Milei estuda tirar o feminicídio do Código Penal argentino

A equipe de Javier Milei afirma nos corredores da Casa Rosada que estuda a redação de projetos para possivelmente tirar o entendimento de feminicídio do Código Penal, sair do Acordo de Paris e da OMS (Organização Mundial da Saúde).Um comentário frequente que circula em Washington, a estrela-guia de Milei após o retorno de Donald Trump, também vale para a Argentina de agora: diz-se que é preciso esperar para entender qual a brecha entre a retórica do governo e a realidade de suas ações.Seja como for, as medidas são estudadas com prioridade por uma das pontas do chamado “triângulo de ferro” que hoje chefia a Casa Rosada: o próprio Milei; sua irmã Karina, que também é secretária-geral da Presidência; e Santiago Caputo, seu assessor e ex-consultor político que não tem cargo oficial mas tem mais poder do que muitos ministros.Caputo estaria liderando essa agenda. À imprensa local, sob reserva, membros da administração Milei dizem saber que as ações terão ampla resistência no Congresso, onde o governo é minoria, mas que ainda assim querem colocá-las na mesa. É a guerra cultural, cada vez mais prioritária na agenda do governo argentino, que nos últimos meses celebrou seus bons indicadores econômicos e se viu fortalecido.A estratégia parece ter sido a de usar o forte discurso de Milei no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), como presságio. O autodeclarado libertário disparou contra as agendas de igualdade de gênero e ambiental e contra os organismos internacionais.A certa altura de sua fala, disse: “Chegamos ao ponto de normalizar que, em muitos países supostamente civilizados, se uma pessoa mata uma mulher se chama feminicídio, e isso gera a uma pena mais grave do que se mata um homem, apenas pelo sexo da vítima, legalizando, assim, que a vida da mulher vale mais que a do homem”.O crime de feminicídio foi incorporado ao Código Penal argentino em 2012, ainda que não literalmente. Considerou-se esse delito como um agravante do homicídio ao se estabelecer que quando um homem mata uma mulher motivado por violência de gênero, os juízes deverão dar-lhe pena de prisão perpétua. Dados oficiais mostram que quase 2.500 mulheres foram vítimas desse crime em dez anos, de 2014 a 2023.Conteúdo relacionado:Lula afirma que Milei deve pedido de desculpas ao BrasilMilei gera tensão entre Argentina e EspanhaNesta sexta-feira (24) o próprio ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, disse em sua conta no X que será eliminada a figura jurídica do feminicídio. “Durante anos usaram a mulher para encher os bolsos e prejudicar os homens”, escreveu.Ainda na seara de gênero, o governo avalia acabar com cotas para pessoas trans no serviço público e com a obrigatoriedade de que os servidores façam uma formação sobre igualdade de gênero. A imprensa local diz que ficariam de fora do pacote tentativas de acabar com o casamento homoafetivo e o direito ao aborto.Isso não impediu Milei de criticar o direito à interrupção da gravidez em Davos. Chamou o direito ao aborto de “uma agenda sanguinária, desenhada a partir de ideias malthusianas [do economista Thomas Malthus (1766-1834)] de que a superpopulação vai destruir a Terra e, por isso, devemos implantar um mecanismo de controle populacional”.O aborto é legal na Argentina para mulheres até a 14ª semana da gestação e, em outros casos, como o de violência sexual. Isso transformou o país em refúgio para mulheres de outras nações, como as brasileiras, com direitos mais restritivos.No que se trata da OMS e do Acordo de Paris, Milei estaria seguindo os passos de Trump, que fez destes alguns de seus primeiros anúncios após ser empossado para este segundo mandato.Quer mais notícias do internacionais? acesse o nosso canal no WhatsAppAo menos na opinião que manifesta publicamente, Milei não crê que exista aquecimento global acelerado pelas ações do homem, ainda que a ciência comprove o contrário. O economista antes de ser presidente já disse que isso seria uma “invenção do socialismo”.Em Davos, disse que há um “sinistro ecologismo radical”. “Conservar nosso planeta para as futuras gerações é senso comum, ninguém quer viver num lixão”. “Mas passamos para um ambientalismo fanático no qual os seres humanos são o câncer que deve ser eliminado, e o desenvolvimento econômico é um crime contra a natureza”.Novamente, há dúvidas sobre a distância entre a retórica e a prática. Sair do acordo poderia legar problemas à Argentina.1) O país iniciou no ano passado seu processo formal de ingresso na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), para a qual a agenda ambiental é importante;2) O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que chegou à redação final do texto em dezembro passado, também tem na agenda climática um ponto de alta relevância para os europeus.
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