Armadilhas contra dengue viram focos de mosquitos em SP – 23/02/2025 – Equilíbrio e Saúde


Desde que foram instaladas, as armadilhas compradas pela Prefeitura de São Paulo contra o mosquito da dengue estão com manutenção irregular, fazendo com que se tornem, muitas vezes, criadouros do Aedes aegypti, transmissor da doença.

Comprados pela gestão Nunes por R$ 400 a unidade, os mais de 20 mil modelos da armadilha espalhados pela cidade deveriam receber manutenção mensal ou bimestral, conforme o fabricante, mas há relatos de um a até seis meses de atraso. A demora faz com que o larvicida presente no equipamento perca a sua eficácia e que o recipiente se torne, então, com a água parada, um ambiente perfeito para a proliferação de larvas.

A Folha visitou, na quarta-feira (19), moradores das zonas leste, oeste e sul que receberam as armadilhas em suas casas no ano passado. Muitos deles já haviam devolvido o equipamento para a Prefeitura por verificarem que as armadilhas estavam tendo efeito contrário, atraindo mosquitos, devido à falta de manutenção.

A reportagem conversou ainda com quatro servidores que atuam nas regiões norte, sul e oeste da cidade, e que apontam que há falta de agentes suficientes para a realização do serviço, que hoje registra atrasos inclusive em escolas municipais. Eles não quiseram se identificar.

Os gastos com a Biovec —empresa que vende os produtos e seus sachês—, já ultrapassam os R$ 35 milhões, e são alvos de um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apurar suposto ato de improbidade administrativa praticado pela Prefeitura de São Paulo. O processo está em fase de oitivas.

Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que, “segundo a Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde), houve em 2024 uma redução de cerca de 20% nos casos de dengue em áreas com as armadilhas se comparadas a territórios similares”, sem informar com qual metodologia os dados foram analisados. Afirmou ainda que as manutenções acontecem a cada dois meses, “embora o inseticida tenha efeito residual que pode durar até 180 dias”.

Disse ainda que, “eventualmente, alguma armadilha pode exceder o prazo devido a situações pontuais, como o imóvel estar fechado no dia da visita”, e que não identificou atrasos de meses na manutenção.

A Folha questionou ainda sobre a sindicância sigilosa aberta pela CGM (Controladoria Geral do Município) para apurar suspeitas de irregularidades na manutenção das armadilhas, revelada pela Agência Pública, ao que a Secretaria respondeu que a CGM “atua com compromisso à transparência, e suas análises não implicam julgamento prévio das políticas públicas.” O órgão apura se o possível aumento na população de mosquitos gerou piora na situação epidemiológica da cidade.

No ano passado, a capital registrou os números mais altos de casos e de mortes por dengue nos últimos dez anos, assim como o país. O município confirmou 623.437 casos e 475 mortes.

Na zona leste, Gabrielly Damasceno, 22, e Carlos Augusto Ribeiro, 29, residentes da Vila Ré, dizem ter recebido a visita dos agentes de endemias pela primeira vez no ano passado, ocasião em que a armadilha foi colocada no imóvel. Após mais de três meses sem manutenção, o objeto passou a acumular larvas, que gerava mais mosquitos. Eles, então, “desmontaram” a armadilha, e lavaram o balde.

“Depois de uns três, quatro meses, vieram recolher. Perguntaram porque a gente tirou, a gente informou, e eles só fizeram a gente assinar um papel de responsabilidade de que jogamos o veneno fora”, diz Gabrielly. Foi também cerca de um mês depois da instalação do balde que tanto Carlos quanto a avó de Gabrielly foram infectados com dengue. “Fiquei muito mal, tenho hoje manchas na perna”, acrescenta Carlos.

As armadilhas compradas pela Prefeitura consistem em baldes pretos com água, desenhados para atrair a fêmea do Aedes aegypti. Um tecido instalado no interior do equipamento contém larvicida e fungo, substâncias que são transmitidas para o Aedes no momento em que ele repousa no local.

Ao voar para fora do balde, o mosquito carrega o larvicida e contamina outros criadouros, tornando-os insalubres para o desenvolvimento de larvas. Enquanto isso, o fungo diminui a capacidade do inseto de transmitir a dengue e o leva à morte em cerca de dez dias. A manutenção consiste na reposição de sachês com os bioativos.

A tecnologia foi desenvolvida pela empresa holandesa In2care e se mostrou eficaz em experimentos científicos. Mas, segundo especialistas, é difícil avaliar a efetividade de um equipamento no estudo e depois replicá-la na prática, uma vez que as condições na realidade são diferentes.

“Quando você faz um estudo em um determinado lugar e período, você tem uma equipe que está preparada para utilizar aquele material”, afirma André Ribas Freitas, médico epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic.

Segundo Freitas, é comum que armadilhas contra dengue em geral acabem por virar criadouros. “Quando a gente vai trabalhar na vida real, tem um monte de outros problemas, e a questão da manutenção é a maior deles, porque a armadilha tem um formato que permite acumular água, e se você deixar lá, vai virar um criadouro.”

Na zona sul, a reportagem visitou, na segunda-feira (17), um condomínio no qual a armadilha não recebia manutenção há oito meses. O balde, ao ar livre, acumulava larvas de mosquitos.

De acordo com Lucianne Tarran, agente de endemias e diretora do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), isso acontece porque, embora, segundo a Prefeitura, sejam 12 mil agentes trabalhando na dengue, menos de 2.000 deles são agentes de endemias, os responsáveis pelas armadilhas. O cargo também acumula funções como bloqueios vetoriais (visitas nas casas para eliminar focos de mosquitos), vacinação de animais domésticos e cuidados com outras doenças, como febre amarela.

“Só no meu território, tem mais de 400 mil pessoas morando e 40 agentes para fazer todas essas atividades”, diz.

Questionada na quinta-feira (13) sobre como está sendo feita a medida de eficácia dos equipamentos, a Prefeitura não respondeu.

A questão foi endereçada ainda em lei de acesso à informação protocolada pelo vereador Celso Giannazi (PSOL) em abril do ano passado, que perguntou também qual divisão ou coordenadoria é responsável pelo acompanhamento da eficiência dos produtos. Sem respostas, o parlamentar entrou com um mandado de segurança contra o prefeito. Na segunda instância, o desembargador entendeu que a autoridade coautora seria o secretário de saúde, Luis Carlos Zamarco.

Em entrevista à Folha em 2023, Zamarco afirmou que o projeto de implementação das armadilhas partiu da Biovec, empresa sediada em Santo André (SP) e autorizada a vender os produtos da In2care no Brasil.

Na época, servidores já haviam relatado dificuldade para manter as armadilhas. Três agentes de endemia da Covisa relataram que as equipes são pequenas e não davam conta da demanda de milhares de armadilhas instaladas, o que causa atraso na manutenção dos equipamentos. Em razão da demora, disseram, muitos moradores pediam a retirada das armadilhas ou se encarregavam de jogá-las fora.

Questionado sobre o problema, Zamarco afirmou na época que 703 agentes foram contratados pela Covisa no início do ano passado. A secretaria, por sua vez, disse em nota que não tem encontrado dificuldade para instalação e manutenção dos equipamentos e que os munícipes são receptivos às ações de combate à dengue.

Na semana passada, o Governo de São Paulo decretou situação de emergência por dengue em todo o território paulista. O estado vive situação de epidemia e registra 124.038 casos confirmados da doença e 113 mortes —a maioria contraiu o sorotipo 2. Há ainda 82.908 casos e 233 óbitos em investigação.



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