CNIB 2.0: uma ameaça às transações imobiliárias?

Por Daiane Schmidt, advogada do escritório Flávio Pinheiro Neto Advogados.

O Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens 2.0, ou simplesmente “CNIB 2.0” é uma atualização ao sistema jurídico registral e notarial, que trouxe mudanças significativas, advindas com o Provimento 188/2024, publicado pela Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ.

A normativa possui abrangência nacional, em vigor desde o dia 10 de janeiro, e versa acerca do funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, destinada ao cadastramento de ordens de indisponibilidade de bens específicos ou do patrimônio indistinto (abrangente/não específico), e das ordens para cancelamento de indisponibilidade.

Em outras palavras, é por esta ferramenta que os cartórios, notários e registradores de imóveis, e até mesmo o Poder Judiciário, irão registrar e controlar ordens judiciais que impedem a venda ou transferência de bens, como imóveis, de pessoas ou empresas que estejam com pendências judiciais.

Desdobramentos nos negócios e seus potenciais riscos

Diante deste cenário, surgem algumas novidades e inquietações com possíveis desdobramentos negativos para o mercado imobiliário.

As novas regras estabelecidas para a CNIB 2.0 afetam diretamente alguns dos princípios mais essenciais do Direito Registral Imobiliário, em especial os princípios da ‘prioridade’ e da ‘concentração de registros’, que garantem a segurança dos negócios imobiliários, protegendo e assegurando os direitos de propriedade sobre o imóvel aos adquirentes de boa-fé.

Até então, o princípio registral da ‘prioridade’ assegurava que quem primeiro registrasse o título detinha o direito sobre o imóvel, enquanto o da ‘concentração’ exigia que todos os atos relacionados à propriedade do imóvel fossem registrados na matrícula correspondente.

Para melhor compreensão dos impactos do Provimento na seara registral imobiliária, cumpre destacar – em especial – o que é e quais são os desdobramentos do princípio da ‘concentração’. Neste sentido, o advogado especialista em direito imobiliário e doutrinador, Tapai (2022, p.88), descreve este preceito como responsável por estabelecer que “todas as informações referentes ao imóvel devem se concentrar em um único documento, garantindo maior segurança jurídica, uma vez que não existirão informações esparsas sobre o imóvel, das quais eventualmente o adquirente possa não tomar conhecimento”.

Assim, na prática, todos os fatos e atos que alterassem a situação jurídica do imóvel (como por exemplo: hipoteca, alienação fiduciária, ações judiciais etc.), capazes de comprometer o direito ao bem, deveriam constar na matrícula. Insculpido no art. 54, §1º da Lei 13.097 de 2015, a redação deste regramento estabelece que:

“Art. 54, § 1º – Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel” (grifou-se).

Hoje, contudo, com as novas disposições do Provimento 188, a ordem de indisponibilidade de bens (CNIB 2.0) pode interromper o processo de registro, afetando a validade do negócio, eis que, conforme determinado com a inclusão do artigo 320-I, §3º no Provimento: “A superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo exista na ordem judicial previsão em contrário”.

Isto significa dizer, na prática, que agora há permissão expressa para que uma ordem de indisponibilidade de bens recaia sobre o imóvel de forma superveniente, mesmo após realizada a prenotação no Registro de Imóveis, prejudicando assim o registro de um título já prenotado e toda a validade jurídica da transmissão de propriedade do bem imóvel.

Em um cenário hipotético, caso o sistema CNIB 2.0 seja acionado pelo Poder Judiciário em razão de um litígio, o adquirente de boa-fé pode ser impedido de registrar o título do imóvel, mesmo já tendo concluído a escrituração junto ao Tabelionato de Notas e iniciado o processo de registro na matrícula perante o competente Ofício de Registro de Imóveis. Essa situação evidencia o impacto das novas regras sobre a segurança jurídica das transações imobiliárias, especialmente em casos de prenotações já em andamento.

Possibilidade de consulta prévia ao CNIB e seu ponto de fragilidade

Com a alteração advinda do Provimento 188, outro princípio também afetado fora o da publicidade do registro imobiliário, que visa garantir a transparência e segurança das transações, uma vez que o negócio pode ser invalidado por uma ordem de indisponibilidade que ainda não foi registrada e que, em alguns casos, não tinha como ser localizada em uma simples consulta.

Assim, uma das medidas introduzidas pelo Provimento 188, que talvez pudesse mitigar essa insegurança jurídica, foi a possibilitação de consulta gratuita à CNIB – antes do registro. Conforme disposto no art. 320-L do Provimento 188, a consulta é dada, gratuitamente, apenas aos órgãos públicos, notários e registradores, bem como ao interessado sobre cadastramentos em seu próprio nome. O parágrafo único do dispositivo determina que o acesso de terceiros, entidades de proteção de crédito e demais interessados será realizado mediante identificação e custeio do respectivo serviço.

Entretanto, a possibilidade de consulta se mostra uma medida ineficaz, pois caso a ordem de indisponibilidade surja posteriormente, a transação imobiliária ainda assim pode ser inviabilizada, tornando sem efeito a prenotação e fragilizando os princípios registrais anteriormente assegurados – como o citado princípio da publicidade.

Isso não só afeta a prioridade do registro, mas também a confiança do adquirente no mercado imobiliário, que pode ter dificuldades em verificar a real situação do imóvel antes de concluir a compra do bem, com o risco iminente de vir a perder o bem. É de se ressaltar inclusive que, não raras vezes, em um primeiro momento, tais riscos são praticamente ocultos ao negócio, sendo quase imperceptíveis aos olhos do negociador que busca adquirir um imóvel.

Como mitigar riscos e contornar a situação

Para garantir a segurança jurídica dos negócios, é fundamental que os adquirentes envolvidos na transação realizem uma análise detalhada da situação registral do imóvel, inclusive buscando informações sobre a existência de processos judiciais em nome dos proprietários atuais e passados do bem que está sendo negociado. A due diligence imobiliária, feita por profissional especializado, pode apurar riscos sobre determinada operação, viabilizando-a ou não.

A due diligence consiste em uma análise criteriosa da documentação do imóvel e das partes envolvidas, além de consultas detalhadas à CNIB e outros registros públicos, como cartórios de registro de imóveis e órgãos judiciais. Essa abordagem permite identificar restrições, como ordens de indisponibilidade, penhoras, hipotecas e outros ônus que possam impactar a segurança jurídica da transação.

A orientação de um profissional qualificado, não apenas reduz a chance de surpresas desagradáveis e impactos financeiros negativos, mas também assegura que o negócio seja conduzido de forma transparente e em conformidade com a legislação vigente.

No cenário da CNIB 2.0, a due diligence imobiliária deixa de ser uma recomendação e passa a ser uma necessidade indispensável para garantir a tranquilidade nas transações imobiliárias.

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