Evangélico Paulo Stuart Wright foi alvo da ditadura – 03/03/2025 – Cotidiano


Torço para que o sucesso de “Ainda estou aqui” ajude meus irmãos evangélicos a reconsiderar a avaliação positiva do regime militar que vigorou no Brasil de 1964-1985. Mas é mais fácil promover mártires de épocas e lugares distantes enquanto ignoramos gente, perto de nós, que perdeu a vida na busca da coerência entre fé e suas escolhas políticas.

Recentemente foi lançado por aqui o filme sobre o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer que se opôs ao nazismo e foi enforcado. Até rolou uma campanha entre evangélicos para lotar as salas de cinema. Mas o filme de Walter Salles me fez lembrar do evangélico brasileiro Paulo Stuart Wright. Quem era ele?

Paulo, filho de missionários presbiterianos estadunidenses. Nasceu em 1933, em Joaçaba, Santa Catarina. Foi eleito deputado estadual por Santa Catarina em 1962 e foi cassado pelo regime militar em maio de 1964. Ele era presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil. Tudo isso está no relatório da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva.

A história é parecida com a de Rubens Paiva e de outros brasileiros que combateram o regime militar. Depois de exilar-se no México e voltar clandestinamente para o Brasil, Paulo foi preso em São Paulo. Foi visto pela última vez por uma testemunha no Doi-Codi na capital paulista. O regime militar nunca assumiu a prisão, tortura, desaparecimento e morte dele. Leila Cristina Wright, filha de Paulo e de Edimar Rickli, recebeu a certidão de óbito em 23 de janeiro de 1996, um mês antes de Eunice Paiva receber o atestado de óbito de seu esposo.

A história de Paulo Stuart Wright virou filme muito antes de “Ainda estou aqui”. Em 1987 foi lançado o filme “PSW: uma crônica subversiva” que teve no papel de Paulo Wright o ator Antonio Fagundes e, no elenco, estrelas como Antonio Abujamra e Maria Padilha. O filme foi ignorado pelos evangélicos e a história de Paulo Stuart Wright continua sendo desconhecida da maioria.

O reverendo Jaime Wright era irmão do deputado Paulo Wright. Ele foi o responsável, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns, por fazer chegar ao presidente Jimmy Carter os relatos dos crimes contra os direitos humanos cometidos pelo regime militar brasileiro. Cristão batista e engajado na defesa dos direitos humanos, o presidente norte-americano pressionou o presidente Ernesto Geisel solicitando esclarecimentos sobre as denúncias de violações, dentre elas, o desaparecimento de Paulo Stuart Wright.

Converti-me ao cristianismo evangélico em 1985 e nada se falava nas igrejas sobre o regime militar do qual estávamos saindo. O pouco que lembro de ouvir, era elogioso, sempre repetindo o mantra de que “os militares haviam salvado o país do comunismo”.

Quando vi centenas de evangélicos nos acampamentos em frente aos quartéis, em 2022, entoando o coro “intervenção militar já”, fiquei pensando se Paulo Stuart havia morrido em vão. Quando vejo líderes evangélicos como Silas Malafaia pedindo anistia para os golpistas de 8 de janeiro, fico pensando que não se trata de ignorância histórica, trata-se de uma escolha de quem faz questão de dizer: “ainda estamos do lado errado”.

Em anos recentes nota-se um esforço para produzir filmes voltados para o segmento evangélico. As produtoras de cinema estão acordando para esse enorme mercado. Lamento, até aqui, que a maioria dos filmes seja sobre uma fé açucarada voltada para milagres e salvação de casamentos. As poucas histórias de resistência, como a de Dietrich Bonhoeffer, são de mártires importados.

Ficarei na torcida para que o Oscar de “Ainda estou aqui” ajude cristãos evangélicos a se interessarem por conhecer histórias como a do presbítero Paulo Stuart Wright.



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