Casamento, bicicleta e vítima da sociedade.

Nunca entendi essa coisa de casar ou comprar uma bicicleta. Que comparação abestalhada! Por que bicicleta, e não um carro? Por que casar, e não viajar? Bem, abestalhando mesmo é o Evilásio. Sua vida é um pesadelo jogado numa lixeira que alguém tacou fogo. Sempre foi bom em executar tarefas que não precisam ser feitas e jamais teve reconhecimento. Nunca pensou em se casar, mas bicicleta é algo que o anima. Agora, aos trinta e tantos anos, resolveu provar que pode ter uma esposa e uma bicicleta.

Diz o dito popular que casar e morrer é o destino: quando chega a hora, acontece. Casar, eu não sei, mas a morte é certeza. James Hunter, no best seller “O Monge e o Executivo”, diz que há duas coisas na vida que o homem tem de fazer: uma é morrer, outra é tomar decisões. E se alguém diz que nunca tomará uma decisão, acabou de fazê-lo. Evilásio quer esposa e bicicleta, mas tem dois problemas: embora seja alto, musculoso, honesto, trabalhador e limpinho, é pobre e fraco de feição. Se pelo menos fosse rico, tudo o mais seria irrelevante.

Evilásio cansou de viver só e andar a pé. Casar e comprar bicicleta, para ele, é só questão de encontrar a mulher certa e arrumar dinheiro para a byke. Mas há algo em comum entre sua vida amorosa e suas finanças: ele ama mulheres, ama o dinheiro, mas não é correspondido por nenhum dos dois!

Entrou num site de relacionamento barato, povoado por pessoas baratas, mas não se pode por um preço no amor. Também pesquisou bykes e fontes de financiamento. Não precisa ser nova. Basta estar em excelente estado, para durar. A mulher, também, em bom estado, sincera, que não diga a idade em décadas e o peso em arrobas. O salário de carcereiro não é lá grande coisa e ele ainda ajuda a família, o que dificulta um pouco.

Após muita busca e troca de mensagens, conseguiu um encontro amoroso. A mulher parece linda, mas os amigos advertiram que os perfis trazem fotos retocadas ou com mais de 10 anos, além de silhuetas antes dos 3 partos. Com a bicicleta ele pode fazer um test drive, mas primeiro encontro também é como um test drive. Ele moderou nas expectativas para não se frustrar.

Um agiota bancou a compra da bicicleta e Evilásio, feliz da vida, pedalou até o local do encontro, uma praça escura e deserta. Estacionou na sarjeta e Sharona não demorou a chegar. Surpreso, ele não cabia em si de contentamento. Ela é ainda mais bonita e vistosa ao vivo do que na foto. Alta, morena, lábios carnudos, cabelos compridos, tudo nos conformes. Finalmente, a sorte lhe sorriu: bicicleta e uma linda mulher. 

Mas a alegria durou pouco. Durante o abraço apertado, percebeu que caiu no Golpe do Encontro. Enquanto Sharona o abraçava, ou melhor, imobilizava, alguém roubou a bicicleta. Evilásio tentou reagir, Sharona passou uma rasteira, ele foi ao chão e ela fugiu na carona do ladrão. E ainda tem 11 prestações para pagar!

Evilásio demitiu-se do cargo de carcereiro e vagou por aí pensando em como pagar o agiota. Quando presenciou um assalto, agiu rápido, espancou o ladrão e devolveu a bolsa à vítima. Ao saber de sua história, Brigite, dona da Vip Academia, contratou-o como vigia. O espaço é bem equipado, frequentado por lindas mulheres e ele pode morar num cômodo nos fundos.

A vida vive nos pregando surpresas. Num dia, bicicleta e encontro amoroso. Noutro, a quase namorada ajuda a roubar a bicicleta. Hoje, herói, emprego novo, mulheres cumprimentando com beijinhos e bicicletas na academia. Se não saem do lugar, estão sempre perto do emprego e da cama. Ele não é dono das bicicletas e não namora as clientes, mas também não custeia nada disso. Um mês depois, viu Sharona na academia e descumpriu a regra número 1 do dispensado: correu atrás. Disse que a perdoa e que quer tentar novamente. Ela disse sim, e saiu.

Evilásio foi preso à tarde, acusado de inadimplência, furto de bicicleta, lesões corporais em quem se apropriou de sua bike e assédio à Severina Barbosa, ou melhor, Sharona, parceira e amante da pobre vítima da sociedade.

Brigite pagou um advogado, sem saber que é primo de Sharona. Evilásio teve de declarar-se culpado, tomou uns cascudos dos capangas do agiota e voltou à carceragem, do outro lado das grades. A cela é limpa, mas tem a dimensão, o charme e o perfume de um banheiro químico. Passa o tempo assistindo a séria Lei e Ordem e o filme Esse crime chamado Justiça.

Brigite o visita uma vez por semana. A pena é curta, mas ele não sabe se quer sair de lá. O lugar é seguro, tem banho de sol, TV, academia com bicicleta, 4 refeições, assistência médica, visita íntima semanal e dois mil por mês de auxílio reclusão. Onde vai conseguir tudo isso? Vida que segue! 

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