Ação nos EUA pode tornar Moraes símbolo global contra censura



O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes virou alvo, na quarta-feira (19), de uma ação judicial nos Estados Unidos movida pelo Trump Media & Technology Group (TMTG), empresa ligada ao presidente americano Donald Trump, e pela plataforma de vídeos Rumble – que, nesta sexta-feira (21), foi suspensa no Brasil.

O caso tramita em um tribunal federal na Flórida e pode se tornar um símbolo global contra a onda de censura de usuários das redes sociais por autoridades estatais.

“As ações do ministro Moraes, se não forem contidas, poderiam criar um precedente perigoso, no qual tribunais estrangeiros poderiam rotineiramente impor suas leis sobre empresas americanas, caso escolham ignorar os canais legais estabelecidos, ameaçando os princípios fundamentais da soberania dos EUA, da liberdade de expressão e do discurso aberto”, afirmam os advogados das empresas.

O foco imediato da ação é um conjunto específico de “gag orders” – ordens de mordaça – expedidas por Alexandre de Moraes contra um usuário em particular das redes Rumble e Truth Social (que é do TMTG), identificado no texto como “Political Dissident A” (“dissidente político A”). É bastante provável que se trate do jornalista Allan dos Santos, que mora nos Estados Unidos.

Moraes mandou intimações aos Estados Unidos pedindo às duas redes a suspensão dos perfis dele, a proibição de que ele crie novas contas e o bloqueio de monetização ou de recebimento de doações.

Para o Rumble e o TMTG, as ordens judiciais emitidas pelo ministro são inconstitucionais sob a perspectiva norte-americana, já que seus atos buscam censurar conteúdo de plataformas sediadas nos Estados Unidos, violando proteções à liberdade de expressão da lei americana e burlando leis internacionais de diplomacia. (Veja com mais detalhes no final deste texto quais leis e princípios de diplomacia Moraes violou, segundo os advogados.)

Embora o documento tenha como alvo as “gag orders” contra esse usuário específico, o pano de fundo da ação — e o potencial alcance dela — é bem mais amplo, porque questiona o poder de uma autoridade de outro país de impor censura a conteúdos e contas nos EUA fora dos canais diplomáticos convencionais.

Os advogados alegam que, se as plataformas cederem às exigências de Moraes, isso sinalizaria a governos de outros países que as suas próprias regras de censura podem ser aplicadas aos EUA, atacando a liberdade de expressão prevista na Primeira Emenda à Constituição e a legislação específica americana que protege a atividade das redes.

O que uma condenação poderia representar para Moraes e o Judiciário brasileiro

Por enquanto, Moraes é réu em uma ação civil, e não no âmbito penal. Isso quer dizer que, caso for condenado, ele não vai para a cadeia se pisar em solo americano, como sugeriram nos últimos dias alguns usuários de redes sociais.

Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela USP, explica que Moraes poderia até mesmo continuar viajando para os EUA. Uma condenação civil não acarreta, por exemplo, a perda de visto.

Os efeitos práticos para Moraes seriam dois: o fim da eficácia de suas decisões em solo americano e o golpe em sua reputação, já que sua atuação à revelia da lei dos EUA ganharia ainda mais repercussão internacional.

Mas, para Módolo, é difícil imaginar que as plataformas americanas parem por aí. Ele crê que esse processo é o ponto de partida para uma série de ações das empresas de tecnologia que foram castigadas por Moraes e o Judiciário brasileiro nos últimos anos.

“Tenho a impressão de que essa ação está testando as águas do próprio Judiciário americano para começar uma série de outras ações assim contra o Judiciário brasileiro. O escopo da ação é um tanto limitado. Ela não pede uma condenação em pecúnia, em dinheiro. Fica a impressão de que se trata de uma primeira ação, para que depois comecem a vir com outras. Por exemplo, o X pode vir com a ação própria. Outros afetados pelas decisões que foram censurados poderão vir com suas próprias ações. Parece só o começo”, explica.

Módolo ressalta que, para ter alguma chance razoável de vencer no caso, Moraes poderia ser obrigado a fazer um gasto milionário se pretendesse ser defendido por advogados do mesmo nível dos contratados por Rumble e TMTG. “A gente percebe que eles trouxeram as armas grandes. Foram nos melhores [advogados]”, diz.

Não se sabe, ainda, se é o próprio Moraes quem vai desembolsar o dinheiro para sua defesa ou se ele receberá ajuda da Advocacia-Geral da União. Segundo Módolo, como Moraes atua em um órgão de Estado brasileiro, há argumentos para defender a segunda possibilidade, que foi dada como certa em meios de comunicação nos últimos dias.

“Nenhum integrante da AGU tem capacidade postulatória nos Judiciários estrangeiros, mas a AGU pode contratar escritórios locais para fazer essa defesa, e isso de fato pode ocorrer. O contribuinte bancaria isso via orçamento da AGU”, explica.

Ação contra Moraes é etapa de jogo geopolítico bem mais amplo

Elton Gomes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), ressalta que a ação contra Moraes é parte de um jogo geopolítico bem mais amplo do que seu escopo imediato.

