Repórter relata luta para encontrar equilíbrio e alegria – 24/02/2025 – Equilíbrio


O jornalista Fergal Keane, em um poderoso relato pessoal, reflete sobre como é viver com depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ele descreve sua busca para viver em equilíbrio.

Suas descobertas ao longo do processo formam um estudo mais profundo sobre a felicidade, que pode ser aplicado tanto por pessoas com sérias dificuldades de saúde mental, quanto por aqueles que precisam apenas de um empurrãozinho.

Houve um momento, cerca de dois anos atrás, em que a mudança interior me atingiu com força.

Eu caminhava com um ente querido no extremo leste da praia de Curragh em Ardmore, no condado irlandês de Waterford. Para mim, aquele local era um aconchegante refúgio desde a infância.

Paramos ao lado de um rio que flui para a baía de Ardmore. Eu ouvia os diferentes sons produzidos pela água —o rápido fluxo do rio, as ondas quebrando no litoral.

De repente, surgiu o som de dezenas de asas cortando os ares. Um bando de gansos-de-cara-preta chegou varrendo os céus sobre o rochedo, aproveitando as correntes de vento para seguir em direção ao céu. Senti uma leveza interior e uma gratidão tão grande que comecei a rir alto.

“Então, esta é a sensação”, pensei eu.

Tomando emprestadas as palavras do romancista Milan Kundera (1929-2023), senti uma maravilhosa “leveza de ser”.

Recordei aquele momento no mês passado. Eu pensava sobre o fenômeno da segunda-feira azul —a terceira segunda-feira de janeiro, considerada o dia mais triste do ano.

Qualquer pessoa que conhece a depressão clínica ou o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) poderá dizer que não existem dias específicos do ano para a tristeza. Pode ser o dia mais ensolarado, no local mais agradável, e você ainda poderá sentir sua mente mergulhada no permafrost.

Mas a segunda-feira azul me levou, de fato, a refletir sobre a felicidade. Qual a sua definição? E o que ela significa na minha vida?

Dias cinzentos e noites escuras

Não muito tempo antes daquele dia dos belos gansos, eu havia saído de um colapso emocional.

Foi em março de 2023. Eu me sentia como se tivesse lutado por 12 assaltos contra um campeão dos pesos-pesados. Mas eu havia lutado contra mim mesmo, como vinha fazendo há décadas.

Passei por diversas hospitalizações ao longo do tempo, desde o início dos anos 1990. Lutei uma batalha incessante contra a vergonha, o medo, a raiva, a negação —todos os sentimentos que são o oposto da felicidade.

Havia dias cinzentos terríveis. Os galhos das árvores estavam todos sem folhas, mesmo no pico do verão. Havia também noites em que eu acordava encharcado de suor, ruminando obsessivamente, com pesadelos invadindo a madrugada.

E, durante minha recuperação do alcoolismo no final dos anos 1990, pude pesquisar profundamente as noites escuras da alma.

Quando tive o colapso emocional em 2023, eu já não tinha mais esperança de ser feliz. Naquela época, eu já me contentaria apenas com pouco de paz de espírito.

Em 2019, pedi demissão do cargo de editor de África da BBC, devido às minhas dificuldades com o TEPT. Dois anos depois, escrevi um livro sobre o assunto e produzi para a BBC um documentário de televisão.

Mas, mesmo depois de tudo isso, sofri outro colapso emocional.

A ciência da felicidade

O professor Bruce Hood, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, fala sobre a tendência humana de “exagerar a proporção das coisas… [nos concentrando] nas nossas falhas e inadequações”.

Ele promove cursos de dez semanas em Bristol sobre a ciência da felicidade, abordando nossa necessidade de encontrar equilíbrio. Ele costuma dizer que “a nossa mente tem a tendência de interpretar tudo de forma muito negativa”.

Certamente me identifico com isso. Mas faço uma ressalva: a área do professor Hood aborda os sentimentos de baixo bem-estar em geral. Ele deixa claro que se dedicar à ciência da felicidade não será necessariamente a cura para pessoas com condições como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Tenho um diagnóstico específico. Em 2008, os médicos me disseram pela primeira vez que eu tenho TEPT devido a diversos casos de trauma como correspondente de guerra, mas também pelas circunstâncias da minha infância, vivida em um lar desestruturado pelo alcoolismo.

A depressão e a ansiedade faziam parte importante daquela condição, além da dependência de álcool. Eu também usava como fuga a energia estimulante, o companheirismo e o senso de propósito da cobertura de conflitos.

