Encontros e desencontros no Encontro da Turma

Sou garçom há 38 anos, não ganho muito, mas me divirto. Trabalhei em festas, formaturas, casamentos, inaugurações, velórios, porém o que mais gosto são os encontros de turma da faculdade, principalmente aqueles que comemoram décadas, quando a temporada terrena dos formandos está prestes a se encerrar.  Sai muita confusão.

Em medicina, computação, física (física de verdade e educação física), o calouro é muito jovem, dente de leite, e ainda tem medo de injeção e Merthiolate. Em Filosofia, Administração, Direito, várias gerações compartilham a sala de aula, o que é muito engraçado.

Os advogados jovens prestam concursos ou mergulham na advocacia. Os jovens há mais tempo vão para a política ou consultoria, assim que descobrem que um processo pode durar mais do que sua expectativa de vida. Também fui aluno de Direito, por um ano apenas, mas abandonei a faculdade e me tornei garçom. Nada de prazos processuais e recursos intermináveis.

Ontem, trabalhei num encontro de uma turma de Direito, de 1984 (século passado). 40 anos de formados! O maitre foi internado e eu supervisionei dois salões ao mesmo tempo: Advogados de um lado, velhos Humoristas do outro. O pessoal começou a chegar, chovia e alguns convidados entraram no salão errado. Na mesma faixa de idade e memória, alguns não notaram o engano.

Na turma de Direito, nada de vossa excelência, nobre causídico etc. Apenas colegas de turma que não se viam há um tempão. Tem todas as carreiras: Magistratura, Magistério, Ministério e Mistério (sobre o que fazem). Os advogados que ficam nas delegacias esperando detidos sem representante são os PC – Porta de Cadeia. Uns acrescentaram outro “C” ao “PC” e enricaram. Outros estão presos e outros tiveram o CPF cancelado, até em saguão de aeroporto.

Após a segunda dose, o pessoal se soltou, o encontro ficou animado e a confusão também. Um idoso, todo perdido, não reconhecia ninguém e não era reconhecido. Ele só queria saber quando começariam as piadas. No outro salão, Juris Prudêncio caprichou no whisky e começou a contar causos cabeludos.

Lembranças e comparações afloraram. Professores, apelidos, penduras em restaurantes, quem engordou, fez plástica, harmonizou e outras coisas. Cidinha comemorava 56 anos. Pela terceira vez! Norma jura que tem 55, mas verdade são 55 anos e 49 meses. Quem liga? Falaram sobre artrose, planos de saúde, próstata, tudo na maior harmonia. Surgiram lembranças maldosas: quem saia com quem, quem regulava, quem não pagou a vaquinha da pizza etc. Alguns não se lembram dos nomes ou fingem desconhecer fatos. Sugeriram crachás nos próximos encontros.

As fofocas eram picantes. Vivi, ex musa da turma, fez tanta plástica que ficou com cara de “quero morrer”. Simplício divorciou e a ex levou tudo, inclusive parentes e amigos. Até sua mãe ficou do lado dela. Tudo tem seu tempo e seu lugar, mas no seu caso, tempo é nunca e lugar, nenhum. Renê Gadhu, o Data Vênia, continua com cheiro de dia quente em Cuiabá. O 171 não veio. É Deputado e está em viagem oficial para negociar a importação de orégano da Eritréia.

No salão dos humoristas, o riso rolava solto. Juris Prudêncio não largou o microfone e contou piadas hilárias, apesar de absurdas, mas humoristas sabem que piada é assim mesmo, sem limite e sem noção.

Não existe reunião de advogados sem discurso. O idoso perdido, mas cheio de atitude, pegou o microfone e começou a falar. O pessoal do noturno acha que era da turma da manhã e o pessoal do diurno pensa o contrário. Ele não fala coisa com coisa porque o aparelho de surdez está com defeito, capta o rádio da polícia e ele mistura assuntos. A turma, atenta ao celular, não prestou atenção. O excesso de ondas magnéticas descalibrou o marcapasso e o idoso desmaiou.

Quando se recuperou, percebi que estava no salão errado e o levei até o grupo de humoristas. Lá, outro equívoco. Juris Prudêncio é do grupo do Direito e o pessoal não gostou de saber que desvio de verbas, compra de sentenças, de votos, leis e pareceres, júri dissimulado e PPPPs (Parcerias Perniciosas Públicas e Privadas), não são anedotas, mas a pura realidade, prática comum nos meios político e jurídico.

Desfeitas as confusões, os antigos alunos decidiram tornar os encontros anuais, se não o público será cada vez menor e as memórias, idem. No final, tudo terminou bem. Notei uma bela mulher preocupada e perguntei se podia ajudá-la. Esperava um Uber, mas sempre cancelavam a corrida. Impressionado por seu charme, ofereci carona e ela aceitou. Com a chuva intensa e decidimos passar a noite num hotel. Eu me dei bem, pensei. Tudo foi incrível, até eu perguntar se ela era da turma do Direito e descobrir que era a nova cozinheira do bufê.

Bem, vou parar por aqui porque já é sábado e preciso ir à feira. Adoro feira livre. Como disse, não terminei o curso de Direito, mas na feira, sou bem tratado e todos me chamam de doutor. Vida que segue, pelo menos até terminarem os recursos e a sentença transitar em julgado.

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