O rei e suas novas santidades

Recentemente, viajei pela Europa com minha mãe. Em cada cidade visitada, as construções históricas seguiam um padrão: castelos imponentes e igrejas monumentais. Foi impossível não notar a proximidade entre esses dois elementos. Os reis sempre estiveram lado a lado com a igreja, que detinha o conhecimento e influenciava as decisões do reinado. Dentro dos castelos, havia capelas privadas para o monarca, onde ele se reunia com líderes religiosos e se confessava. A igreja, por sua vez, também ouvia os súditos e, por meio das confissões, sabia tudo o que acontecia no reino.

No fim de um desses dias de visita, já no hotel, assisti à posse do presidente americano Donald Trump. A cerimônia ocorria em imponentes estruturas dos Estados Unidos, mas um detalhe chamou minha atenção: entre os convidados de honra estavam os CEOs das maiores empresas de tecnologia do mundo — Tim Cook (Apple), Jeff Bezos (Amazon), Elon Musk (Tesla, SpaceX e X), Sundar Pichai (Google), Mark Zuckerberg (Meta), entre outros. Aquela cena me fez traçar um paralelo com as visitas que havia feito durante o dia.

Se no passado a igreja era a guardiã do saber e confidente do rei, hoje, esse papel parece ter sido assumido pelas grandes empresas de tecnologia. Elas detêm o conhecimento sobre as pessoas, não mais por meio de confissões, mas através dos dados que coletam em suas plataformas. Redes sociais, mecanismos de busca e serviços digitais registram nossos hábitos, preferências e comportamentos. Essas informações são a “confissão” da era moderna. Assim como a igreja orientava os reis com base em sua compreensão das massas, as big techs influenciam governos e sociedades, oferecendo insights que moldam decisões políticas e econômicas. O escândalo da Cambridge Analytica, nas eleições americanas de 2018, é um exemplo de como esses dados podem ser utilizados estrategicamente.

Esse cenário desperta um debate cada vez mais relevante. De um lado, há os que defendem a regulamentação das redes para evitar desinformação e manipulação. Do outro, os que argumentam pela liberdade de expressão sem interferências. O Fórum Econômico Mundial de Davos, pelo segundo ano consecutivo, apontou a desinformação como o maior risco global de curto prazo.

A história nos ensina que conhecimento é poder. Agora, a questão que se impõe é: como garantimos que esse poder sirva ao bem comum e não apenas a interesses específicos e políticos? As “igrejas digitais” já ocupam um papel central em nossas vidas e na orientação de líderes. A pergunta que fica é: qual caminho devemos seguir?

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