Grupo de moradores leva saneamento à Vila Atlântica – 08/03/2025 – Mercado


Foi em 2014 que um grupo de 56 mulheres, liderado pela diarista Dayane Gonçalves, 43, a Baiana, percebeu a existência de um terreno abandonado na Vila Jaraguá, distrito de São Domingos, zona noroeste de São Paulo. Todas já moravam na região, vivendo de maneira precária.

Levou tempo, mas elas, sem a participação dos homens, bolaram um plano de ocupação, colocado em prática em 2016.

“Mulher é mais fácil de juntar em grupo do que homem. A gente se reuniu e disse: vamos ocupar. Chamamos todas e ocupamos. Os homens apareceram na hora de fazer a força física”, explica ela, que também preside a Associação Beneficente Guerreiras da Fé, que atua na região.

O desafio foi criar a infraestrutura necessária para residir no local que chamam de Comunidade Vila Atlântica. Uma das urgências era o sistema de água e esgoto. Dayane passou a ser o elo das 4.000 famílias e cerca de 21 mil habitantes que moram na região com a Sabesp. Saneamento e água foram viabilizados com a ajuda de outras duas mulheres.

“Era uma área com quantidade importante de pessoas que precisavam do serviço e também da tarifa social. A Baiana ajuda bastante porque conhece a realidade de onde precisa, de quem perdeu [o benefício], de gente que nem sequer tem o que comer. Fizemos amizade e trocamos telefones”, diz Eliana Ramos Ruffino, 55, diretora de experiência do cliente da Sabesp e com 36 anos na empresa.

Para o sucesso da empreitada, o apoio final veio de Débora Longo, 46, a primeira mulher a ocupar o cargo de diretora de operação e manutenção da companhia. Ela é a responsável final pela captação, distribuição, tratamento e saneamento de esgoto em 375 municípios. São 28 milhões de clientes.

Para ter direito à tarifa social, é preciso estar regularizada no CadÚnico do governo federal. Por seis meses, a Sabesp cobre a diferença do valor entre os R$ 22 e a tarifa cheia do morador da Vila Atlântica. Baiana vai de porta em porta avisar às pessoas sobre a necessidade de atualizar os dados. Também faz reuniões em que explica os próximos passos da expansão da rede de esgoto e por que, com o serviço legalizado, todos têm de pagar conta de água.

“Nosso trabalho é levar o saneamento de maneira justa e somos pessoas [com Eliana e Dayane] que têm os mesmos valores. Eliana foi minha primeira mentora na Sabesp. Era a mulher que seguia e que, por afinidade da vida, a gente se tornou muito amiga. Respeito-a demais. Sempre foi uma mulher de soluções. A Dayane entrou na vida da Eliana para fazer esse trabalho social, de regularização da área onde morava e nos fez entender esse contexto social”, afirma Débora, com 29 anos de Sabesp.

É uma corrente que as une além do serviço de água e saneamento. Baiana se tornou referência da comunidade. Seu namorado reclama que ela trabalha mais que ele. Débora foi a garota que entrou na empresa aos 14 anos como estagiária e que, ao assumir o primeiro cargo de liderança, tinha a voz abafada nas reuniões em que era a única mulher.

Eliana é a mulher negra que, apesar de diretora da segunda maior empresa de saneamento do mundo, ouve perguntas, no condomínio do prédio onde mora, como “quem é sua patroa?”. São feitas por empregadas domésticas que acreditam estarem diante de uma colega de profissão.

“Fui casada com um italiano e minha filha é branca de olho claro. Quando saía com ela, sempre me viam como a babá”, diz.

Na Sabesp, ela teve de lidar com uma subordinada que disse não aceitar ter uma chefe preta porque a empresa ia se transformar em um quilombo. A nova gestora colocaria um tronco no escritório, ironizou. A funcionária passou por uma investigação interna e a decisão final era da gerente: a própria Eliana. Ela decidiu não demiti-la.

“Ela teve de entender que a líder era eu e não havia nada que ela pudesse fazer”, disse.

Ao viajar para um evento em Portugal, um passageiro apontou para Eliana e comentou que Débora, no mesmo voo, estava levando a empregada.

“Há episódios de machismo estrutural. Na minha primeira reunião como superintendente da regional norte, todos os homens falavam e eu não conseguia dizer o que pensava. Outro superintendente trouxe a mesma ideia que eu tinha e todos pararam para escutar”, diz Débora.

Ambas chegaram a cargo de executivas, um papel que, de certa maneira, também é desempenhado por Baiana em sua comunidade. Por onde passa, nas ruas de asfalto ou de terra batida, com vista para o Pico do Jaraguá, é cumprimentada, explica o que está acontecendo e o que pessoas da Sabesp estão fazendo ali. É ela, a liderança comunitária, quem avaliza a presença da empresa na região. Sem isso, nada aconteceria.

A palavra de Baiana na Comunidade Vila Atlântica vale mais que a de qualquer homem.

“Estamos nos dando muito bem”, diz ela, sobre a relação com Eliana e Débora. “O meu trabalho é voltado para a comunidade, para mostrar como funciona. A gente explica até que não pode gastar muito para a conta não vir alta. Esse tipo de coisa… Sempre tem o pessoal que não quer, que reclama de alguma coisa. Mas são muito poucos. Todos desejam saneamento”, afirma.

O trabalho coordenado delas é, principalmente, de comunicação. Dayane leva as demandas dos moradores, dialoga, recebe panfletos para distribuir nas casas e banners para enviar nos grupos de WhatsApp. Também explicou às executivas quais os dias se deve ir à comunidade. De segunda a quinta, nem pensar. Domingo é dia do baile funk, o “pancadão”. Não resolve. Ideal é sábado de manhã até as 14h.

São dados que servem bem às visões de Débora e Eliana, de definir prioridades e orçamentos. As três também têm temperamento semelhante, de ir direto ao ponto.

“A gente é cascuda. A Débora, por exemplo, não tem frescura, não tem bom dia ou boa tarde. Eu sou assim também”, define Eliana.

Só tem um problema em ser direta demais.

“Eu falo palavrão. Minha mãe odeia. Mas isso é de conviver muito com homens”, diz Débora.



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