É preciso destacar que o que funciona para mim, quando tento encontrar a felicidade, certamente pode não funcionar para todas as pessoas.

Existem condições mentais específicas que exigem tratamentos também específicos. Para o TEPT, uma combinação de terapias me ajudou muito, além da companhia de outras pessoas com experiências similares.

A medicação também reduziu os sintomas físicos de ansiedade e hipervigilância.

Um prato caindo ou o escapamento de um carro podia me deixar em pedaços, pálido, tremendo e suando, em questão de segundos. E os pesadelos podiam fazer com que eu me debatesse durante o sono.

Mas sou privilegiado e tive acesso ao melhor tratamento disponível. Muitas pessoas na nossa sociedade não têm a mesma sorte. A Associação Médica Britânica afirma que mais de 1 milhão de pessoas aguardam para ter acesso a tratamento no Reino Unido.

Também é importante destacar que inúmeros fatores sociais, econômicos e culturais influenciam a nossa capacidade de sentir felicidade. E existe um estudo em andamento sobre a predisposição genética à depressão e à dependência.

A organização Movimento pelo Bem-Estar Mundial (WWM, na sigla em inglês) promove a consideração do bem-estar das pessoas como fator para a tomada de decisões pelas empresas e em políticas públicas. Ela afirma que uma em cada oito pessoas no Reino Unido vive abaixo da chamada Linha da Pobreza da Felicidade.

Esta linha é medida usando dados fornecidos pelos relatórios anuais do Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido. Ela se baseia na pergunta: “Em uma escala de 0 a 10, qual é o seu grau de satisfação com a sua vida em geral, atualmente?”

O WWM destaca que uma em cada oito pessoas é um nível “alarmante” e que existem “questões preocupantes relativas à saúde mental [que] permanecem não combatidas e subfinanciadas”.

Depois de expressar minhas ressalvas, espero que alguns pontos da minha experiência, como as ferramentas de recuperação que recebi de forma tão generosa, possam ajudar as pessoas com dificuldades para enfrentar a solidão causada pela depressão ou os distúrbios trazidos pelo TEPT —ou simplesmente para lidar com as dores normais que a vida apresenta de tempos em tempos.

O segredo da felicidade não é segredo

Na minha experiência, o segredo para a felicidade é que… não existe um segredo. Ela está à vista de todos, esperando para ser encontrada. Mas nem sempre está presente.

A felicidade não é a condição diária natural da humanidade, da mesma forma que a depressão ou a raiva também não são.

A psicoterapeuta americana Whitney Goodman é a autora do livro Toxic Positivity: How to Embrace Every Emotion in a Happy-Obsessed World (“Positividade tóxica: como acolher todas as emoções em um mundo obcecado pela felicidade”, em tradução livre).

Ela afirma que “qualquer pessoa obcecada por fazer você feliz o tempo todo, na minha opinião, está vendendo poções mágicas inúteis.”

“Não faz sentido. Não funciona… Dizer às pessoas que elas simplesmente precisam ser felizes, manifestar pensamentos diferentes, acho que já teria funcionado a esta altura.”

Passei anos sentado em divãs de terapeutas, às vezes olhando pelas janelas das enfermarias psiquiátricas. Eu esperava pela cura perfeita que consertaria minha cabeça e eliminaria meu abatimento.

Para mim, a característica que definia meus problemas de saúde mental era a solidão. Eu me examinava profundamente e não encontrava nada que merecesse ser amado ou admirado. Eu fechei a porta para mim mesmo.

A resposta não veio da noite para o dia.

Se eu pudesse indicar um ponto que fez a diferença, depois que eu me estabilizei com o tratamento, foi e sempre será o trabalho. Mas não o trabalho que me levou a um estado de esgotamento quase constante, enquanto buscava furos jornalísticos e prêmios, tão vitais para meu ego inseguro.

Um recado para aqueles que procuram sua valorização no trabalho: o workaholic é o dependente mais aceito de todos. Na verdade, eles são enaltecidos.

Por que você iria querer mudar se os seus chefes e a sociedade o aplaudem? O trabalho é a dependência mais permissiva que existe.

O trabalho de que estou falando é muito diferente.

Ninguém irá dizer como você é valente e talentoso por fazer o trabalho que traz felicidade verdadeira. Mas você irá sentir isso na reação das pessoas que você ama, na gratidão por acordar sem aquela sensação de medo e na consciência da beleza que existe à sua volta.

