Ben Jor e Chico elevaram trilha das obras de Cacá Diegues – 14/02/2025 – Ilustrada


Entre tantas formas de olhar para a vasta carreira de Cacá Diegues, que morreu nesta sexta, dia 14, aos 84 anos, uma das principais está no enunciado de um filme dele lançado em 1994: veja esta canção. Ou, em outras palavras, ouça este filme.

Poucos cineastas do país foram tão bem-sucedidos ao encomendar a compositores uma trilha sonora ou uma música-tema. Ao longo de seis décadas de carreira, seus filmes contaram com alguns dos maiores compositores do período, que passearam por diversos gêneros, da valsa ao samba-enredo.

“Quando o Carnaval Chegar”, de 1972, “Xica da Silva”, de 1976, e “Bye Bye, Brasil”, de 1979, são produções notáveis sob qualquer ângulo que os vejamos. Mas os três alcançam um outro patamar de excelência artística com as canções que os acompanham.

A força dramática de Zezé Motta como Xica embalada pela música de Jorge Ben Jor –àquela altura apenas Jorge Ben– está entre os momentos mais potentes do cinema brasileiro.

Nessa seara musical, Chico Buarque foi o parceiro mais constante de Diegues, especialmente na década de 1970. A trilha sonora de “Quando o Carnaval Chegar” foi toda feita para o filme, e Chico assina a maior parte das músicas.

Além da canção do título, há preciosidades buarquianas como “Baioque” e “Bom Conselho”, ambas interpretadas no musical por Maria Bethânia. Nesta última, ela canta versos como “Venha, meu amigo / Deixe esse regaço / Brinque com meu fogo / Venha se queimar”.

Nos papeis principais, além de Chico e Bethânia, estava Nara Leão, com quem Cacá foi casado e teve dois filhos, Isabel e Francisco. No filme, ela canta “Soneto, de Chico, entre outras.

Em “Joana, a Francesa”, de 1973, a música-tema, de Chico, fez uma espécie de convite a uma mulher francesa para que deixe se entranhar na cultura brasileira, intercalando os dois idiomas.

Ao longo do filme , a canção aparece em dois momentos: interpretada pela protagonista, Jeanne Moreau, e por um dueto formado por Chico e Fagner. Ganhou um prêmio de prestígio na época, o troféu Coruja de Ouro de Melhor Música.

Em “Bye Bye, Brasil”, é espantosa a sintonia entre o enredo e a sua canção principal, com letra de Chico e música de Roberto Menescal. Ambas lamentam os momentos derradeiros de um Brasil –o país do circo, por exemplo — e veem o futuro com ambiguidade, entre a esperança e a melancolia. “No Tocantins / O chefe dos Parintintins / Vidrou na minha calça Lee / Eu vi uns patins pra você / Eu vi um Brasil na tevê”, cantou.

Depois de um longo intervalo, Chico reencontrou Diegues em “O Grande Circo Místico”, o último longa-metragem do cineasta, lançado em 2018. Mas esse é um caso peculiar porque as músicas de Chico e Edu Lobo tinham sido concebidas originalmente para um espetáculo do Balé Teatro Guaíra, de Curitiba, no início dos anos 1980.

Esse repertório foi retomado quase quatro décadas depois pelo diretor, que mantém versões clássicas, como “Beatriz” na voz de Milton Nascimento, e inova ao entregar “A Bela e a Fera” para Tiago Abravanel.

Mas há outras contribuições musicais relevantes ligadas ao cinema de Diegues, canções que mantêm o vigor décadas depois de lançadas. A começar, criações sublimes ligadas à cultura afro-brasileira.

“Ganga Zumba”, de 1964, reúne peças instrumentais, com forte acento de percussão, de Moacir Santos, como “Coisa nº 5”. São de uma sofisticação incomum para a época e até hoje soam surpreendentes.

Dois anos depois, entrou em cartaz “A Grande Cidade”, que trazia canção de mesmo nome. É um samba com música de Zé Keti e letra do próprio Cacá Diegues. Moacir Santos voltava a trabalhar com o cineasta, mas desta vez como diretor musical.

Na década seguinte, a explosão rítmica de Ben Jor acompanhou a ascensão de Xica da Silva. A partir de então, seria difícil olhar para Zezé Motta sem se lembrar dos versos dessa canção.

Houve ainda “Quilombo”, filme de 1984 com diversas canções de Gilberto Gil criadas especialmente para o filme. São o caso de “Quilombo, o Eldorado Negro” e “Ganga Zumba – O Poder da Bugiganga”.

Com quatro filmes de três décadas diferentes, Diegues impulsionou o surgimento de músicas que têm ajudado a iluminar a cultura negra no país.

Sempre haverá alguém para chiar se Caetano Veloso não cantar “Luz do Tieta” em seus shows. Esse hit e outras músicas de Caetano foram compostas para “Tieta do Agreste”, de 1996. Em “Orfeu”, lançado três anos depois, retomaram a parceria. É de Caetano, entre outras, o samba “Enredo de Orfeu”.

Diante da polifonia de linguagens que compõem um filme, um diretor de cinema também atua como um maestro, a conduzir os acordes ao encontro das imagens. Nesse sentido, com olhos e ouvidos sensíveis, Diegues foi um dos melhores.



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