Um dia mais velho, um dia mais livre – 23/03/2025 – Haja Vista

“Quando puder, eu lhe confirmo a informação”.

Uma frase gramática e sintaticamente perfeita. Quem confirma, confirma algo a alguém, no caso a você, terceira pessoa do singular. Portanto, a norma culta sugere “Lhe” em vez de “Te”.

Mesmo assim, ela não imune a gracejos. Minha noiva, cultíssima, vale ressaltar, ouviu de longe o leitor de telas do meu celular e, com um riso carinhoso, comentou: “Você é a única pessoa que conheço que escreve no WhatsApp assim”. Suspeito que neste momento em que lê o texto esteja pensando que seja a única que escreva gracejos também.

Não só isso. Coloco pontos finais ao final da mensagem, vírgulas depois dos vocativos, letras maiúsculas em nomes próprios e faço quase tudo o que aprendi no colégio. A exceção são os acentos, ainda meio chatos de inserir no teclado do celular para quem não enxerga.

Não é que eu seja um perfeccionista nem o censor do grupo de WhatsApp que sai corrigindo parentes e amigos para apontar a todos seu desleixo ou falta de cultura. Simplesmente meu texto sai assim. Para fazer de outra forma é que eu teria de pensar e seria muito menos natural.

Assim como para mim é muito mais natural dizer que a vaca vai pro brejo ou que a porca torce o rabo do que falar um palavrão quando a maré não tá pra peixe.

São essas coisas meio fora do comum que a gente faz por instinto fazem parte do caldo que torna a cada um único. Minnha intuição sempre vai me fazer pegar uma calça jeans em vez de uma bermuda para ir à casa da minha mãe, à padaria, ao shopping ou ao parque, não importa o verão que esteja. Da mesma forma, provavelmente eu vou vestir uma meia fofinha nos pés em vez de andar descalço, mesmo no verão. Aliás, outra coisa que é muito natural para uma saída rapidinha e eu acho confortabilíssimo é unir meias e um par de chinelos imitando couro.”Você bem que podia se vestir de um eito mais jovem”, sugerem. Ao que cedo e por vezes até gosto.

Minhas escolhas estéticas estão sujeitas a oposição ainda mais feroz quando saio para meu treino matinal na academia ou no parque com minha inevitável pochete, que talvez um dia tenha estado na moda, só que antes de eu nascer. Mas podem falar à vontade, meu cinto de utilidades é perfeito para óculos de sol, celular, chave de casa, carteira, alguma comidinha e até minha bengala.

Falando em treino, minha playlist para dar aquele gás também é de causar algum espanto nos brotos. Mas me tranquilizei ao descobrir que no YouTube já existem alguns vídeos em que se pode assistir a jovens fazendo sua ginástica ao som de música clássica.

Dizem que Nelson Rodrigues tinha um conselho infalível para os jovens: envelheçam.

Nem tão jovem assim, aos meus 35 anos acho que estou me saindo muito bem. O autor de “Vestido de Noiva” só não contou que aquele que padecesse de envelhecimento anímico precoce teria de lidar com as consequências de estar no meio de um grupo de amigos e ser o único que não fazia a menor ideia do que se tratava a “Roda do Caranguejo”. Caso eu não seja o único, conto que é o refrão de uma canção cantada pela Cláudia Leite que alegrou muita micareta colocando o os moços e as moças para pular pra lá e pra cá.

Se não bastasse aguentar a zombaria, já tive um relacionamento no qual a vaca foi pro brejo quando a jovem soube que eu não conhecia um funk que estava em alta no TikTok. Pelo bem da vida sentimental dos garotos, sugiro que aprendam letra, música e coreografia de “Desenrola, bate, joga de ladinho”.

Meu consolo é saber que, mesmo estando apenas na metade do caminho e só ter umas entradinhas disfarçáveis na cabeleira farta, já estou preparado para aproveitar com meus chinelos e meias e um casaquinho de tricô a melhor idade, quando ninguém vai me julgar se eu não souber o que todos dançaram no Carnaval passado nem qual a série do momento. Aliás, não vão me julgar nem se eu não gostar de Carnaval ou de séries.

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