Queda de popularidade é conjuntural ou estrutural? – 01/03/2025 – Samuel Pessôa


Têm sido divulgadas seguidas avaliações de piora da popularidade do governo. Há duas interpretações possíveis. Uma conjuntural e outra estrutural. A primeira alega que a elevação dos preços dos alimentos, fruto de má safra do café e de um ciclo ruim na pecuária —além da gripe aviária na economia americana, que tem encarecido mundialmente os ovos—, explica a piora da avaliação do governo. A carestia foi agravada pela desvalorização cambial do final do ano passado.

A boa safra de verão, cuja colheita está terminando, e a perspectiva de uma boa safrinha indicam que haverá, ao menos em parte, reversão da carestia. O câmbio mais valorizado no início do ano, consequência de maior moderação tarifária do governo de Trump (do que a prevista), ajuda.

Se o governo não fizer mais marola e conseguir manter a economia a plena carga, com inflação alta, mas sem se descolar muito do teto da banda, chegará forte em 2026.

O pacote desenhado para a reeleição —o novo empréstimo consignado para trabalhadores celetistas, a isenção do IRPF para até R$ 5.000, a valer para 2026, o programa de distribuição de gás gratuito e o programa Pé-de-Meia— será suficiente para garantir o quarto mandato de Lula. Esse é o cálculo feito pelo presidente.

A segunda interpretação, defendida nesta Folha pelo diretor da Quaest, Felipe Nunes, argumenta que há um problema estrutural. Segundo Felipe “o voto econômico explicava a popularidade dos governantes. Benefícios sociais e crescimento da renda costumavam se traduzir em apoio eleitoral. Mas essa lógica está se desfazendo. Não há mais gratidão política automática. A sociedade mudou: o eleitor se tornou mais crítico e menos fiel. Muitos eleitores passaram a ver os programas sociais e os benefícios do governo como um direito básico, não como um favor que exige retribuição nas urnas”.

Essa análise pode fazer sentido dado que o governo de direita de Bolsonaro não cortou programas sociais. Pelo contrário, a expansão do benefício do programa Bolsa Família ocorreu no governo anterior. As políticas sociais passaram a parecer políticas de Estado, não de governo.

Adicionalmente, as pesquisas apontam que há a percepção, por grande parte da população, de que o país não está no rumo correto. Penso que essa percepção segue da estratégia do presidente Lula de governar, desde o início de seu mandato, olhando diariamente a evolução da popularidade. Essa foi a explicação para a inversão do ciclo político da despesa pública. Dada a grande polarização da sociedade, diziam os assessores do presidente, não seria possível arcar com uma perda de popularidade no início do mandato.

Governar olhando diariamente a popularidade significa a abdicação permanente do exercício da liderança. O governo é totalmente reativo. É possível que a percepção de que o país esteja no rumo errado, como têm apontado as pesquisas, seja a percepção das pessoas da abdicação, por parte do presidente, do exercício da liderança. Difícil haver rumo com uma liderança que governa olhando permanentemente os dados de popularidade. Não há construção possível.

Ao longo dos próximos meses, saberemos qual é o diagnóstico correto: se a queda da popularidade do governo é um fenômeno estrutural ou conjuntural.


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