Bancos e bilionários estão por trás do aumento do dólar

A aumento do dólar mostrou a voracidade do capital financeiro. A questão não é fiscal, é preciso apontar os verdadeiros culpados.

Beto Silva | Rio de Janeiro


BRASIL – Ao longo do mês de dezembro, a moeda brasileira sofreu forte desvalorização. O dólar, que custava R$ 5,80 em 25 de novembro, fechou o ano valendo R$ 6,10, tendo alcançado a máxima de R$ 6,18 em 19 de dezembro. O aumento da taxa de câmbio tem impacto direto na vida das pessoas. Por ser um país dependente, a economia brasileira precisa importar insumos e produtos finais para se manter funcionando. Como esses bens são pagos em dólar, a desvalorização do real significa um choque de custo. Ou seja, quanto maior a taxa de câmbio, maior a inflação e menor o poder de compra da população.

Não é a primeira vez que o país enfrenta uma crise cambial. Pelo contrário, momentos como esse acontecem frequentemente na história econômica brasileira. Em geral, fatores econômicos e políticos se misturam na explicação das crises. Porém, uma das particularidades da desvalorização atual talvez seja a preponderância evidente do componente político e especulativo.

Há meses, o mercado, isto é, os representantes do capital financeiro, vem pressionando o governo federal para realizar cortes nos gastos públicos. O objetivo é manter a drenagem de recursos públicos para os grandes detentores da dívida pública, os super-ricos, enquanto áreas como habitação, saúde, educação e meio ambiente têm que se virar com orçamentos cada vez mais apertados.

Para a população, a velha mídia tenta caracterizar pressão por cortes como sendo uma preocupação com a sustentabilidade das contas públicas. No entanto, essa argumentação é falsa por vários motivos. Primeiro, porque a dívida brasileira é uma dívida em reais (não em dólares, como foi no passado) e, portanto, totalmente manejável pelas autoridades monetárias nacionais. Segundo, porque se o capital financeiro estivesse interessado em reduzir os gastos públicos deveria ser contra os constantes aumentos da taxa de juros do Banco Central. Cada ponto percentual de elevação da taxa de Selic, aumenta os gastos públicos em mais de R$ 45 bilhões por ano. Terceiro, porque, em novembro, o governo Lula cedeu às pressões do capital financeiro e anunciou um corte de R$ 70 bilhões, sendo R$ 26 bilhões já em 2025 (ver A VERDADE, no304, dez/24).

Assim, a desvalorização do real aconteceu mesmo com o governo atendendo às exigências do mercado. Fica claro, portanto, a motivação política e especulativa da atual crise cambial.

A vulnerabilidade do mercado de câmbio

O mercado de câmbio, tal como os demais mercados, não existe “naturalmente”. Os mercados são uma criação social e, para existirem, precisam de uma institucionalidade que o oriente (regras, leis, convenções, contratos formais e tácitos, agentes reguladores, etc.). Com o mercado de câmbio, onde são transacionadas moedas de diferentes países, não é diferente. Por isso, a forma de funcionamento do mercado cambial não é a mesma em todos os países. Cabe a cada nação regular como sua moeda é negociada visando, entre outros motivos, proteger-se de ataques especulativos. Entretanto, nas últimas décadas, o Brasil tem seguido o caminho que vai no sentido oposto. Ou seja, as normas e leis aprovadas nos últimos 20 anos aumentaram a fragilidade do real.

Antes da Resolução do Banco Central no 2.689 de 2000, no segundo governo FHC, os capitalistas internacionais não tinham acesso a todos os ativos financeiros disponíveis no mercado brasileiro. Em especial, não podiam atuar no mercado de derivativos.

Desde 2008, durante o segundo mandato do Presidente Lula, com Resolução no 3.548, os exportadores brasileiros não são mais obrigados a converter em reais a receita da venda dos produtos no exterior. Essa situação, que vigora até hoje, atende aos interesses do agronegócio e das mineradoras. Os bilhões de dólares obtidos anualmente com a venda de soja, milho, minério de ferro e outros produtos primários poderiam gerar um fluxo de divisas (isto é, dólares) seguro e previsível que ajudaria o país a enfrentar os ciclos de liquidez internacional.

