A Lei da Anistia deve ser revista? NÃO – 21/02/2025 – Opinião


A resposta à pergunta proposta neste debate é a seguinte: a Lei da Anistia não pode ser revista. Anistia é o ato legislativo soberano pelo qual o Estado renuncia ao direito de punir, apagando os fatos do passado. Deve ser feito por meio de lei, a qual, uma vez aprovada, não pode mais ser revogada porque, operada a extinção da punibilidade dos anistiados, sua situação jurídica não pode ser prejudicada por lei posterior —sob pena de afronta ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal.

Por se tratar de garantia individual, a anistia concedida não poderá ser suprimida nem mesmo por emenda constitucional, diante do disposto no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal (CF). A impossibilidade de uma lei retroagir para prejudicar é cláusula pétrea. Desse modo, após entrar em vigor e produzir o esquecimento jurídico do fato, com a consequente extinção do direito de punir do Estado, a lei que concedeu anistia não poderá mais ser revista.

Não há como fazer renascer o direito de punir o que já foi extinto. Este princípio está previsto no art. 5º, inciso XL, da CF: “A lei penal não pode retroagir, salvo para beneficiar o agente”. Esse marco civilizatório funda-se na reserva legal, princípio também insculpido no texto constitucional, no artigo 5º, inciso XXXIX: “Não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Desde a Magna Carta do rei João Sem Terra, no longínquo ano de 1215, ninguém pode ser considerado autor de uma infração penal sem que o fato esteja previamente definido em lei. Essa garantia, no entanto, seria ineficaz se o Estado pudesse fazer leis capazes de retroagir para prejudicar o agente. Reserva legal, anterioridade e irretroatividade estão interligadas de modo indissolúvel. Diante disso, revogar ou rever uma lei que concede anistia é afrontar a Constituição.

O argumento de que a tortura é imprescritível e por isso autorizaria supostamente a revogação da anistia para tais delitos não procede. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que se costuma propagar, o crime de tortura é prescritível, tanto quanto o homicídio, o estupro, o tráfico de drogas, o latrocínio e tantos outros delitos hediondos ou equiparados. De acordo com o art. 5º de nossa CF, somente o racismo (inciso XLII) e as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático (inciso XLIV) são imprescritíveis.

Em segundo porque, imprescritíveis ou não, a concessão da anistia, uma vez operada, não pode mais ser revogada diante da invulnerabilidade do princípio constitucional da irretroatividade penal. A dogmática penal deve sempre prevalecer sobre a conveniência política e a pauta ideológica do momento, sob pena de perder sua função precípua de pacificação e estabilização das relações jurídicas.

Com a lei 6.683/1979, o Brasil aprovou a anistia, ampla, geral e irrestrita, de modo que, certa ou errada, já produziu todos os seus efeitos jurídicos, e para ambos os lados. Todos os crimes praticados por agentes públicos e por civis foram alcançados de modo definitivo. Agora, é olhar para o futuro. Sem segurança jurídica, previsibilidade e observância das regras objetivas do direito e da Constituição não há caminho seguro para a democracia.

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