Oscar de Ainda Estou Aqui abre olhos do mundo para Brasil – 03/03/2025 – Ilustrada


Há 23 anos o Brasil não vibrava em uníssono como fez na noite deste domingo (2), quando Penélope Cruz anunciou que “Ainda Estou Aqui” havia vencido o Oscar de melhor filme internacional, o primeiro do país. Lá atrás, era o futebol que trazia motivo de alegria. Agora, é o cinema, alvo de ataques em anos recentes, mas capaz de reproduzir o clima de patriotismo de uma Copa do Mundo.

O filme de Walter Salles já era dado como favorito nas últimas semanas e desbancou o francês “Emilia Pérez”, o dinamarquês “A Garota da Agulha”, o alemão “A Semente do Fruto Sagrado” e o letão “Flow”.

É o primeiro Oscar do país, que foi indicado pela última vez na cerimônia de 1999, com “Central do Brasil”, também de Salles e estrelado por Fernanda Montenegro. Antes disso, bateu na trave com “O Que É Isso, Companheiro?”, em 1998, “O Quatrilho”, em 1996, e “O Pagador de Promessas”, em 1963.

“Ainda Estou Aqui” também estava indicado às estatuetas de melhor filme, que ficou com “Anora”, de Sean Baker, e melhor atriz, com Fernanda Torres, preterida por Mikey Madison, do mesmo concorrente. Com a tripla indicação e a vitória, os motivos de comemoração vão muito além das telas de cinema.

Com “Ainda Estou Aqui”, veículos estrangeiros discutiram amplamente capítulos da história brasileira e os cenários político e cultural do país. Falou-se muito sobre os ataques e cortes de Jair Bolsonaro nas artes, o embate acalorado entre esquerda e direita e questões mal resolvidas da ditadura militar.

Os porta-vozes, Salles e Torres, despersonalizaram a campanha pelo Oscar, levando o debate a encontros em cinemas, programas de televisão e entrevistas. Frisaram, com frequência, que o golpe de 1964 só foi possível graças à ajuda dos americanos, o que muitos pareciam não saber.

“Ainda Estou Aqui”, mais do que uma obra pessoal —seja para seu realizador, seja para a família de Eunice Paiva—, foi capaz de levar todo o Brasil consigo na bagagem. Levou nossa música, história, traumas, realidade política, nosso comportamento, nossas paisagens e estrelas, nas figuras de Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, principalmente.

Foram aos menos 762 salas de cinema nos Estados Unidos, acumulando US$ 5,2 milhões no país, cerca de R$ 30 milhões, e mais US$ 24,7 milhões, cerca de R$ 144 milhões, no resto do mundo, com temporadas notáveis e ainda em curso na França, em Portugal e no Reino Unido.

São espectadores estrangeiros que acompanharam a harmoniosa vida da família Paiva na primeira parte do filme, até o patriarca ser levado por agentes da ditadura militar. E que, a partir daí, foram tragados por uma delicada aula de história que ajuda a entender os arroubos autoritários da extrema direita e a sombra da violência que historicamente paira sobre o Brasil.

Não à toa, a revista The Hollywood Reporter, referência na cobertura de cinema nos Estados Unidos, cedeu às emoções causadas pelo filme e publicou, na última semana, que “Ainda Estou Aqui” poderia “salvar vidas” e “suprimir o renascimento de um movimento de extrema direita”. Uma reflexão um tanto ingênua, mas ao menos interessada.

O prêmio também coroa duplamente a boa fase do cinema nacional —porque o Urso de Prata para Gabriel Mascaro, no Festival de Berlim, na semana passada, já havia dado início às comemorações. Se em anos recentes os filmes brasileiros já vinham conquistando prestígio em festivais europeus, em especial em Cannes, agora a ala mais comercial da indústria também encontra motivos para prestar atenção no que se produz no país.

A vitória deve alavancar não apenas acordos de coprodução com outros países —a França já é praticamente sócia do cinema brasileiro, com dezenas de participações em filmes todos os anos—, como também impulsionar as carreiras daqueles que tentam entrar no zeitgeist hollywoodiano, como Wagner Moura, Gabriel Leone, Alice Braga e Fernanda Torres, se lhe interessar.

Internamente, ajuda a justificar para os resistentes a leis de fomento como a Rouanet a importância de investir dinheiro, público ou privado, no cinema e nas artes no geral —mesmo que “Ainda Estou Aqui” não tenha usado dinheiro público.

Os primeiros sintomas nem aguardaram a vitória para aparecer. No começo da semana, o Festival de Cannes anunciou que o Brasil seria o país homenageado em seu Mercado do Filme, em maio, ampliando o alcance das iniciativas de órgãos públicos e empresas privadas que estarão no evento, vendendo de roteiros a filmes inteiramente prontos. Nas reportagens estrangeiras que noticiavam a decisão, lá estava “Ainda Estou Aqui”, citado para exemplificar o bom momento do país no meio cinéfilo.

A verdade é que sempre estivemos aqui, e também lá fora. O cinema brasileiro merece ser mais visto, pelos próprios brasileiros e por estrangeiros, e o Oscar de agora é boa publicidade contra qualquer complexo de vira-lata, diferença ideológica ou simples falta de hábito que se imponha no caminho entre o espectador e o projetor.



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