Porém, da maneira como é hoje, o próprio capital nacional oriundo das exportações se comporta como se fosse internacional. Pode ficar indefinidamente em contas no estrangeiro, voltando ao país apenas para ganhos de curto prazo e promovendo fugas em massa nos momentos de crise. Ou seja, as receitas de exportação que deveriam ser um componente de estabilização da taxa de câmbio convertem-se em um fator que potencializa a especulação. Pior: como essas receitas são operadas a partir de agentes brasileiros (gestores de bancos e fundos de investimento) são ainda mais suscetíveis a serem utilizadas contra políticas do governo federal que contrariem os interesses do capital financeiro.

Em 2021, no governo Bolsonaro, a desregulação no mercado de câmbio deu mais um passo temerário. A Lei 14.286, além de ratificar a manutenção das receitas de exportação no exterior, reduziu as informações exigidas nas operações de câmbio e delegou poderes ao Banco Central para permitir a abertura de contas em dólares no Brasil, o que pode levar à dolarização da economia. Embora essa medida ainda não tenha sido tomada, não há mais nenhum empecilho legal para mais esse ataque à soberania monetária do país.

Porém, mesmo sem ainda terem a possibilidade de contas em dólares em território brasileiro, a redução das exigências legais e o surgimento dos bancos digitais (NuBank, Nomad, C6, Inter, etc) facilitou muito a abertura de contas internacionais. Contas internacionais (ou contas globais) são contas no exterior, em dólares, cujos titulares são brasileiros. Ou seja, agora, mesmo o pequeno e médio capital nacional pode facilmente migrar para a moeda norte-americana. O agravante é que são justamente os detentores desse pequeno/médio capital os mais propensos a adotar o comportamento de gado quando é dada a senha de ataque pela velha mídia, agências de riscos, influenciadores e coaches financeiros, etc.

Em resumo, o neoliberalismo da atual institucionalidade do mercado de câmbio torna a economia brasileira vulnerável a ataques especulativos não apenas do capital internacional, mas também do próprio capital nacional, sendo este ainda mais interessado na manutenção do subdesenvolvimento do Brasil.

Recuperar a soberania monetária e punir os especuladores

Um sindicato que deflagrar greve por motivos que a Justiça Trabalhista julgue serem “políticos”, estará sujeito a multas diárias milionárias. Por outro lado, quando o capital – internacional e nacional – provoca uma crise cambial em represália a alguma medida do governo federal, nada acontece. Pelo contrário, têm a audácia de se apresentarem como defensores das finanças públicas. A crise cambial atual é a greve patronal do capital financeiro. A desvalorização do real é a arma que o capital financeiro usa para chantagear o governo. A aflição é que as condições para que esse mecanismo seja usado foram criadas pelo próprio governo.

Ninguém discute que todo país soberano tem o direito e o dever de vigiar e controlar suas fronteiras territoriais. Pelos mesmos motivos, as “fronteiras” monetárias e financeiras podem e devem ser reguladas em função dos interesses da economia nacional, não do capital financeiro. O mercado de câmbio não pode ser uma terra sem lei. O governo deve exigir a repatriação das receitas de exportação, proibir o livre acesso do capital financeiros aos ativos brasileiros, taxar capitais de curto prazo, evitar a dolarização da economia. Ao mesmo tempo, identificar e punir os especuladores e divulgadores de fake news que fomentam e lucram com a crise.

A crise mostrou a voracidade do capital financeiro. Os cortes sociais nunca serão suficientes. A questão não é fiscal. É preciso apontar os verdadeiros culpados. E, mais importante, tomar medidas para reverter a liberalização do mercado de câmbio e recuperar a soberania monetária do país.

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