Três dias sem homem – 20/03/2025 – Tati Bernardi


Estou em um hotel de frente para o mar. Ou melhor, em um anfiteatro (dentro desse hotel), e sei que lá fora tem o mar. Quando topei isso, há dois meses, a ideia pareceu ótima: 300 mulheres.

Não pode homem. Todas as inscritas para a imersão feminista à beira-mar são mulheres, e todas as influencers, palestrantes, mediadoras, apresentadoras, funcionárias da empresa de eventos, funcionárias das empresas que patrocinam o evento, funcionárias do hotel, diretoras de marketing e CEOs são mulheres.

Sou feminista, mas estou aqui apenas porque vão me pagar muito bem. E acho que estar em um evento feminista por dinheiro é algo bem feminista. Só recebo o cachê se eu ficar até o fim (e se eu aparecer em muitas fotos com logotipos). Mas não penso somente em dinheiro: às vezes também penso em ex-namorados pelados e em como algumas das mulheres com as quais fui obrigada a conviver em mesas comunitárias, durante as refeições, são tediosas máquinas reprodutoras de vazios clichês progressistas.

Conheci moças sensacionais e vibrei com algumas palestras. Mas não sou obrigada a gostar de 300 mulheres em três dias, sou? São 100 mulheres por dia, 4,1666 mulheres por hora. Não sou obrigada a gostar de tanta mulher só porque sou feminista em um evento feminista, sou?

Todas as noites, no quarto do hotel, concluo que eu preferia estar transando com um homem a estar me vestindo para o jantar da cura traumática e suas vivências e aprendizados. Que mulher não sente afliceta em quarto de hotel? De frente para o mar sofro ainda mais de afliceta.

Amanhã lotaremos o anfiteatro para ver mais uma jovem privilegiada, branca, padrão, hétero, cis, não periférica, não monogâmica e vegana abrir sua fala dizendo que, antes de mais nada, ela tem consciência de que é uma jovem privilegiada, branca, padrão, hétero, cis, não periférica, não monogâmica e vegana.

A partir daí, ela vai ofender meu cérebro enfileirando 25 pensamentos fofos com no máximo 280 caracteres cada um. Não aprofunda, não erra, não vulgariza. Minha sororidade, na esperança de voltar para casa, abandonou meu corpo, pulou no mar, nadou até São Paulo e desaguou na marginal Pinheiros. Minha sororidade está agora se digladiando com pedaços de fezes.

Durasse duas horas, seria uma linda tarde, mas já estou aqui há 58 horas e meia. São 58 horas e meia sem ver um homem, sem que minhas narinas de prontidão animalesca sintam a presença de suores testosterônicos adentrando o recinto, sem a sorte de presenciar a chegada de uma calça de tecido um pouco mais vulnerável, que favoreça a insinuação de um belo membro em descanso.

Se eu pedir agora que você não pense em homem, qual a primeira coisa que lhe virá à cabeça? Acho totalmente insalubre um teatro enorme oferecer zero jovens câmeras gatinhos. Nem um único deslumbrado fortinho bobo do marketing e suas asneiras (mas com um excelente sovaco agridoce). Nenhum eletricista gostoso dizendo que vai resolver rapidinho a pane do telão.

Estou em um evento feminista apenas por dinheiro, desesperada para objetificar homens e focadíssima em odiar algumas influencers. Quem sou eu? Eu sou um ser humano péssimo, mas, acima de tudo, um ser humano.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.