Laboratório de segurança máxima deve ser aberto em 2026 – 15/02/2025 – Ciência


Com o crescente avanço da ocupação humana sobre os ecossistemas e as mudanças climáticas, os cientistas sabem que pandemias, como a devastadora Covid-19, tendem a ser mais comuns no futuro. A partir de 2026, o Brasil deve ganhar um reforço na luta contra esses patógenos mortais. Trata-se do laboratório Orion, a ser instalado em Campinas –o primeiro da América Latina classificado como de segurança máxima.

O projeto, orçado em cerca de R$ 1 bilhão, foi incluído no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal, com o que a gestão do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), organização social supervisionada pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). A expectativa é inaugurar o complexo laboratorial ainda no ano que vem.

“A verba está reservada, então esperamos não ter problemas”, diz Maria Augusta Arruda, diretora do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências do CNPEM), departamento responsável pela iniciativa. As obras estão em andamento, no momento concentradas na infraestrutura. Mas, quando estiver pronto, o Orion será a única instalação da América Latina a ter certificação NB4, correspondente à máxima contenção biológica.

Os laboratórios que lidam com patógenos perigosos, sejam vírus ou bactérias, são divididos em quatro categorias, ou níveis de segurança. O primeiro nível comporta apenas os micróbios menos perigosos, como lactobacilos ou o famoso Escherichia coli, um dos organismos-modelo da biologia e popular por às vezes causar terríveis diarreias –mas nada muito pior que isso. O segundo pode lidar com agentes mais perigosos, como o da rubéola.

Já o terceiro, maior nível atingido por laboratórios brasileiros até o momento, consegue lidar com monstrinhos mais perversos, como os da família SARS-CoV (da qual o 2 foi o causador da pandemia da Covid-19) e o HIV (causador da síndrome da imunodeficiência humana adquirida, a Aids). Contudo, ainda há patógenos ainda mais agressivos, como o temível vírus ebola, cuja taxa de mortalidade é altíssima. Para esses, só o nível 4 basta.

O ebola é o exemplo famoso, mas há muitos outros vírus que entram nessa categoria, muitos dos quais ainda estão por ser descobertos. Alguns deles ocorrem no Brasil e preocupam. É o caso do vírus sabiá (SABV), descoberto por aqui (mais precisamente no bairro de Sabiá, em Cotia, na Grande São Paulo, o que justifica o nome) e capaz de causar febres hemorrágicas de fazer inveja à dengue.

“É o nosso garoto-propaganda”, brinca Arruda, mencionando que até o momento, para trabalhar em segurança com o sabiá é preciso enviá-lo ao exterior. Não é a situação ideal, ainda mais sabendo que o Brasil é um dos países mais propícios ao surgimento de novas pandemias, por sua forte biodiversidade e pelo contato constante de humanos com outros animais –o que pode viabilizar os chamados transbordamentos zoonóticos, quando um patógeno que originalmente infecta um organismo salta para outro, de uma espécie diferente. O surgimento do HIV, de várias gripes aviárias e suínas que contaminam humanos e, provavelmente, do SARS-CoV-2 são eventos desse tipo.

No Brasil, o Lanagro (Laboratório Nacional Agropecuário de Minas Gerais) chegou a receber uma qualificação NB4, em 2014, mas somente pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Para estudos referentes à saúde humana, o Orion deve ser o primeiro, certificado pelos padrões da OMS (Organização Mundial de Saúde).

SEGURANÇA E TREINAMENTO

A instalação construída numa área de 24,5 mil metros quadrados abrigará laboratórios NB2, NB3 e NB4. Para essa última categoria há uma série de precauções técnicas que asseguram o isolamento necessário à manipulação de patógenos perigosos. É preciso isolar não só o interior do laboratório do ambiente externo –o que é feito com comportas de ar e controle de pressurização para garantir que qualquer fluxo atmosférico se dê sempre de fora para dentro, e nunca de dentro para fora–, como também isolar o próprio pesquisador do laboratório em que ele está trabalhando.

Isso é feito com trajes herméticos que recebem ar de fora do laboratório, para que o pesquisador possa respirar adequadamente, e são descontaminados quimicamente a cada entrada ou saída. São uma série de procedimentos que exigem treinamento e qualificação específicos para quem for usar os laboratórios. Embora o Orion ainda não esteja pronto, já está ativo no CNPEM um programa de treinamento e capacitação para pesquisadores e alunos, com atividades teóricas e sessões práticas, realizadas em uma réplica das instalações reais de um laboratório NB4.

O maior diferencial do Orion, contudo, é a sinergia com o Sirius, a joia da coroa do CNPEM. Trata-se de um acelerador de elétrons de última geração que produz diversas fontes de luz síncrotron, útil para as mais variadas aplicações científicas. O laboratório biológico não será instalado adjacente ao Sirius à toa. Três linhas de luz do acelerador serão direcionadas para dentro do Orion, que com isso será o primeiro laboratório NB4 no mundo todo a ter essa tecnologia à disposição.

A própria geometria do projeto explica o nome. Enquanto Sirius é a estrela mais brilhante do céu, três linhas o ligam às famosas Três Marias, que formam o centro da constelação de Orion –da mesma forma que três linhas de luz se projetam do acelerador para o laboratório.

Segundo Arruda, é uma oportunidade para o Brasil se colocar na vanguarda numa das áreas mais importantes das biociências, que é o estudo de patógenos potencialmente perigosos, com grande projeção internacional. “Esperamos sobretudo fomentar parcerias com o chamado Sul Global”, diz.

Com as três fontes de raios X, operando em diferentes comprimentos de onda, será possível produzir imagens de vírus, bactérias e tecidos afetados por esses patógenos em escalas que vão dos nanômetros aos micrômetros (milionésimos a milésimos de milímetro), permitindo estudar profundamente suas estruturas e interações durante infecções, o que pode ajudar na busca por tratamentos eficazes.

Claro, o Orion não ficará todo pronto de uma vez, e a inauguração será apenas o início dos trabalhos de comissionamento e certificação. Para que ele atinja todos os seus objetivos é importante que se mantenha o que é essencial em qualquer projeto dessa magnitude: constância de propósito e financiamento adequado –o que não costuma ser fácil no Brasil.

O jornalista visitou o local a convite do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais)



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.