Feminicídio: tratamos a doença sem atacar a causa – 14/02/2025 – Mariliz Pereira Jorge


Era para ser uma crônica levinha para carimbar o sextou, mas leio que mais uma mulher foi morta por seu ex-companheiro. A jornalista Vanessa Ricarte, 42, entra para uma tenebrosa estatística que não dá sinais de melhora. Entra ano, sai ano, muda um governo atrás do outro e os números de feminicídio não se abalam, o que reforça a sensação de que é preciso reajustar o foco no enfrentamento do problema.

No ano passado, o governo Lula lançou o Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio com 73 medidas e orçamento de R$ 2,5 bilhões. São ações importantes que prometem conscientizar mulheres sobre violência, capacitar profissionais, melhorar os canais de atendimento, criar estruturas para acolher as vítimas em todas as fases desse trauma. O documento é bastante detalhado, mas não menciona nenhuma única vez a palavra “homem”, justamente os responsáveis por essa epidemia.

Tratamos a doença sem atacar a causa. Há raras iniciativas de reabilitação para agressores, mas quase nada, em termos institucionais, que foquem na prevenção desse tipo de violência, na formulação de programas educacionais que ensinem, desde a alfabetização, o básico sobre igualdade de gênero com foco neste tema. Como temos visto, a adolescência tem sido o ponto de despertar de mulheres das novas gerações sobre questões que envolvem assédio, consentimento, violência física e psicológica. Mas é um debate que não tem atravessado a rua. Do outro lado, homens mais jovens ainda são moldados pelos parâmetros vigentes de uma sociedade extremamente machista. É impraticável falar em desconstrução da masculinidade quando as iniciativas ainda são elitistas e têm efeito em grupos tão pequenos que não enchem um sarau na Vila Madalena.

Há anos, pelos menos dez, falo que os homens precisam abraçar o feminismo, e isso só acontecerá de forma universal quando as questões de desigualdades forem integradas ao currículo desde o ensino fundamental. É urgente que sejam trazidos para o debate, que sejam cobrados a assumir o papel de agentes dessa mudança, que apenas será efetiva se passar a ser pauta nos veículos de comunicação, tema de ações dos RHs de todas as empresas, dos clubes de futebol, nas repartições públicas, nas ações de marketing, nos posts de influenciadores.

A violência de gênero permeia todas as classes sociais e o passo que falta é discutir uma prevenção que envolva mudanças estruturais nas relações de gênero, processo já iniciado pelas mulheres. Porém, não é suficiente aumentar a consciência feminina sobre a violência se os homens não são igualmente sensibilizados e educados para transformar as estruturas psicológicas e sociais que ainda os fazem crer que têm direito sobre a vida das mulheres.

Não faremos essa revolução sozinhas, se não tivermos o apoio de nossos interlocutores. Entendo que esse diálogo foi interditado muitas vezes por correntes do feminismo que promoviam o afastamento e a culpabilização dos homens. Não funcionou. Essa abordagem não trouxe resultados. Precisamos de aliados, que se comprometam e se responsabilizem a mudar a dinâmica das relações, que terão impacto profundo no ambiente privado, social e corporativo.


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