Veja cartas de Eunice após desaparecimento de Rubens Paiva – 01/03/2025 – Poder


Correspondências de Dona Eunice Paiva. Relato sobre a prisão do dr. Rubens Paiva ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em 12 de fevereiro de 1971. Ao líder do MDB, em 22 de fevereiro de 1971. Ao Presidente da República, em 22 de março de 1971.

O cabeçalho do processo na Câmara dos Deputados sobre o desaparecimento do deputado Rubens Paiva resume os apelos feitos por Eunice Paiva a autoridades do país.

Os arquivos contêm manuscritos originais e parcialmente ilegíveis e fazem parte dos cerca de 200 documentos reunidos pela Folha no Arquivo Nacional e na Embaixada dos Estados Unidos que permitem refazer a linha do tempo desde o desaparecimento.

As cartas não foram contempladas no filme “Ainda Estou Aqui”, indicado ao Oscar, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice.

Eunice Paiva descreve primeiro como sua casa foi invadida de forma brutal por agentes da Aeronáutica armados, no dia 20 de fevereiro de 1971. “Os invasores da casa estavam nervosos como se fossem tomar um aparelho de uma fortaleza, não sei.”

“Rubens conseguiu acalmá-los, pediu que guardassem as armas para não assustar as crianças e os empregados e se dispôs prontamente a acompanhá-los”, escreve Eunice.

Na sequência, ela trata da prisão dela e da filha, Eliana.

“No dia 21, vinte e quatro horas depois da prisão de Rubens, às 11 horas da manhã, os policiais me chamaram para comunicar que a casa ia ser liberada, mas que Eliana e eu teríamos que acompanhá-los para prestar declarações, mas voltaríamos em seguida.”

Eunice também descreve os dias na prisão.

“Eu fiquei detida 12 dias, dos quais 7 dias com a roupa do corpo, sem nenhum material de higiene (pente, escova de dente, toalha, sabonete, etc), absolutamente incomunicável, sem noticias da minha casa e dos meus filhos menores e sem saber porque fora presa. Fui interrogada várias vezes, várias vezes fui acordada para interrogatório durante madrugada”, escreve.

Ela afirma ainda que não sabia quem eram os interrogadores e que as perguntas eram sempre sobre cartas do Chile. Durante o período em que permaneceu detida, os agentes asseguravam que Rubens –que morreu sob tortura na noite de 21 de janeiro– ainda estava no local, diz ela.

“O tempo todo em que estive lá me diziam que Rubens também se encontrava preso no andar de cima, que estava sendo interrogado e que negava tudo.”

O encontro com Cecília Viveiros de Castro, que havia sido presa junto com Rubens, também é relatado, assim como o local da detenção: o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) Barão de Mesquita.

A viúva de Rubens Paiva fala ainda sobre o habeas corpus para libertar o marido e a reação do Exército.

“Na resposta ao pedido de habeas-corpus impetrado em favor de Rubens, o comando do 1° Exército informou que Rubens não se encontrava preso em nenhuma unidade do 1° Exército, mas que o Exército iria apurar as versões de que o paciente teria sido sequestrado, coisa que nunca foi feita”.

“O próximo passo foi a entrevista que a família obteve do ministro Buzaid no dia 20 de fevereiro, sujo relato segue”, assina Maria Eunice Paiva.

Na carta ao ministro e ao conselho, Eunice faz o resumo dos acontecimentos fazendo um apelo.

“É, pois, a um tempo, a carta da mãe, que conheceu a surpresa enorme, melhor diria a indignação, mantida no mais íntimo de si mesma, de assistir a prisão de uma filha, adiante encapuzada, como, igualmente ela própria, para posteriormente, já, aí, não mais em sua presença, ser submetida aos traumas psicológicos, terrivelmente brutais em sua idade, dos interrogatórios procedidos segundo os chamados métodos policial-militares; da mulher brasileira, ela mesma vítima da prisão violenta, incomunicável durante 12 dias, interrogada horas sem fim, e isolada do mundo, em condições de ambiente físico e humano que é melhor não referir, para, quem sabe ter a graça, um dia, de esquecer; da esposa, enfim, que ainda hoje, nada sabe da sorte do seu marido, do destino que lhe impuseram, do local onde se encontra, da acusação real que lhe fazem, quase um mês decorrido do tormento que atingiu sua família”, escreve.

Um mês depois, sem receber respostas, Eunice escreve ao presidente Emílio Médici.

“Pedimos ao Chefe da Nação, a justiça que deve resultar da obediência das Leis. Ao meu marido, que é um brasileiro honrado, não pode ser recusado, num País como o nosso, cristão e civilizado, o direito fundamental da defesa.”

A correspondência foi anexada ao processo aberto por Eunice junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que acabaria arquivado em agosto de 1971. Além dela, no dia 27 de janeiro, Eliana escreveu ao então deputado e líder do MDB, Pedroso Horta, relatando os acontecimentos e pedindo ajuda para localizar os pais.

“Minha mãe, meus irmãos e eu estivemos numa espécie de prisão domiciliar durante 24 horas depois da prisão de meu pai. Vi a angústia de mamãe e agora minha, sem compreender o que acontecia assim como os meus irmãos menores. Durante estas horas amigos foram me visitar e consequentemente foram presos sem a menor explicação”, escreve Elena, que continua:

“Fui depois levada junto de minha mãe à prisão, já passei a noite numa cela. Com tudo isso, não sou mais a mesma garota, como também sou vista de uma maneira diferente pelos amigos”, diz.

A reportagem foi produzida em parceria com o Google. A Folha coletou documentos que estão agora organizados e disponíveis à consulta na ferramenta Pinpoint. Veja aqui todas as coleções.



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