Como internacionalizar mídia e entretenimento do Brasil – 05/03/2025 – Rodrigo Tavares


Quem lidera os principais grupos de mídia brasileiros não está habituado a dirigir o olhar para o exterior. Quando se funda uma empresa em São Paulo, o objetivo é crescer para o Ceará, não para o Canadá. O mercado nacional tem escala suficiente para ser berço e túmulo. O oposto é mais comum. Nas últimas duas décadas, são vários os grupos estrangeiros que tentaram ou conseguiram entrar no apelativo mercado brasileiro de mais de 200 milhões de consumidores, desde a Viacom dos EUA ao Grupo Prisa de Espanha.

Mas essas rigidezes fronteiriças e patriotismos regulatórios não se coadunam com o futuro da mídia e do entretenimento. Cerca de 55% dos clientes do serviço de streaming Max não são americanos. O maior mercado de nordic noir está fora da Escandinávia. Quando o seriado português “Mar Branco” (“Rabo de Peixe” no original) foi lançado, entrou para o Top 10 da Netflix em 23 países, além de Portugal. Quem assiste TV ou lê jornais gosta de praticidade no acesso e riqueza de conteúdos, não de barreiras artificiais que limitam o consumo de informação e entretenimento. Essas indústrias operam cada vez mais em um ecossistema global.

Oportunidade número um. A mídia brasileira deveria se associar à portuguesa para venderem o acesso aos seus acervos a empresas como a OpenAI, Anthropic, Microsoft, Google, Meta, DeepSeek, Perplexity AI ou Mistral para que estas possam treinar os seus modelos de linguagem de grande escala (LLMs). As empresas de IA se alimentam de quantidades colossais de dados categorizáveis. Interessa-lhes que o conteúdo tenha a mesma língua, não a mesma nacionalidade. Movimentos isolados vendendo dados segregados levam a receitas medíocres. Vários jornais portugueses têm um patrimônio robusto, como o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Expresso ou Açoriano Oriental.

Os principais jornais brasileiros continuarão longe dessa fonte de monetização enquanto tratarem os seus arquivos como túmulos que não podem ser profanados por empresas de IA. Na direção oposta estão centenas de veículos de mídia, como o El País, Le Monde, Politico, Business Insider, Bild, Die Welt, Reuters, Associated Press, Time, The Guardian, Wall Street Journal ou Der Spiegel.

Oportunidade número dois. Concretizem a integração multinacional das plataformas de streaming. Para o consumidor de língua portuguesa, a necessidade de assinar múltiplos serviços, como a brasileira Globoplay e as portuguesas Opto ou TVI Player, transforma o acesso ao entretenimento em um emaranhado logístico. O corte nacionalista da carne fragmenta o potencial de globalização do boi. Como afirma à coluna Pandora da Cunha Telles, a co-produtora de “Mar Branco”, “é fundamental adotarmos uma estratégia de sinergias entre as plataformas de streaming brasileiras e portuguesas para conseguirmos uma maior penetração internacional, com maior investimento por hora produzida.” A integração criaria uma usina global de entretenimento em língua portuguesa.

O Reino Unido oferece um bom exemplo. Em 2024, as principais redes de TV do Reino Unido (BBC, ITV, Channel 4 e Channel 5) criaram uma plataforma de streaming, chamada de Freely, juntando todos os seus conteúdos, gravados e ao vivo, que são disponibilizados pela internet. A plataforma está disponível em todos os tipos de telas, incluindo na televisão. O seu acervo já é superior ao da Netflix, Disney+ ou Apple TV+.

Oportunidade número três. A integração chegará também aos jornais. Novos agregadores de notícias, como a recém-lançada Particle nos EUA, fazem curadoria e agregação de notícias e de redes sociais de todo o mundo, arrumando as notícias por níveis de rigor científico e por espectro político. Por que assinar jornais individualmente se podemos navegar em 360º por uma notícia —seja ela local, nacional ou internacional— com informações oriundas de múltiplas fontes, devidamente validadas?

A Particle, tal como a Ground News ou a Feedly, agrega, sobretudo, jornais de língua inglesa. Precisamos de uma ferramenta semelhante para a língua portuguesa, com anúncios customizados ao perfil individual de cada leitor. É mais uma razão para o Brasil olhar para fora.

O célebre escritor português Miguel Torga, que escreveu para vários jornais e chegou a viver no interior de Minas Gerais, disse que “o universal é o local sem as paredes”. A mídia e o entretenimento brasileiro precisam derrubar barreiras autoimpostas e reconhecer que, na era digital e da inteligência artificial, a relevância não se mede apenas pelo alcance doméstico. O sucesso internacional de “Ainda Estou Aqui” é uma prova disso. Foi aplaudido tanto no Ceará quanto no Canadá.


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