E também em saber que você irá cumprir seus compromissos e viver como alguém que não apenas fala em cuidar das pessoas, mas que faz o melhor possível para viver de acordo com aquilo que fala.

Em uma noite no hospital em 2023, quando fui internado com TEPT, assisti a um documentário com o psicoterapeuta americano Phil Stutz.

Ele falava sobre três verdades fundamentais que as pessoas que enfrentam problemas de saúde mental devem aceitar: que a vida pode ser repleta de dor, repleta de mudanças e que viver com isso exige trabalho constante.

Eu estava exausto de sofrer. Mas também estava disposto a fazer qualquer trabalho que pudesse para encontrar a paz de espírito. A felicidade veio depois.

O retorno à simplicidade

O que eu fiz? Em primeiro lugar, muitas coisas simples.

Escrevi uma lista de gratidão todas as manhãs. Meu relatório diário do que havia de bom na minha vida.

Li mais poesia, pois ela me acalma. Saí para longas caminhadas com o cachorro em Londres, pelo rio Tâmisa e no parque Richmond.

Comecei até a meditar —um milagre para alguém que raramente ficava sentado por mais de cinco minutos.

Fui ao cinema com mais frequência e fiz tarefas domésticas simples. Não as exibições na cozinha de antigamente, mas a limpeza diária, lavar, cozinhar, pagar as contas. Que maravilha, eu conseguia fazer aquilo!

Reservei mais tempo para as amizades. E para o amor, das pessoas mais importantes para mim.

Eu ouvia, quando antes teria apenas discursado. Eu me esforcei muito para ficar de boca fechada quando alguém queria expressar ressentimentos, em vez de deixar que os hábitos defensivos da infância me dominassem.

Ofereci ajuda aos demais que enfrentavam dificuldades. As pessoas em recuperação da dependência conhecem uma das máximas sobre a sobriedade: é preciso dar para receber. O mesmo vale para a felicidade.

O filósofo Frank Martela, da Universidade Aalto, na Finlândia, sugere atos de bondade como parte da solução. A Finlândia ocupa a primeira posição do Índice Mundial da Felicidade.

“Conecte-se com os demais e conecte-se consigo mesmo”, recomenda Martela.

“Conecte-se com os demais pelos relacionamentos sociais… fazendo o bem para outras pessoas, colaborando com seu trabalho ou com pequenos atos de gentileza.”

‘Você é mais forte do que pensa’

Um velho e maravilhoso amigo meu, o conselheiro sobre dependência Gordon Duncan, foi o primeiro a me alertar para o fato de que eu tinha muita raiva acumulada dentro de mim e que isso causava a depressão e o alcoolismo.

Discutimos muito nas primeiras semanas depois que nos conhecemos, mas nos tornamos melhores amigos ao longo do tempo.

Quando ele estava à beira da morte no hospital, eu o visitei um dia e vi que ele havia entrado em coma. Nenhum de nós era particularmente religioso, mas eu sussurrei no ouvido dele uma oração valiosa para nós dois:

“Conceda-nos, Senhor, a serenidade necessária

para aceitar as coisas que não podemos modificar,

coragem para modificar aquelas que podemos

e sabedoria para distinguir umas das outras.”

Não sei se ele conseguiu me ouvir. Suspeito que, provavelmente, não.

Mas me lembrei de algo que ele costumava me dizer quando eu estava chegando ao fundo do poço. “Você é mais forte do que pensa, meu filho. Mais forte do que pensa.”

Transmito isso a todos os que estão sofrendo em suas mentes. Sei por experiência própria que tudo pode mudar rapidamente. Não há garantias de felicidade, nem de nada mais. Mas aceito isso.

O escritor americano Raymond Carver (1938-1988) sobreviveu ao alcoolismo e escreveu alguns dos mais belos poemas sobre o luto e a felicidade.

Ele deixou um pequeno poema antes de morrer de câncer, com apenas 50 anos de idade. Foi seu epitáfio e acho que resume toda a nossa busca pela felicidade.

“E, mesmo assim, você conseguiu o que queria desta vida?

Consegui.

E o que você queria?

Dizer que eu era amado, me sentir amado na Terra.”

Amanhã, vou acordar e ficarei feliz por abrir as cortinas. Vou tomar café e pensar nas pessoas que amo e que estão próximas ou distantes de mim.

Depois, vou voltar ao trabalho, o trabalho real e profundo que prossegue todos os dias.

* Com colaboração de Harriet Whitehead.

Este texto foi originalmente publicado em BBC Brasil.



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