Saque imperialista leva guerra civil ao Congo

Mulheres e crianças buscam água em meio à violência generalizada no Congo. Foto: ATS

“No Congo, o governo de Ruanda busca agora controlar, em associação com monopólios da mineração europeus, canadenses e australianos, a produção dos chamados minerais raros. Por isso, o país financia e arma o grupo rebelde M23, mandando, inclusive, tropas para intervir nas batalhas entre o Estado congolês e os rebeldes.”

Felipe Annunziata e Guilherme Arruda | Redação


A atuação das potências imperialistas no território da República Democrática do Congo, também conhecido como Congo Democrático, vem aprofundando o cenário de guerra civil no país. Com centenas de milhares de mortos e pelo menos sete milhões de deslocados, a crise na nação africana não encontra um fim há quase 30 anos.

Desde 2022, o conflito se reacendeu, e um grupo rebelde armado denominado M231 enfrenta tropas do governo nas províncias do leste do país. No último mês, o grupo capturou duas capitais de província e avança rapidamente com apoio do regime de Ruanda, país vizinho ao Congo. Os rebeldes controlam grandes jazidas de minerais raros, que contrabandeiam para o território ruandês e para os grandes monopólios de mineração internacionais. Os combates se concentram na região de Kivu, extremamente rica em recursos estratégicos, como lítio, titânio e cobalto.

Ao que tudo indica, Ruanda deseja que o M23 controle a área para ser a principal beneficiária da venda desses recursos, tornando-se o maior parceiro comercial do imperialismo e das grandes mineradoras na região. Um forte indício desse plano foi a assinatura de um acordo entre o governo de Ruanda e a União Europeia, em 19 de janeiro, um Memorando de Entendimento2, cujo objetivo é facilitar a exploração de minerais raros sob controle do país.

Espoliação colonial

O Congo é uma vítima histórica da ganância das potências imperialistas. Rico em uma série de recursos minerais, terras férteis e enorme biodiversidade, o país foi vítima da colonização belga no século 20. Ali, foi imposto um dos regimes mais cruéis da história do colonialismo, onde pessoas eram escravizadas, torturadas, mutiladas e grupos étnicos inteiros foram exterminados. Historiadores estimam que até 13 milhões de congoleses foram mortos pela monarquia da Bélgica.

Sob a liderança do revolucionário Patrice Lumumba3, um movimento anticolonial conquistou a independência do país em 1960. Porém, em represália a sua posição internacionalista e contrária ao imperialismo, Lumumba foi assassinado por militares belgas e estadunidenses em 1961.

Após a queda de Lumumba, os interesses imperialistas impuseram uma ditadura pró-Ocidente liderada pelo general Mobutu, que só saiu do poder em 1997. A queda de Mobutu deu origem a uma guerra em que quase dez países da região ocuparam partes do Congo, aproveitando-se da fragmentação.

Em 1999, com a justificativa de trazer estabilidade à região em conflito, a ONU estabeleceu no Congo uma das suas chamadas “missões de paz”, reunindo militares de mais de uma dezena de países. Essas tropas estão no país até hoje, sem tê-lo pacificado ou reunificado completamente. Na realidade, a presença dos chamados “capacetes azuis”4 contribuiu para a intensificação da exploração dos recursos minerais do Congo nas áreas controladas pelo governo, mantendo o país em uma situação de subordinação neocolonial.

Crimes do imperialismo

A situação no Congo tem piorado a cada dia. Massacres com centenas de mortos e crimes sexuais são registrados em diversas províncias. A interferência de Ruanda hoje cumpre um papel de defesa dos interesses do imperialismo ocidental e das grandes mineradoras no país, apesar de oficialmente todas as potências do Conselho de Segurança da ONU condenarem a agressão ruandesa.

Ruanda, que também foi vítima de uma longa guerra civil e um genocídio na década de 1990, hoje tem um governo a serviço dos grandes monopólios, buscando o controle das exportações de minerais raros em troca do enriquecimento de uma elite milionária. Além disso, o país já responde por 30% das exportações mundiais de tungstênio, mineral importante na indústria de munições e ligas metálicas para uso militar.

No Congo, o governo de Ruanda busca agora controlar, em associação com monopólios da mineração europeus, canadenses e australianos, a produção dos chamados minerais raros, importantes na produção de baterias e chips para aparelhos eletrônicos. Por isso, o país financia e arma o grupo rebelde M23, mandando, inclusive, tropas para intervir nas batalhas entre o Estado congolês e os rebeldes.

Apesar de não estarem envolvidos na guerra diretamente, os imperialismos europeu e estadunidense buscam nos bastidores se apoiar na divisão interna do Congo Democrático. Isto porque a influência chinesa e russa tem crescido cada vez mais naquela região do mundo.

A China já é responsável pelos principais investimentos em infraestrutura em praticamente todos os países da África Central, mais notadamente em Angola, com quem o Congo Democrático compartilha sua maior fronteira. A Rússia, por sua vez, ampliou a atuação do Grupo Wagner5, especialmente na República Centro-Africana, que está na fronteira norte do Congo.

Esta situação geopolítica, alinhada à carência de infraestrutura do Congo, que encarece a exploração mineral, coloca Ruanda na posição de principal aliado da União Europeia e dos EUA na região. Através de Ruanda, do grupo rebelde M23 e das tropas da ONU, o imperialismo consegue manter o território congolês dividido, facilitando a exploração de seu povo.

São conhecidas as denúncias de escravização de milhares de congoleses, principalmente crianças, pelo setor da mineração. Segundo a Unicef, pelo menos 40 mil crianças são exploradas nas minas de cobalto no sul do país, em nome do lucro de empresas como a Apple, Google e Tesla. É para manter este estado de superexploração que essa guerra se mantém por tanto tempo.

General brasileiro chefia missão

No último dia 08 de fevereiro, desembarcou na África o general brasileiro Ulisses de Mesquita Gomes, que assumiu o comando da missão da ONU no Congo.

Dois dias antes, o general Ulisses recebeu dos Estados Unidos a condecoração da “Legião do Mérito” por sua conduta no cargo de Adido Militar do Brasil nos EUA, em uma cerimônia em que o governo norte-americano ressaltou “os fortes laços bilaterais entre os Exércitos dos Estados Unidos da América e do Brasil”.

A chegada de um oficial brasileiro intimamente ligado ao imperialismo norte-americano e que se envolveu na estruturação da missão das Nações Unidas no Haiti, onde o Exército Brasileiro cometeu uma série de crimes, permite entender os limites das “missões de paz” da ONU e a necessidade de uma saída revolucionária dos povos para pôr um fim à crise congolesa.

Não é coincidência que muitos dos oficiais brasileiros que participaram ou mesmo comandaram a missão no Haiti, que até hoje não se recuperou das sucessivas intervenções imperialistas, tenham se tornado aliados de primeira hora do fascista Jair Bolsonaro, como o general Augusto Heleno e o capitão Tarcísio de Freitas.

Não queremos que o Congo se torne palco de atrocidades cometidas por qualquer outra nação, muito menos pelo Brasil. A manutenção da ordem mundial imperialista depende dessas guerras, genocídios, intervenções armadas que se espalham pelo mundo. Por isso, é preciso ampliar a denúncia no Brasil das atrocidades do imperialismo no Congo Democrático e rechaçar a conivência do Exército brasileiro com tais crimes contra a humanidade.

Matéria publicada na edição impressa nº 308 do jornal A Verdade

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