Fernanda Torres perde o Oscar, mas faz história – 03/03/2025 – Cinema e Séries



BBC News Brasil

Ao pisar no tapete vermelho na calçada da Hollywood Boulevard, em Los Angeles, neste domingo (2), a atriz Fernanda Torres sabia que já estava fazendo história.

Mesmo sem ganhar Oscar de melhor atriz por sua atuação em “Ainda Estou Aqui” -prêmio dado Mikey Madison, de “Anora”- Torres encerra uma temporada de premiações colocando o Brasil em um destaque poucas vezes visto na indústria do audiovisual. O filme dirigido por Walter Salles levou o inédito prêmio de Melhor Filme Internacional.

Fernanda Torres repetiu a história de sua mãe, Fernanda Montenegro, que foi a primeira atriz brasileira e latino-americana indicada ao Oscar -em 1999, pelo filme “Central do Brasil”-, mas acabou perdendo a estatueta -na ocasião, para Gwyneth Paltrow, de “Shakespeare Apaixonado”.

Mas o saldo para atriz carioca de 59 anos nada mais é que positivo, já que ela se firmou como uma das atrizes brasileiras mais influentes e importantes de sua geração.

“Eu não meço a vida em termos de ganhar ou perder”, afirmou Torres, antes do Oscar, ao programa Weekend da BBC.

Durante a temporada, Torres conquistou prêmios importantes, como o Globo de Ouro e Satellite Award, como melhor atriz de drama, por sua atuação como Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar.

Em tempos de redes sociais, provavelmente nunca cinéfilos, atores, diretores e a imprensa especializada falaram tanto do que é produzido no Brasil.

Torres deu dezenas de entrevistas, incluindo a alguns dos mais importantes programas de entrevistas nos EUA e, por seu jeito divertido (já bem conhecido dos brasileiros) acabou conquistando admiradores de todas as partes do mundo.

Só o vídeo da entrevista da atriz brasileira ao programa Jimmy Kimmel Live, um dos principais talk shows dos Estados Unidos, foi visto mais de 4 milhões de vezes, bem acima de outras entrevistas publicadas no perfil do programa

Mas como Fernanda Torres chegou a estrelato mundial?

Entre a leveza e a seriedade

Nascida em 1965, Fernanda Torres nasceu na “coxia”, filha de dois outros grandes nomes da dramaturgia do Brasil: Fernanda Montenegro e Fernando Torres.

Toda sua vida, aliás, está mergulhada no universo audiovisual: seu irmão mais velho, Claudio Torres, trabalha como diretor, roteirista e produtor, e ela é casada desde 1997 com o diretor Andrucha Waddington.

A estreia de Torres na dramaturgia aconteceu no teatro, em 1978.

Em 1986, ela recebeu a Palma de Ouro do prestigiado Festival de Cannes por sua atuação em “Eu Sei que Vou Te Amar”, de Arnaldo Jabor.

Mas, no imaginário nacional, Fernanda Torres alcança o estrelato especialmente com seus papéis cômicos da TV Globo, especialmente como Vani de Os Normais e Fátima de Tapas & Beijos.

Também é impossível lembrar de Fernanda Torres sem se lembrar de algumas de suas tiradas cômicas que ganharam as redes nos últimos meses, como “eu me sinto o Pikachu”, num evento em São Paulo, ou “totalmente drogada”, no programa “Que História É Essa, Porchat”.

No cenário global, no entanto, Torres chegou ao ponto máximo na carreira como uma atriz de drama, com uma atuação considerada impactante e contida em “Ainda Estou Aqui”.

No filme, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, ela interpreta a advogada Eunice Paiva, uma mulher que precisou lidar com o sequestro e o assassinato de seu marido -o ex-deputado Rubens Paiva- no período da ditadura militar (1964-1985).

Como as entrevistas a diversos programas viriam mostrar, Fernanda Torres conseguiu abordar um tema tão sério, mas com uma leveza e uma naturalidade frente às câmeras que viriam conquistar o mundo do cinema.

Segundo Rodrigo Teixeira, produtor-executivo de “Ainda Estou Aqui”, “a simpatia e a humildade” de Torres em mudaram a trajetória do filme antes da votação do Oscar

“Quem ainda não tinha visto o filme pensou ‘pô, quero conhecer essa atriz e o trabalho dela'”, disse à BBC Teixeira, referindo-se ao discurso de Torres ao vencer o Globo de Ouro.

Torres lembrou aquele momento como uma vitória extraordinária para ela (e sua mãe), mas sempre deixando clara sua admiração pelas concorrentes -outro ponto positivo para ganhar a simpatia pelo mundo.

“Eu era o cavalo azarão naquela noite, e foi bonito de ver, porque é um ano muito especial para performances femininas -performances incríveis, e também coisas muito bonitas de mulheres maduras”, afirmou à BBC.

