Solução à vista para o transporte público – 24/02/2025 – Opinião


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A crise do transporte público no Brasil se acentua com a progressiva perda de passageiros e o aumento da motorização individual. Na raiz disso estão a priorização da infraestrutura para automóveis, o sucateamento e alto custo do transporte público, a fragilidade regulatória do sistema e a falta de fontes de financiamento estáveis.

Recursos são necessários tanto para o subsídio das tarifas quanto para melhoria da infraestrutura e da gestão. Em países de referência, o investimento público no transporte tem uma escala muito superior à brasileira. Nas capitais europeias, as tarifas cobrem de 30% a 60% do custo do transporte. O restante é subsídio público.

O subsídio ao transporte, com boa gestão, traz efeitos positivos para toda a sociedade: reduz trânsito, poluição, emissões e acidentes. No Brasil, entretanto, o investimento majoritário tem sido no transporte individual, com externalidades negativas que impactam toda a população.

Nos últimos anos, cresceu o debate sobre novas fontes de financiamento para o transporte público. Em 2019, a Prefeitura de Porto Alegre apresentou uma proposta que conciliava uma taxa sobre aplicativos de transporte individual, pedágio urbano e uma mudança na forma de contribuição dos empregadores. Se tivesse sido aplicada, a tarifa de ônibus na cidade teria caído, à época, de R$ 4,70 para R$ 2.

Parte da proposta lidava com uma falha de desenho do vale-transporte. Em resumo, a lei brasileira arrecada aquém do potencial (já que a adesão é facultativa), onera os empregados em até 6% do salário e desestimula a busca por políticas de redução tarifária.

Um mecanismo mais eficiente de contribuição das empresas é o “Versement Mobilité”, existente na França desde 1971. A política cobra uma taxa fixa para cada funcionário, desonerando as empresas menores. A alta qualidade e cobertura do transporte público francês é financiada por essa medida.

Pesquisadores buscaram avaliar a aplicação do modelo francês no Brasil. Esse é o propósito do estudo “Vale-transporte: visão geral e passos possíveis para seu financiamento público”, lançado no Congresso Nacional em julho de 2023. O resultado é um crescimento significativo da arrecadação, suficiente para reduzir drasticamente a tarifa ou mesmo zerá-la.

O estudo se desdobrou em projetos de lei apresentados pelas organizações da Rede Nossas Cidades a Câmaras Municipais em junho de 2024. Essas propostas propunham zerar a tarifa nos municípios, eliminando a contribuição com o vale-transporte. Em compensação, seria criada uma taxa paga pelos empregadores para seus funcionários, isentando empresas com até nove empregados.

Recentemente, vereadores adaptaram essa proposta para um novo projeto de lei em Belo Horizonte. O vale-transporte deixaria de ser pago e seria implementada uma taxa paga pelos empregadores, similar à taxa de coleta de lixo, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2009. Segundo cálculos, se essa taxa for de R$ 170 por vínculo empregatício, com isenção para micro e pequenas empresas, geraria uma arrecadação de cerca de R$ 2 bilhões por ano —30% a mais que o faturamento anual dos ônibus na capital mineira. Incluindo outras fontes, esse mecanismo tem potencial de financiar todo o sistema. O projeto já tem assinatura de mais da metade dos vereadores.

Os benefícios da proposta são significativos. Cidades que implementaram tarifa zero assistem ao crescimento expressivo das vendas no comércio local. A população mais pobre passa a acessar serviços públicos essenciais e oportunidades de trabalho.

A desoneração do pequeno empreendedor, que hoje paga o vale-transporte de seus funcionários, pode impulsionar o crescimento econômico. O grande empreendimento tende a faturar mais, como se vê em outras cidades que adotaram a tarifa zero.

Frente a um país que patina nas soluções para a mobilidade, a proposta que avança na Câmara de Belo Horizonte é um alento e, se bem-sucedida, pode ser replicada Brasil afora. O resultado serão cidades melhores —menos trânsito e poluição, mais gente circulando e economias mais prósperas.

Clarisse Cunha Linke

Diretora-executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento/ITDP Brasil

Roberto Andrés

Urbanista, professor da UFMG e estrategista de cidades do Nossas)

Sergio Avelleda

Consultor em mobilidade, coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper e ex-secretário de Mobilidade e Transportes de São Paulo

Rodrigo Tortoriello

Cconsultor em mobilidade e ex-secretário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre)

TENDÊNCIAS / DEBATES

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