Zé Gotinha: o que acontece com ele com mudança na vacina – 23/02/2025 – Equilíbrio e Saúde


Até meados dos anos 1980, as propagandas para a vacinação contra o poliovírus —causador da poliomielite, ou paralisia infantil— tinham um tom fúnebre, de medo.

A partir de 1986, tudo mudou. A campanha ganhou o Zé Gotinha, um embaixador em formato de gota antropomórfica. Era uma alusão à gotinha da vacina oral para poliomielite, recentemente substituído pelo imunizante injetável. Mas o Zé Gotinha não vai a lugar algum e agora representa a vacinação e a saúde.

A substituição da vacina, segundo o Ministério da Saúde, é baseada em critérios epidemiológicos, evidências científicas e recomendações internacionais para aumentar a segurança do esquema vacinal.

Renato Kfouri, presidente do departamento científico de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), diz que a diferença entre a gota e a vacina injetável é que a primeira tem o vírus vivo, enfraquecido, e a segunda tem o vírus inativado. De fácil aplicação, a gotinha ajudou campanhas de vacinação em massa.

“A vacina era dada oral e excretada nas fezes dos indivíduos vacinados e circulava no ambiente o vírus vacinal, imunizando indiretamente a coletividade. Ou seja, protegia o vacinado e a população como um todo”, explica Kfouri.

Por outro lado, havia o vírus vivo, atenuado, em circulação no ambiente, que era capaz de sofrer mutação, recuperar sua força e atingir os não vacinados. “Hoje a gente tem muito mais casos de paralisia por vírus associados à vacina ou derivados de vacinas circulantes do que pelo vírus selvagem”, afirma o médico.

“A combinação de cobertura vacinal baixa com grande circulação de vírus vacinal no ambiente traz o risco de reintrodução da pólio”, acrescenta. A saída, também recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), foi abandonar a vacina com vírus vivo para que ele deixasse de circular no ambiente.

A vacina injetável para pólio está no esquema vacinal brasileiro há mais de dez anos, na primeira dose. Os reforços, aos 15 meses e aos 4 anos de idade, ainda eram dados em gotinha. Agora, é tudo injetável.

O Zé Gotinha não perde sua importância com a mudança, diz o Ministério da Saúde. Dono de um perfil no Instagram com mais de 80 mil seguidores, o personagem já se engajou em diversas campanhas da saúde, que extrapolam a vacinação. No perfil há posts sobre saúde mental, exercício físico e prevenção da dengue. Ele até louvou a indicada ao Oscar de melhor atriz, Fernanda Torres, como “totalmente imunizada”.

Quando foi criado pelo ilustrador Darlan Rosa em uma parceria do Ministério da Saúde com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para uma campanha de erradicação da pólio, inicialmente houve resistência do governo. “Havia uma crença de que não se devia fazer uma campanha séria com fantasia”, diz Rosa. Mas o projeto acabou saindo do papel na forma da gotinha.

O objetivo da mascote era tornar a vacinação mais atraente para as crianças. “A ideia era transformar o Dia Nacional de Vacinação em um evento festivo”, diz a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em resposta enviada via assessoria de imprensa.

Rosa afirma que isso acontecia sem mentira: em momento algum ele tentou convencer a criançada de que vacina não dói, por exemplo.

Ele sugeriu a abertura de um concurso nacional para nomear a mascote e conta que mais de 11 milhões de cartas foram recebidas com sugestões. A única regra, de que não valia nome de gente, foi sumariamente desrespeitada. “No governo [José] Sarney a gente tinha medo de que, se adotássemos um nome tipo Zé, ele não seria aceito nos governos seguintes por ser o nome do presidente anterior. Mas o nome Zé Gotinha era recorrente no país inteiro.” Prevaleceu a vontade das crianças.

Zé Gotinha sempre teve bom humor nas veias. Na gestão Collor, quando o presidente lançou um filme à la Barbie profissões em que pilotava aviões, jogava bola, usava roupas de exploração de selva, a mascote da vacinação protagonizou uma paródia em que fazia as mesmas atividades. Collor acabou recebendo a gota na rampa presidencial.

Esse caráter de ser facilmente apropriável deu suas caras de formas nefastas também, como quando Eduardo Bolsonaro colocou um fuzil na mão do Zé Gotinha e postou a imagem nas redes sociais com a frase “nossa arma é a vacina”. Dias depois, em abril de 2021, o então ex-presidente Luiz Inácio da Silva criticou a política do governo Jair Bolsonaro em meio à pandemia de Covid-19 e pediu seriedade com a vacinação: “Cadê o Zé Gotinha?”, indagou.

Segundo Patricia Campinas, mestra em audiovisual pela USP (Universidade de São Paulo) com uma dissertação sobre o Zé Gotinha, a pandemia marcou o ressurgimento da mascote após um período de esquecimento. “Ele teve uma volta em 2012, mas depois ficou escondido. E apareceu na campanha contra a Covid, mas não pelo ministério [da Saúde]. Foi um movimento cultural, das pessoas brincando com o Zé Gotinha, brincando com a ideia de bumbumtantan [em referência ao Instituto Butantan e ao funk ‘Bum Bum Tam Tam’].”

Ela diz que o personagem sempre teve uma inclinação heroica. E cita uma animação em que o Zé Gotinha explica o funcionamento da vacina em termos de uma luta que o corpo trava no sistema imunológico. “Vai dando características heroicas que são importantes para que a gente adote essa criatura e queira ela por perto.”



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