“Esse é um processo político em curso, cujos resultados ainda são amplamente desconhecidos. Enquanto estamos aqui, os atores que disputam o poder na política doméstica e internacional estão se movimentando e vendo quais são os seus cursos de ação possíveis. Por exemplo, é sabido que autoridades brasileiras que podem ser arroladas nesse processo nos Estados Unidos já começaram a acionar as suas assessorias para retirar os seus bens do exterior, já antevendo ou temendo a possibilidade de serem confiscados. E também é sabido que, pelas declarações dos próprios CEOs das Big Techs, eles estão dispostos a levar tudo a ferro e fogo na barra dos tribunais”, observa.

“Não podemos fazer afirmações levianas, supondo, levantando ilações, de que se trata de uma ação coordenada do governo americano para retaliar as ações autoritárias ou questionáveis do ministro Alexandre de Moraes no Brasil ou da Suprema Corte Brasileira. Entretanto, sabendo que o segundo governo Trump tem como um dos principais grupos de interesse o setor das Big Techs, com membros desse setor atuando em seu próprio gabinete, é de se imaginar que, se não for uma ação do governo americano – e, de fato, formalmente não é –, é uma ação que é do interesse do governo americano e de forças econômicas e políticas que lhe dão sustentação”, acrescenta Gomes.

Mais do que as consequências imediatas para Moraes, Gomes considera que está em jogo um conflito mais amplo entre visões sobre a liberdade de expressão, e que o Judiciário brasileiro pode acabar se tornando um exemplo do que não se fazer nesse âmbito, tornando-se um símbolo global.

Para o especialista, a mudança de postura de grandes empresários do campo da tecnologia, demonstrando a apoio a Trump, é “um dos movimentos mais importantes da história política mundial recente”.

“Essas forças econômicas disruptivas, que produziram a redefinição de tempo e espaço da tecnologia e da informação, consideram que as políticas de ampla regulação e o cerceamento da liberdade de expressão, para além de se violar esse ou aquele valor abstrato, representam um prejuízo concreto para suas operações comerciais”, comenta.

“Quando você coloca muitas regulamentações e instrumentaliza isso para dar caça a seus inimigos políticos – e foi essa a acusação que o Trump fez, essencialmente, que só regulavam contra os conservadores, não regulavam contra os progressistas – quando você faz isso, as empresas perdem dinheiro”, acrescenta.

Isso, segundo Gomes, é o que faz com que “figuras como Mark Zuckerberg, que está longe de ser um conservador”, apoiem Trump. “Se o Brasil, como a Europa, insiste em regulamentações mais pesadas, isso fere os interesses de lobbies, de interesses organizados, com um profundo nível de influência na administração do país mais poderoso do mundo hoje.”

Quais leis e princípios de diplomacia Moraes violou, de acordo com advogados

Alexandre de Moraes é acusado pelos advogados das empresas Trump Media & Technology Group e Rumble de ferir as seguintes leis americanas e princípios do Direito Internacional:

Primeira Emenda da Constituição dos EUA
Garante a liberdade de expressão. As ordens de censura impostas visam silenciar discursos legais, contrariando esse direito fundamental.

Communications Decency Act
Protege provedores de internet nos EUA de serem responsabilizados pelo conteúdo de terceiros. Ao exigir a remoção de publicações que não violam a lei nos EUA, as ordens de Moraes conflitam com essa proteção.

Princípios de respeito mútuo entre jurisdições
No Direito Internacional, há normas que asseguram o respeito mútuo entre jurisdições, impedindo que tribunais estrangeiros imponham suas leis em outro país. A imposição extraterritorial de ordens, como as de Moraes, desrespeita essa noção de soberania, o que é mencionado pelos advogados do Rumble e da TMTG.

Mecanismos de cooperação internacional (MLAT, Convenção de Haia e cartas rogatórias)
Moraes não usou os instrumentos que regulam a forma de executar ordens judiciais entre países. Ele ignorou os canais adequados, adotando medidas unilaterais que violam os procedimentos legais internacionais. Em concreto, ele feriu as seguintes leis, segundo os advogados:

  • MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty): Tratado de Assistência Jurídica Mútua, que facilita a cooperação entre países na troca de informações, provas e assistência em investigações criminais.
  • Convenção de Haia: Acordo internacional que padroniza o procedimento de notificação e execução de documentos judiciais entre os países, respeitando a soberania de cada Estado.
  • Cartas rogatórias: Solicitações formais enviadas por um tribunal de um país a um tribunal estrangeiro, pedindo auxílio nos atos processuais, conforme os procedimentos legais do país em questão.

Política de não reconhecimento de sentenças estrangeiras da Flórida
A Flórida, estado onde tanto o Rumble como o TMTG têm sede, prevê que decisões judiciais estrangeiras que contrariem a política pública dos EUA não devem ser reconhecidas. As ordens de censura que atingem empresas americanas se encaixam nesse critério.



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