Cientistas criam camundongos filhos de dois ratos machos

Empregando múltiplas rodadas de engenharia genética e manipulação celular, cientistas chineses conseguiram produzir pela primeira vez camundongos viáveis “filhos de dois pais”. Os roedores, que conseguiram chegar à vida adulta, carregam o DNA de dois machos diferentes da espécie, sem nenhuma contribuição de fêmeas (com exceção, é claro, das mães de aluguel em que os embriões foram gestados).O processo, descrito em artigo que acaba de sair no periódico científico Cell Stem Cell, é extremamente complexo e arriscado para os filhotes, raríssimos dos quais nasceram sem problemas. Além disso, os camundongos gerados por esse método são estéreis e têm expectativa de vida mais baixa.Por tudo isso, não há qualquer perspectiva de empregar métodos parecidos em embriões humanos nas próximas décadas. O trabalho, no entanto, traz informações importantes sobre como a herança paterna e materna influenciam o desenvolvimento de mamíferos como nós, o que pode trazer aplicações em áreas como a terapia com células-tronco e o estudo de deficiências congênitas, por exemplo.

O estudo foi liderado por Zhi-kun Li, do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências, e é assinado exclusivamente por pesquisadores do país asiático. Os pesquisadores do grupo já tinham chegado perto dos resultados que estão publicando agora em trabalhos anteriores. Mas os camundongos “filhos de dois pais” que tinham produzido antes acabaram morrendo pouco depois do nascimento.Veja também:Ratos, catitas e ratazanas: quais as diferenças entre eles?Ratos são treinados para combater tráfico de animaisCientistas criam por acidente rato com 6 patasTudo indica que a chave para a dificuldade de gerar mamíferos viáveis dessa maneira é algo que também é uma pedra no sapato dos cientistas que estudam a clonagem. Trata-se do chamado “imprinting”, ou estampagem genômica.

Esse processo está ligado ao fato de que, em animais como camundongos, seres humanos e muitos outros, metade do DNA de um indivíduo é herdado do pai, enquanto a outra metade vem da mãe.Via de regra, isso acontece porque o material genético vem “empacotado” em estruturas chamadas cromossomos, que sempre aparecem em pares (23 deles, no caso da nossa espécie) na imensa maioria das células. Como seria de imaginar, um dos membros de cada par é uma herança do lado paterno, enquanto o outro membro veio do lado materno.Isso significa que todas as regiões do DNA têm duas cópias, que podem incluir variantes com funções ligeiramente diferentes, e é a interação entre a “receita” contida nas duas variantes que produz grande parte das características de cada indivíduo.Entretanto, em alguns casos, ocorre o “imprinting”, no qual pequenas moléculas desligam de forma específica trechos de DNA de origem paterna ou materna. É como se houvesse uma etiqueta dizendo “Gene de origem paterna. Favor não usar; use apenas a cópia materna”.Quer saber mais notícias do mundo? Acesse nosso canal de WhatsappUm dos desafios da equipe chinesa erajustamente identificar as regiões mais afetadas pelo “imprinting” genômico e tentar anular o efeito delas. Isso porque, quando o processo de estampagem sai dos trilhos, pode ocorrer uma série de problemas severos de desenvolvimento ainda no útero, fazendo com que a gestação termine antes do tempo ou que os bebês morram logo depois de nascer.Com base em estudos anteriores sobre o “imprinting”, eles conseguiram deletar ou inutilizar 20 trechos do genoma que funcionavam como barreira para a viabilidade dos embriões.Mas esse foi o segundo passo. Antes disso, o primeiro truque envolveu a manipulação de óvulos de camundongas doadoras, retirando o núcleo (que contém o DNA). Nesse óvulo sem núcleo, foram injetados espermatozoides da espécie. O resultado dessa fusão são células com um só conjunto de cromossomos, e não dois —a rigor, é como se elas fossem óvulos, só que com DNA “100% masculino”.Foram esses óvulos artificiais que passaram pela manipulação genética contra os problemas do “imprinting”. O próximo passo foi injetar outro espermatozoide, junto com essas células modificadas, dentro de outro óvulo “natural” cujo núcleo foi extraído. Essa nova fusão produziu células com dois conjuntos de cromossomos, um de cada “pai”, deflagrando o desenvolvimento dos embriões.Mas é claro que tanta manipulação tem um preço para o organismo. Nem todas as regiões ligadas à estampagem genômica foram eliminadas pela técnica dos pesquisadores. E isso se refletiu no desenvolvimento dos camundongos viáveis, que tiveram apenas 60% da expectativa de vida dos gerados normalmente e um tamanho maior que a média —algo que se vê em casos espontâneos de predominância do “imprinting” de origem masculina no genoma.Os pesquisadores esperam usar o que aprenderam nos experimentos para aumentar a segurança de células-tronco produzidas em laboratório, que podem ser usadas para regenerar órgãos, mas às vezes sofrem dos mesmos problemas típicos do “imprinting” defeituoso.

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