Blocos de Carnaval evangélicos… Como assim? Por que não? – 27/02/2025 – Cotidiano


Nesta semana, a Batucada Abençoada, composta por foliões ligados à Igreja Bola de Neve, sai às ruas paulistas para festejar o Carnaval. Para espanto de alguns e escândalo de muitos, é isso mesmo: durante o ano, eles oram a Deus, pedem inspiração para escolher um tema, compõem o enredo, ensaiam e mergulham no Carnaval, com alegria e devoção.

“Evangélica também samba, samba pra Jesus”, diz uma das integrantes, em uma entrevista publicada no Instagram. As roupas são bem comportadas, mas a dança expressa a alegria, marca registrada do nosso Carnaval.

Os comentários feitos a partir dessa postagem no Instagram dariam uma tese acadêmica sobre a relação dos evangélicos com o Carnaval: “Samba no inferno”; “Volta logo, Jesus, porque o mundo está perdido e pessoas da igreja também”; “Sodoma e Gomorra”; “Se desejam viver as coisas deste mundo vivam, mas não usem o nome de Deus em vão”. Pouquíssimos comentários de apoio como esse: “Tá certo, sejam felizes!”.

Para o psicólogo Ageu Lisboa, o protestantismo desde seu início é crítico de festas com imaginário pagão. “A ética protestante é conhecida como austera, disciplina o corpo e o espírito pelo trabalho, condena a embriaguez e ordena a sexualidade dentro de um contexto de compromisso e casamento, não dando lugar à experimentação sexual e orgias”.

Mas será que Carnaval é só pura descarga desenfreada de pulsões? Para o mestre em sociologia Rudolfo Amorim, autor do livro “Fé Cristã e Cultura Contemporânea”, os evangélicos precisam respeitar o significado do Carnaval no contexto brasileiro. Em um artigo recente, ele explica: “No Brasil, elementos profundos de sua história, organização social e composição miscigenada, fundem-se de forma única no Carnaval nacional, tornando-o um evento que expressa como poucos o que o país é”.

Amorim comenta que nas comunidades de periferia está mais presente a dicotomia que relaciona o Carnaval com símbolos afro e práticas condenadas pela Bíblia e, portanto, em oposição ao cristianismo. Os crentes nesses espaços são conclamados a se retirar e a orar pelas pessoas que estão nas garras do mal durante o Carnaval.

Já nas igrejas neopentecostais de classe média, como a Bola de Neve, mais adepta de teologias que promovem a prosperidade e o bem-estar social, há abertura para participar do Carnaval como oportunidade de celebração, testemunho e de evangelização.

Não se pode simplificar a questão: existem muitos tipos de evangélicos e de igrejas, e também muitas formas de se brincar o Carnaval.

Nesse caldo cultural, nem sempre os evangélicos acham possível coexistir: a influencer Débora Peixoto desistiu de desfilar pela Acadêmicos do Salgueiro por causa do samba-enredo, intitulado “Salgueiro de Corpo Fechado”: “Participar de um enredo que fala sobre práticas que não condizem com minha fé seria uma contradição para mim”. Ela mantém o amor ao Carnaval mas tem discernimento do que combina com sua convicção religiosa.

Como evangélica, entendo não ser possível que o cristão se desvencilhe de suas convicções por alguns dias e depois siga com sua fé. Em todo tempo devemos testemunhar o amor de Cristo, e que o nosso corpo é templo do Espírito Santo (I Cor. 6.19-20). Para mim, somente os que conseguem integrar essas dimensões devem pular o Carnaval.

Compreensivelmente, aquelas pessoas que já vivenciaram Carnavais “da pesada” têm mais dificuldade de entender movimentos como o da Batucada Abençoada; por outro lado, evangélicos que não passaram por estas vivências se sentem com mais liberdade de estarem presentes. Entendem sua participação como levar o Evangelho para além das quatro paredes dos seus templos.

Quanto às críticas ferozes vindas de irmãos e irmãs na fé, será que é coerente com o Evangelho que diz para não julgar segundo as aparências (João 7.24)? Pois nem todos que estão pulando Carnaval estão lá com as mesmas práticas e intenções.





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