Vazamento de segredos dos EUA revela verdade eterna sobre tolice de governantes – 25/03/2025 – Rui Tavares


“No meu tempo”, diziam os veteranos da Redação, “para fazer jornalismo era preciso gastar a sola do sapato”. Isso ainda ouvi eu muitas vezes, quando ia entregar (em disquete!) as minhas críticas de arte ao jornal lisboeta no qual me iniciei, há uns trinta anos.

“As histórias não caem no colo da gente!”, sentenciavam. E, para encerrar o assunto, acrescentavam uma pitada sobre os jornalistas que revelaram o escândalo de Watergate ou os papéis do Pentágono: anos cultivando fontes, com encontros escusos em garagens escuras, lendo documentos, correndo riscos.

Isso era antes. Hoje, nos tempos de Donald Trump, um jornalista pode simplesmente ser adicionado a um grupo de Signal —como aconteceu a Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic— com o vice-presidente dos Estados Unidos, o secretário de Defesa, o secretário de Estado, a CIA, e mais uns quantos conselheiros do presidente, todos combinando um ataque aos houthis do Iêmen. E depois descobrir que tudo aquilo é verdade, no parque de estacionamento de um supermercado, enquanto confirma que as bombas sobre as quais acabou de ler estão a explodir no mar Vermelho.

Lamento pelos velhos jornalistas. Mas aquilo que esta história revela confirma uma heresia que aprendi da minha experiência como crítico de arte, depois historiador, e político praticante. A verdade é esta: um artista pode ter fama de desorganizado, de não cumprir horários, de ter a vida num caos e, no entanto, não há uma exposição que faça que não tenha sido pensada ao detalhe.

O mesmo não se pode dizer do governante: o político ambicioso pode ter levado anos de preparação para chegar ao cargo, acreditar verdadeiramente num programa, em doutrina, em ideologia e, depois, no momento da execução, tudo ficar dependente de uma briga de egos, uma falha de informação, uma enxaqueca.

Os governantes não querem que se saiba isto, porque os governados já andam ansiosos o bastante. Mas quem está no meio da ação não é sempre quem tem mais informação. Já ouvi primeiros-ministros dizerem “ah, que saudades da oposição, quando eu tinha tempo para ler um jornal!”. E a implementação está dependente de uma cadeia de comando que nem sempre interpreta as ordens ou as executa como pretendido —se é que o comandante sabe o que quer.

Por isso nunca me convenceram os argumentos de que, por trás da loucura de Trump, haveria uma sofisticação oculta. Há economistas inteligentes que não entendem a política tarifária de Trump e afirmam que ele tem um plano secreto para refazer os acordos de Bretton Woods em Mar-a-Lago.

Não; Trump é aquilo que parece. Provavelmente não sabe a diferença entre Bretton Woods e um campo de golfe. O seu caos é apenas caos.

Estes vazamentos provam o mesmo sobre os seus sequazes. O vice J. D. Vance é movido pelo rancor à Europa. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, pela vontade de mostrar poder. O conselheiro de segurança interna Stephen Miller, pela de agradar ao chefe. Não há mais sofisticação do que isto.

Dizia Axel Oxenstierna, grande líder político sueco durante toda a Guerra dos Trinta Anos: “Não sabes, meu filho, com quanta estultícia é governado o mundo?”.

Essa é uma das poucas leis da história que ainda ninguém conseguiu refutar.


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