IA na saúde: avanço tecnológico ou ameaça à relação médico-paciente?

A inteligência artificial (IA) tem ganhado espaço no setor de saúde, com a promessa de tornar o atendimento médico mais ágil, preciso e acessível. No Brasil, embora o uso ainda seja limitado, os números mostram um crescimento gradual. Apenas 4% dos estabelecimentos de saúde utilizam IA de forma institucional, enquanto 17% dos médicos e 16% dos enfermeiros já incorporam ferramentas de IA generativa, como ChatGPT e Gemini, às suas práticas clínicas, segundo a pesquisa TIC Saúde 2024. A médica de família Cintia Baulé alerta que, apesar dos avanços, o uso da IA na medicina traz riscos pouco discutidos, como a confiabilidade dos diagnósticos, a falta de regulamentação adequada e a desigualdade no acesso às novas tecnologias.

A automatização de processos burocráticos, o suporte no diagnóstico e o monitoramento remoto são frequentemente exaltados como soluções para os gargalos do sistema de saúde. No entanto, Cintia questiona até que ponto essa tecnologia é realmente confiável e capaz de substituir a complexidade da relação médico-paciente. Ela aponta que a defesa irrestrita da IA na medicina ignora questões fundamentais, como a possibilidade de diagnósticos incorretos gerados por algoritmos, o que pode levar a tratamentos inadequados. Modelos preditivos podem reforçar vieses existentes, especialmente em sistemas que carecem de dados abrangentes e diversificados.

Além dos riscos clínicos, a automação excessiva também pode desumanizar o atendimento médico. Cintia observa que a relação médico-paciente pode ser afetada negativamente quando a tecnologia é colocada como intermediária. “Em um país onde milhões dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), o investimento em IA sem a devida infraestrutura pode aprofundar as desigualdades, beneficiando apenas uma parcela da população com acesso a serviços privados mais sofisticados”, destaca.

Outro ponto crítico levantado pela médica é a fragilidade da privacidade dos dados dos pacientes. Os sistemas de IA dependem de vastos bancos de dados para aprender e tomar decisões, o que os torna alvos valiosos para vazamentos e usos indevidos. “A ausência de regulamentação robusta no Brasil permite que informações sensíveis circulem sem transparência, gerando um risco ético grav”, afirma. A médica questiona quem controla esses dados e como garantir que a IA não seja usada para discriminar pacientes com base em padrões invisíveis nos algoritmos.

Há também dúvidas sobre o impacto real da IA na rotina dos profissionais de saúde. Cintia pondera se a tecnologia realmente alivia a carga dos médicos e enfermeiros ou apenas redistribui o problema. Ela explica que a automatização de tarefas administrativas pode ser benéfica, mas não resolve a falta de profissionais nos hospitais públicos nem melhora a remuneração dos trabalhadores da saúde. “Em muitos casos, a implementação da IA serve mais aos interesses econômicos de grandes empresas de tecnologia do que às reais necessidades da população”, ressalta.

O uso da IA na saúde levanta, portanto, questões sobre ética, segurança e acesso. Cintia defende que a implementação dessa tecnologia precisa ser acompanhada por uma regulamentação clara e eficiente para garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equitativa. “Em vez de apostar cegamente na automação, é necessário equilibrar inovação com ética e segurança”, afirma. Para ela, a inteligência artificial pode ser uma aliada, mas não deve ser tratada como uma solução mágica para os problemas estruturais do sistema de saúde.

O futuro da saúde, segundo Cintia, depende não apenas de tecnologia avançada, mas de um compromisso real com a equidade, a proteção dos dados e o cuidado centrado no paciente. A regulação precisa acompanhar o ritmo da tecnologia para garantir que os benefícios sejam amplamente distribuídos, sem comprometer a qualidade do atendimento ou substituir o julgamento clínico humano.

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