Injusta acusação – 27/02/2025 – Opinião


A biografia do varão já fazia antever que o casamento seria conturbado. Vivia pregando que se o acaso algum dia o conduzisse ao altar seria o primeiro a subjugar a esposa, aprisionando-a em cativeiro. Ninguém dava muita trela para seus desatinos; alguns até achavam graça, não parecia oferecer perigo. Não era um tipo que despertava interesse nas moças de boa família.

Veio então o dia em que caiu nas graças de uma moça órfã de pai e mãe, abandonada pelo marido, que mofava há anos na prisão. Amancebaram-se. Passaria os quatro anos anunciando que a mataria. Mesmo antes da união, demonstrava desprezo pela instituição do casamento, fazia troça da fidelidade. Mal tiveram lua de mel. Logo começaram as ofensas, os maus-tratos, as agressões, descomposturas que ele não demonstrava nenhum pudor de realizar em público.

Ele fazia questão de humilhá-la na frente de todos e vivia dizendo que daria cabo dela mais cedo ou mais tarde. E ria, ria muito. Na pandemia, passou a rir mais ainda. Proibiu-a de usar máscara, entupiu-a de remédios sem comprovação científica, obrigou-a a continuar indo ao culto enquanto ia andar de jet ski. Ela se contaminou pelo vírus, quase morreu, mas ele culpou os médicos e a vacina. Foi ficando cada vez mais violento, já quase não sorria. Gritava, reunia pessoas próximas para difamá-la e xingá-la e incitava-os a fazer o mesmo.

Um ano e meio depois, ficou sabendo que o antigo companheiro deixaria finalmente a prisão. Foi a gota d’água. Não tolerou a ideia de que a amásia voltasse a viver com o outro. Imaginava-se único, sem concorrentes. Passou a publicamente atacá-la de forma ainda mais virulenta, já escancarando sua intenção de exterminá-la.

Certo dia chegou a reunir apoiadores em volta da sua casa, claramente para mostrar que seu intento homicida contava com o apoio da sociedade de bem. Os amigos o apoiavam e entoavam gritos de incentivo à ação homicida. Tomou um pito de um primo mais velho, mas nada adiantou. Decidiu fazer uma reunião televisionada, convidou gente de tudo quanto é canto do mundo e passou a desacreditá-la, chamando-a de adúltera, vagabunda, mulher da vida e que não a aceitaria se não fosse casada com ele.

Ela a tudo aguentava, pois não podia fazer nada. Até que um dia resolveu ir embora. Para ele foi o fim. Publicou anúncios em toda a imprensa, avisando que não aceitaria o divórcio e muito menos a união com aquele outro. Chegou a dizer que poderia ficar viúvo; divorciado, jamais. Um dia pessoas do seu círculo mais íntimo, seus homens mais fiéis, resolveram planejar um atentado contra ela, contra o novo (velho) amor dela e contra todos que apadrinharam a nova relação. Destruíram até mesmo o templo onde batizaram o rebento que acabara de nascer.

Mas o plano saiu pela culatra. Ela de fato voltou a viver com o companheiro recém-saído da cadeia e voltou a ter uma vida normal: nem feliz nem triste, apenas normal. Com medo de ser preso, ele viajou para fora do país, não aceitou a separação e continuou fazendo ameaças públicas.

Quando a tentativa de homicídio foi descoberta e seus amigos próximos foram presos, ele negou qualquer envolvimento e jura de pés juntos que era um amante fiel. Agora anda por aí a mendigar comiseração, dizendo-se injustamente acusado pelo atentado contra a vida da ex-companheira.

Foi visto pela última vez logo que soube da acusação. Populares que estavam próximos ao local disseram que o ouviram balbuciar algumas palavras pouco inteligíveis, mas um deles garante que captou a expressão “caguei”.

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