Claro, que a popularidade de Fernanda Torres se deve muito aos brasileiros, já acostumados a campanhas na internet.

Durante a campanha do Oscar, o “exército de likes” de brasileiros que está engajado em promover -e defender- Fernanda Torres e “Ainda Estou Aqui” deu algumas demonstrações do seu poderio.

Entre eles, um crítico do jornal francês Le Monde, que não gostou do filme, e a apresentadora argentina Paula Galoni, que fez piadas sobre a aparência de Torres.

Os vídeos e fotos de Fernanda Torres no perfil oficial do Oscar também eram os mais compartilhados e comentados.

A consagração como Eunice Paiva

Os críticos -tanto fora quanto dentro do Brasil- foram quase unânimes em elogiar a performance de Fernanda Torres como Eunice Paiva.

Paiva foi uma advogada brasileira que foi casada com o ex-deputado Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello). Em 1971, durante o regime militar, Rubens desapareceu, e mais tarde, foi confirmado que havia sido torturado e morto.

Por seu trabalho como ativista, Eunice Paiva ajudou a evitar extinção de povo indígena.

O casal tinha cinco filhos -um deles, Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que deu origem ao filme.

Em “Ainda Estou Aqui”, Fernanda Torres leva às telas a incansável busca de Eunice por justiça por seu marido e sua família, o que a transformou em um símbolo de resistência contra a ditadura militar.

A história gira em torno de uma família com cinco crianças e um cachorro. Uma casa igualmente grande, barulhenta e de frente para o mar.

Um entra e sai de amigos, que se espalham por uma espaçosa mesa de jantar. Há muita música, dança e risadas. Walter Salles constrói o castelo perfeito para derrubá-lo em seguida.

O filme traz poucas diferenças entre realidade e ficção. Uma das cenas de impacto de Fernanda Torres é a conquista do certificado de óbito de Rubens Paiva, um reconhecimento do que realmente aconteceu com o político.

O episódio aconteceu na vida real, em 1996, e foi registrado pela imprensa que acompanhou Eunice no Cartório do 1º Ofício do Registro Civil de São Paulo.

Ela morreu em 2018, após ter passado 14 anos com Alzheimer.

“Marcelo escreveu o livro porque a mãe dele estava começando a ter Alzheimer. Ele pensou: se eu não escrever isso, a memória dela vai ser esquecida junto com a memória do país”, relatou a atriz à BBC.

Para Torres, o filme está ensinando aos jovens “o que realmente significa viver em uma ditadura”, em um momento em que o Brasil “estava perdendo sua memória”.

“Muitos jovens que foram criados durante o período democrático… A democracia não resolveu nossos problemas, a desigualdade e tudo mais. Eles [os jovens] começaram a pensar que talvez uma economia liberal com um toque de ditadura iria resolver nossos problemas, porque eles não tinham qualquer memória da ditadura.”

A partir de uma tragédia real -o desparecimento do deputado Rubens Paiva pela ditadura militar, em 1971- o filme fala também sobre a impermanência da vida.

“E a vida é incrível, porque às vezes esses momentos de terrível dificuldade acabam formando seu caráter. E é o que eu acho que aconteceu com a Eunice”, disse Fernanda Torres à BBC News Brasil em uma entrevista no fim de 2024.

Outras atrizes brasileiras com destaque internacional

Além de Torres, outros nomes de mulheres da dramaturgia brasileira receberam indicações e prêmios ao longo das últimas décadas.

O nome mais conhecido talvez seja o da própria mãe dela: Fernanda Montenegro foi indicada ao prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro no Oscar de 1999, por seu trabalho em “Central do Brasil”.

Em 1998, ela ganhou o troféu de melhor atriz pelo mesmo filme no Festival de Berlim, na Alemanha.

Montenegro ainda venceu o Emmy Internacional em 2013, por seu papel no telefilme “Doce de Mãe”.

Outro nome bastante conhecido no exterior é o de Sônia Braga.

Ela tem no currículo uma indicação ao prêmio de melhor atriz estreante do Bafta, do Reino Unido, por “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1981) e foi três vezes finalista do Globo de Ouro por “O Beijo da Mulher Aranha” (1986), “Luar Sobre Parador” (1989) e “Amazônia em Chamas” (1995).

A brasileira Florinda Bolkan, que fez carreira na Itália, ganhou três prêmios David di Donatello e foi finalista de premiações oferecidas por associações de críticos de cinema de Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos.

Marcélia Cartaxo e Ana Beatriz Nogueira conquistaram o Urso de Prata de melhor atriz do Festival de Cinema de Berlim por atuações em “A Hora da Estrela” (1986) e “Vera” (1987), respectivamente.

Já Sandra Regina Corveloni ganhou o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes em 2008 por sua participação no longa “Linha de Passe”.

Este texto foi originalmente publicado aqui.



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