O racismo é inaceitável – 21/02/2025 – Opinião


É bom começar por este ponto: o racismo é inaceitável. Estabelecido isso, podemos começar uma conversa. E não faz sentido começar essa discussão com a pergunta: o que você considera racismo? O racismo é uma das faces mais cruéis da injustiça. A injustiça não é apenas a ausência de justiça: ela é a instituição social que garante e justifica que pessoas sejam tratadas de modo desrespeitoso, excludente, violento e desumano, que tenham seus direitos civis abolidos por causa da sua origem social, etnia, raça, gênero, religião, descendência e nacionalidade. O sexismo, a intolerância, a xenofobia etc. são outras faces da injustiça.

E tudo isso é inaceitável. Muito sangue é derramado por causa disso.

Posto isso, nós, intelectuais, jornalistas, professores e pesquisadores temos a árdua tarefa de discutir, examinar e teorizar sobre o modo como as sociedades contemporâneas, especialmente as democracias liberais, criam suas estratégias para combater as injustiças. O problema é que nem sempre o trabalho do intelectual anda no mesmo passo do importante trabalho do militante. Enquanto o militante (antirracista, decolonial, anti-homofobia) se sustenta em convicções, pois afinal vivemos mesmo em uma sociedade injusta, o intelectual, por sua vez, sempre tem dúvidas e procura examinar os problemas por mais de um ângulo.

O trabalho do militante é muito importante. Não é infrequente que sejam pessoas que colocam suas próprias vidas em risco pela defesa de uma causa social. Porém, ainda que seja uma pessoa bem-intencionada, não passa pela cabeça de um militante da justíssima causa antirracista, por exemplo, que uma pessoa identificada com grupos injustiçados possa cometer um ato injusto. Já para o intelectual, todas as perguntas podem ser feitas e nenhuma resposta está imune à suspeita e à revisão. Para um intelectual público, não lhe surpreende, mediante a crítica acirrada dos seus interlocutores, descobrir que estava errado e que precisa rever suas premissas, suas fontes. Poderia um militante ter a mesma atitude de modéstia intelectual?

Uma vez que ele representa um grupo social injustiçado, tudo o que o militante diz (ele pensa) deve estar liminarmente justificado. Ele não erra e não hesita. Ainda que uma pessoa militante particular, com CPF e nome próprio, diga ou escreva algo equivocado, impreciso, preconceituoso, desinformado, errado, ela vai se sentir imune a qualquer crítica. Uma crítica aos erros e inconsistências das suas falas e textos será interpretada como uma perpetuação das injustiças contra o seu grupo e como ato de violência.

Lamentavelmente, muitas pessoas se escondem da responsabilidade moral e intelectual sob o escudo de que é seu grupo que está sendo atacado e não os seus textos e discursos que estão sendo examinados criticamente. O fato é que alguém que diga que pessoas com um certo fenótipo representam a violência, a escravidão e a corrupção, não pode esperar que esse erro histórico e as implicações racistas dessa afirmação passem despercebidas.

Não é possível construir um debate público de boa qualidade onde nossos melhores antropólogos, cientistas políticos, jornalistas e filósofos não possam exercer a tarefa da critica. A sociedade brasileira já deu muitos passos positivos pelos direitos civis, mas nós ainda não sabemos lidar plenamente com nossa herança maldita de racismo, misoginia, homofobia e injustiças em geral. Precisamos conversar, conversar muito, construir pontes (se não der para construir pontes, pelo menos pinguelas provisórias, aquelas de madeira, frágeis, que podem colapsar a qualquer momento… Mas já é alguma coisa).

Aceitemos: se dizemos algo, se publicamos alguma coisa, temos de esperar as críticas, pois elas virão.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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