Estudantes da USP lutam pela Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive”

Com o crescimento dos casos de violência sexual na USP, Movimento de Mulheres Olga Benario propôs a criação de uma importante ferramenta para o acolhimento das vítimas. Apesar da negativa da reitoria da universidade, luta pela Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” segue viva

Núcleos da USP do Movimento de Mulheres Olga Benario


Recentemente, a Universidade de São Paulo (USP) foi palco de diversos casos de violência sexual em seu principal campus, a Cidade Universitária. Por isso, o último semestre foi marcado por uma onda de mobilização em defesa da vida das mulheres na USP.

Em agosto deste ano, como noticiou o jornal A Verdade, um homem rendeu uma estudante com simulacro de arma de fogo, em uma tentativa de estupro na Praça do Relógio, localizada na universidade. O caso ocorreu em uma área conhecida pela falta de iluminação, apesar de próxima da base da Polícia Militar e da Guarda Universitária. Apesar disso, em reunião com representantes do DCE Livre da USP, a Prefeitura do Campus informou que a única ação mais imediata para impedir novos casos seria a “poda de árvores”, já que a realização de uma licitação para melhorar a iluminação do espaço demoraria um longo tempo.

Poucas semanas depois, uma estudante e moradora do Conjunto Residencial dos Estudantes (CRUSP) denunciou o estupro que sofreu por um aluno, que também era seu vizinho na moradia estudantil. Um órgão da universidade alegou que o caso não se enquadraria na Lei Maria da Penha como “violência doméstica”, por ter ocorrido no CRUSP e sem vínculo matrimonial. A vítima passou por uma série de órgãos – a Comissão de Direitos Humanos da FFLCH, Delegacia da Mulher, Defensoria Pública, Fórum Criminal da Barra Funda e Ministério Público – buscando ajuda, mas só obteve uma medida protetiva na Casa da Mulher Brasileira após expor seu próprio rosto na grande mídia e receber apoio político das estudantes da USP e suas entidades.

A omissão da instituição frente a esses casos tão graves tem gerado revolta e cada vez mais vontade de denunciar esses casos entre as estudantes. Após esses ocorridos, a Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP), junto com o Movimento de Mulheres Olga Benario e o Movimento Correnteza, realizaram uma manifestação simultânea a uma reunião com a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP, onde foi apresentado o projeto da Sala Lilás “Janaina Bezerra Vive”, desenvolvido pelo movimento de mulheres, que funcionaria como um local de acolhimento para vítimas de violência de gênero. A reação da universidade, no entanto, foi de incômodo com os protestos.

Violência na “melhor universidade da América Latina”

Os casos do último semestre não são exceções: a USP tem um histórico de episódios de violência de gênero, que foram sistematicamente apagados. Em 2015, a CPI do Trotes identificou mais de 100 casos de violência sexual na Faculdade de Medicina. Em uma pesquisa de 2018 do grupo USP Mulheres, 88 estudantes mulheres e não-bináries responderam afirmativamente a uma pergunta sobre se “alguém forçou você a ter uma relação sexual” desde que ingressou na universidade.

Além disso, os dados oficiais de violência de gênero na USP são subnotificados e não revelam a real dimensão do problema. Em uma patrulha do Movimento de Mulheres Olga Benario, se descobriu que, no quadro da Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária (SPPU), entre 2014 e 2024, apenas um caso de violência sexual – datado de 2016 – e nove casos de violência contra a mulher foram notificadas pela Guarda Universitária do Campus Butantã em seus registros de ocorrências.

Na EACH, faculdade localizada no campus USP Leste, as estudantes moradoras da região organizam grupos de mensagens para informar umas às outras sobre locais perigosos. Ao mesmo tempo, o coletivo feminista da EACH tem se sobrecarregado com o recebimento de denúncias de casos de violência sexual. Por isso, cresce o questionamento: por que a responsabilidade de acolhimento das vítimas está recaindo individualmente sobre estudantes, funcionárias e funcionários, docentes e coletivos feministas, mas não sobre a própria universidade enquanto instituição?

O projeto da Sala Lilás

O aumento de casos de violência sexual não é exclusivo da USP. É notório o caso recente da estudante de jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Janaína da Silva Bezerra, que tinha 22 anos quando foi vítima de feminicídio por um pós-graduando da mesma universidade durante uma calourada em janeiro de 2023. Meses após o assassinato, após três tentativas de julgamento onde familiares, amigos e movimentos sociais se mobilizaram para defender justiça por Janaína, o acusado foi condenado a 18 anos de prisão por estupro, assassinato e vilipêndio de cadáver.

Retomando a memória de Janaína, os núcleos do Movimento de Mulheres Olga Benario na USP iniciaram a organização da Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” para o campus Butantã encaminhando um projeto para um edital de fomento da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, junto de projetos  para uma sala de amamentação e uma brinquedoteca na EACH. As propostas foram inspiradas nas casas de referência do Movimento de Mulheres Olga Benario, como as Casas Laudelina de Campos Melo e Anatália de Souza Melo Alves, assim como a Cozinha Solidária Rafael Kauan, realizada no CRUSP.

Com  a força de sua articulação, as mulheres e mães da EACH conquistaram um orçamento de 8 mil reais para a Sala de Amamentação. A Sala Lilás, no entanto, não foi contemplada pelo edital. O Movimento de Mulheres Olga Benario denuncia que a escolha de não contemplar o projeto foi política, já que a proposta previa a implantação do lugar em uma das cozinhas desativadas do CRUSP, lugares abandonados onde ocorrem casos de violência sexual.

Além disso, mesmo aprovadas, a sala de amamentação e a brinquedoteca seguem enfrentando entraves “burocráticos”, com a justificativa de que a USP Leste não possui espaço para a implementação de qualquer ambiente estudantil. Na prática, esse argumento demonstra o descaso com as mulheres mães da universidade: a ausência de espaços para as crianças afirma de forma silenciosa que elas não possuem o direito de ocupar o ambiente acadêmico.

Pela vida das mulheres

Em meio à onda de casos de violência sexual, as estudantes da USP questionam: Por que até hoje há uma Academia da Polícia e uma base da Polícia Militar no campus, mas não um Centro de Referência para Mulheres? Por que os casos de estupro não chocam a Reitoria da universidade? Por que, mesmo com R$8,6 bilhões em caixa, a USP não destina orçamento para a contratação de uma equipe técnica especializada?

A série de absurdos tem se transformado em combustível para organizar mulheres e estudantes da USP que querem lutar contra esse cenário. Com atividades como passagens em sala e panfletagem nos bandejões, livro-ouro, campanha nas redes sociais e articulação com Centros Acadêmicos, coletivos feministas, sindicatos e entidades representativas, o Movimento de Mulheres Olga Benario já coletou mais de 2 mil assinaturas para um abaixo-assinado em defesa da criação da Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” e o contato de dezenas de interessados em construir as atividades da sala.

A força da mobilização demonstra que, querendo a Reitoria da USP ou não, a Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” será conquistada e transformada em uma trincheira de lutas. Por Nelly Cristina Venite de Souza Maria, estudante de Obstetrícia! Por Jessica Ponte Pedersoli, trabalhadora de segurança na EACH! Por Regina Célia Leal Bezerra, técnica da USP de Ribeirão Preto! Por Geiza Aparecida Medeiros Martinez, funcionária da FFLCH! Por todas as vítimas de feminicídio, assédio e violência sexual nas universidades, as estudantes vão lutar pela construção da Sala Lilás “Janaina Bezerra Vive”!

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