CARTA | “Lendo esse jornal, eu aprendo a ser quem eu sou”

Sueli fazendo a leitura de uma das edições do jornal A Verdade. Foto: Reprodução

Um breve relato de como o jornal A Verdade fez minha vó, no auge dos seus quase 84 anos de idade, se descobrir uma revolucionária.

Isadora Miranda | Florianópolis (SC)


CARTA – Minha avó foi a primeira pessoa a comprar um exemplar do Jornal A Verdade que vendi. Em pouco tempo, os jornais passaram a ocupar um lugar especial em sua casa, ao lado das imagens de santos, das plantas bem cuidadas e das toalhinhas bordadas. 

Aos quase 84 anos, Sueli Miranda, ou Sussu, como a chamamos, carrega uma história marcada pelo trabalho, pela revolta e pela inconformidade diante das injustiças sociais. “O jornal A Verdade me afirma que tudo o que eu pensava estava certo, mas não podia contar para ninguém”, diz ela.

A cada duas semanas, a cena se repete: vendo um jornal para a minha avó, que o pendura no varal por um dia antes de abri-lo, garantindo que a rinite não a impeça de ler. Só depois desse ritual, ela o recolhe, separa os cadernos e se dedica à leitura, grifando as partes que mais chamam sua atenção. Minha vó Sussu cuida de seus jornais com o mesmo zelo de quem guarda um tesouro.

O despertar para as contradições vividas

E, de certa forma, são mesmo. “Lendo o jornal, eu aprendo a ser quem eu sou”, me disse ela certa vez. Nascida durante o Estado Novo de Vargas e tendo enfrentado a ditadura militar como mãe solo de dois filhos, minha avó cresceu aprendendo o que podia ou não falar. Seu despertar político aconteceu dentro da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assesoar), em Francisco Beltrão (PR), onde teve contato com um de seus assentamentos.

“Eu sabia que existia o PTB e a UDN, mas não podíamos falar sobre isso”, lembra ela, referindo-se aos partidos mais influentes do início da ditadura militar. De 1966 a 1979, apenas dois partidos eram permitidos no Brasil: a Arena, que apoiava o regime, e o MDB, que fazia oposição dentro dos limites impostos, mas era farinha do mesmo saco. Nenhum dos dois dava voz à esquerda radical.

Quando perguntei sobre a conjuntura da época, os partidos e os golpistas, minha avó hesitou. Explicou que o povo não sabia ao certo o que acontecia no país. “E nem podíamos saber”, diz. “Eu via que quem trabalhava e era correto era tratado como errado, enquanto o pessoal da UDN era colocado como santo pelos jornais.”

Até mesmo alguns jornais católicos reforçavam o apoio ao regime, nos conta ela. Católica desde o nascimento, passou a temer a própria igreja. “Os homens andavam com armas e facão na cinta”, lembra. Mas sua fé nunca esteve dissociada da luta por justiça – algo que aprendeu na Assesoar.

Com o jornal A Verdade, minha avó pôde conhecer mais a fundo a ditadura militar, suas motivações e suas consequências até hoje. Aprendeu sobre o avanço do fascismo no mundo e os limites da social democracia para resolver nossos problemas. Prova disso são nossas conversas, em que ela associa o governo Bolsonaro ao passado ditatorial, renega as políticas fascistas do Estado de Israel contra a Palestina e mantém um posicionamento crítico acerca do Governo Lula, mesmo consumindo conteúdo de mídias hegemônicas.

O jornal também a ajudou a desconstruir antigas convicções. Antes, por exemplo, considerava Che Guevara um símbolo negativo. “Uma vez vi um livro do Che do lado da cama da minha filha e fiquei quase louca!”, conta. Mas, depois de ler a matéria sobre ele na edição nº 280 mudou de ideia. “Antes, eu achava que ele fosse um demônio. Agora, lendo sobre sua história e seus pensamentos, vi que, na verdade, ele era ‘santo’.” Emocionada, recortou a foto do revolucionário e a guardou dentro da sua Bíblia.

Outro momento marcante foi a leitura da matéria O Jornal A Verdade e os núcleos do MLB, na edição nº 287. Ela se comoveu com o relato de Dona Nilda, que, também aos 83 anos, disse: “Eu gosto do jornal porque ele fala do povo. […] Quem vai libertar o povo é a verdade! E quem tá seguindo a verdade? É nós, o povo pobre.” Também se encantou com a história de Dona Maria, que aprendeu a ler e escrever aos 73 anos com a ajuda do jornal. “Estou achando maravilhoso ver essas pessoas que antes não tinham acesso ao conhecimento agora abrindo a mente, aprendendo a ler e escrever”, confessou minha avó.

Laços estreitados pela revolução

Hoje, sua relação com o jornal é motivo de orgulho. Quando o geriatra pergunta se ela lê, ela responde com firmeza: “Leio o jornal A Verdade e o jornal da igreja.” Chegou até a recomendar um exemplar para um médico que se queixava das condições precárias de trabalho após a privatização do hospital onde atua: “Na próxima consulta, trago um ‘jornalzinho’ da minha neta pra ti, que fala exatamente sobre isso que você tá falando.”

E, para mim, essa descoberta foi tão transformadora quanto para ela. Minha avó é, para além de um amor imenso, uma grande companheira de luta. Sua relação com o jornal não apenas fortaleceu nosso vínculo, mas também me inspira a vendê-lo com ainda mais vontade. Porque sei que, assim como Sussu, muitas outras pessoas podem encontrar, nas suas páginas, a verdade sobre quem são. Mesmo que ainda não saibam.

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