decretos de Trump sobre diversidade e imigração. O comunicado foi intitulado: “O presidente Donald J. Trump e sua administração têm uma mensagem simples: sigam a lei.”

Déficit

Em Washington, déficit geralmente significa déficit orçamentário federal. Mas para Trump, o déficit que importa é o déficit comercial. Ele impôs tarifas de 25% sobre aço e alumínio, ameaçou tarifas contra o Canadá e o México e propôs reverter o sistema de comércio atual impondo tarifas recíprocas.

“Temos um déficit tremendo com o México”, disse Trump na semana passada. “Temos um déficit tremendo com o Canadá. Temos um déficit tremendo com a Europa, a União Europeia, com a China, eu nem quero contar o que Biden permitiu que acontecesse com a China.”

Na verdade, sob Biden, o déficit comercial com a China caiu para o nível mais baixo em dez anos, segundo o Censo dos EUA.

Em uma entrevista com Bret Baier, da Fox News, Trump disse: “Por que estamos pagando US$ 200 bilhões por ano essencialmente em subsídios ao Canadá? Agora, se eles forem nosso 51º estado, não me importo de fazer isso.”

De acordo com o site do Representante de Comércio dos EUA (órgão responsável pela política comercial do país) , o déficit de bens com o Canadá foi de US$ 63 bilhões em 2024. Os EUA têm um superávit de serviços de cerca de US$ 30 bilhões com o Canadá, o que reduz ainda mais o déficit geral. Mas desde que Trump assumiu, o site não exibe mais números sobre o comércio de serviços.

Diferente de um déficit orçamentário —que depende de o governo gastar mais do que arrecada em receita— o déficit comercial é moldado por fatores subjacentes, como um desequilíbrio entre as taxas de poupança e investimento de um país. Um maior déficit orçamentário federal —causado, por exemplo, por um grande corte de impostos proposto por Trump— pode aumentar o déficit comercial porque o país poupa menos e toma mais emprestado do exterior.

Uma economia em expansão também pode ser responsável —quanto mais dinheiro as pessoas têm, mais elas podem gastar em bens estrangeiros. E uma moeda forte significa que esses bens estrangeiros são mais baratos para um país específico e seus bens são mais caros para consumidores estrangeiros.

Em outras palavras, déficits comerciais podem estar além da capacidade de controle de Trump.



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