País vende passaportes para enfrentar crise do clima – 23/02/2025 – Ambiente


Para ajudar a cobrir o custo de mover cerca de 10 mil residentes de casas situadas em áreas ameaçadas pelo aumento do nível do mar e inundações, a remota nação de Nauru, no oceano Pacífico, pretende vender cidadanias para a ilha ameaçada pelas mudanças climáticas.

O presidente David Adeang quer arrecadar inicialmente US$ 65 milhões (cerca de R$ 370 milhões) para transformar o árido interior —deixado por décadas como uma paisagem inabitável de mineração de fosfato— com um projeto que visa, ao final, desenvolver um novo município, fazendas e locais de trabalho. Cerca de 90% da população seria eventualmente realocada.

Estrangeiros que pagarem pelo menos US$ 140,5 mil (R$ 800 mil) por um passaporte provavelmente nunca colocarão os pés na ilha, que fica a cerca de 4.000 quilômetros a nordeste de Sydney, mas poderão aproveitar o acesso sem visto a destinos, incluindo o Reino Unido, Singapura e Hong Kong.

“Enquanto o mundo debate a crise climática, devemos tomar medidas proativas para garantir o futuro de nossa nação”, disse Adeang, eleito em 2023, em uma resposta por escrito a perguntas da reportagem. “Não vamos esperar as ondas levarem nossas casas e infraestrutura.”

Nauru segue a Dominica, ilha no Caribe, ao tentar usar os recursos da venda de cidadanias para proteger suas populações dos impactos crescentes das mudanças climáticas. Isso ilustra os desafios que as pequenas nações enfrentam para garantir financiamento para iniciativas que aumentem a resiliência. Embora as economias ricas tenham aumentado a taxa de empréstimos e subsídios para países em desenvolvimento, o déficit entre o financiamento para adaptação climática disponível e o necessário pode chegar a até US$ 359 bilhões (R$ 2 trilhões) por ano, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em um relatório de novembro.

Negociadores de um bloco de pequenos estados insulares, incluindo Nauru, saíram abruptamente de negociações tensas sobre financiamento climático durante a cúpula COP29 do ano passado no Azerbaijão, e um acordo eventual — sob o qual os estados ricos prometeram entregar pelo menos US$ 300 bilhões (R$ 1,7 tri) anuais para a ação climática — ficou muito aquém dos mais de US$ 1 trilhão (quase R$ 5,7 tri) por ano que haviam sido solicitados.

Iniciativas de adaptação “exigem recursos financeiros substanciais, o que é uma luta contínua”, disse Adeang à Assembleia Geral da ONU em Nova York, em setembro passado. “Quando se trata de financiamento climático, frequentemente somos relegados para o fim da fila. “Entre 2008 e 2022, Nauru recebeu US$ 64 milhões (cerca de R$ 364 milhões) em financiamento para o desenvolvimento com foco no enfrentamento das mudanças climáticas, de acordo com o Lowy Institute, um centro de pesquisa em assuntos internacionais.

Nauru enfrentará aumentos significativos nas inundações extremas nas próximas décadas, de acordo com a equipe de Mudanças no Nível do Mar da NASA. O número de dias de inundação —quando os níveis da água estavam pelo menos 0,5 metros acima de uma referência— foi de 8 entre 1975 e 1984, e 146 entre 2012 e 2021, mostram os dados da NASA. Já o custo anual estimado para pequenos estados insulares em desenvolvimento —um grupo de 39 nações que inclui Jamaica e Fiji— com inundações costeiras é superior a US$ 1,6 bilhão por ano.

Uma maior frequência de grandes inundações ameaça sobrecarregar a população costeira de Nauru, os prédios governamentais e o único aeroporto do país, disse Alexei Trundle, diretor associado (internacional) do Melbourne Centre for Cities, que está ajudando Nauru a desenvolver um relatório de avaliação de vulnerabilidade.

Em uma manhã de julho do ano passado, após uma forte chuva, as casas ficaram inundadas e as estradas foram cortadas, disse Paul Dargusch, diretor do Pacific Action for Climate Transitions da Monash Business School, que estava em uma visita para realizar pesquisas climáticas. “Toda a população vive ao redor da borda do país, e três ou quatro partes dessa borda —as partes mais povoadas— estão muito expostas a ressacas”, disse ele.

As vendas de passaportes sozinhas não cobrirão totalmente os custos da Iniciativa Higher Ground de Nauru, pensada pela primeira vez em 2019, e as autoridades estão explorando o potencial de também obter apoio de fontes públicas e privadas. Uma fase inicial com custo equivalente a US$ 65 milhões está em andamento para liberar cerca de 10 hectares de terra no chamado Topside da ilha, que foi minerada para fosfato —usado comumente em fertilizantes— por cerca de um século, desde o início de 1900. Nauru conquistou a independência em 1968.

O PIB per capita de Nauru despencou à medida que suas reservas de fosfato foram esgotadas, provocando uma série de esforços governamentais para gerar novas receitas, desde a criação de um fundo soberano até o financiamento de um musical londrino que fracassou, e um acordo polêmico para deter requerentes de asilo para a Austrália.

A nação já foi pressionada pelos EUA devido a preocupações de que um programa anterior de passaportes para investidores fosse vulnerável à exploração por criminosos internacionais. Passaportes de Nauru foram usados por terroristas, incluindo membros da al-Qaeda, e as vendas foram suspensas em 2003.

“Estamos cientes dos desafios enfrentados por programas anteriores de cidadania em todo o mundo”, disse Adeang em uma declaração por email. “Aprendemos com essas experiências e implementamos medidas rigorosas para garantir a máxima integridade.” Edward Clark, um ex-banqueiro, foi nomeado diretor executivo do Nauru Program Office e encarregado de garantir a conformidade. As solicitações de russos estão atualmente proibidas.

Nauru está processando suas primeiras solicitações sob o novo programa. Consultas foram recebidas de locais como os Emirados Árabes Unidos, EUA, Paquistão e Reino Unido, de acordo com a Henley & Partners, uma empresa de consultoria governamental e imigração que está atuando como agente do plano de cidadania por investimento.

O governo de Adeang prevê gerar cerca de 9 milhões de dólares australianos (aproximadamente R$ 32,7 milhões) com o programa no período de 12 meses até 30 de junho, o que se traduz em cerca de 66 candidatos bem-sucedidos, e tem como objetivo aumentar esse total para cerca de 68 milhões de dólares australianos (R$ 247 milhões) por ano. Isso se compara à previsão de receita no atual orçamento anual de 311 milhões de dólares australianos (R$ 1,13 bilhões).

“A demanda por esse tipo de programa não vai desaparecer”, disse Kristin Surak, professora associada de sociologia política da London School of Economics and Political Science e autora de “The Golden Passport: Global Mobility for Millionaires”. Isso significa que é importante haver transparência “em termos de triagem e em termos de fluxos de dinheiro”, disse ela.



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