Bolsonarista preside Frente Evangélica, #sóquenão – 06/03/2025 – Cotidiano


A imprensa noticiou que o novo presidente da FPE (Frente Parlamentar Evangélica) é bolsonarista. Essa conclusão é equivocada. A questão é que, quando o assunto são os evangélicos na política, simplificações e fantasmas costumam dominar o debate. A trajetória de quem venceu vai muito além de Bolsonaro.

Os índices de governismo dos deputados que disputaram a presidência da FPE são próximos. O novo presidente, Gilberto Nascimento (PSD-SP), acompanhou a orientação do líder do governo Lula na Câmara em 63% de suas votações, segundo dados do Radar do Congresso. Já seu adversário na disputa pela presidência da FPE, Otoni de Paula (MDB-RJ), descrito como aliado do presidente Lula, acompanhou o governo em 65% de seus votos.

A FPE é uma das maiores frentes do Congresso Nacional. Segundo o site da Câmara Federal, ela reúne atualmente 218 deputados e 26 senadores, o que significa mais de 40% de todos os políticos da primeira casa e mais de 30% da segunda. Quando esses números são usados para afirmar que o país está se convertendo em um “evangelistão”, o que está em jogo é muito mais uma fantasia de quem descreve do que uma análise do que está sendo descrito.

Afinal, a Frente Parlamentar Mista de Educação também reúne mais de 40% de todos os deputados federais, e nunca vi isso sendo interpretado como um primeiro passo do Brasil em direção ao sistema educacional da Finlândia.

Há pelo menos uma década e meia, sociólogos e antropólogos de todo o país têm chegado a conclusões muito semelhantes quanto ao perfil da FPE: trata-se de um grupo coeso em pautas morais e comportamentais, mas completamente heterogêneo em debates sobre economia, infraestrutura e políticas sociais.

Essa interpretação é crucial para aprofundar as análises sobre a FPE. É preciso ir além da imagem de um bloco coeso, antigovernista e adversário de toda e qualquer pauta do campo progressista. Exemplo disso é que quase um quarto dos deputados que assinou, na semana passada, a PEC da Jornada 6×1, protocolada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), pertence à Frente Parlamentar Evangélica.

Nascimento, novo presidente da FPE, foi aliado do governo Bolsonaro. No entanto, descrevê-lo simplesmente como um político bolsonarista é sintomático da falta de complexidade com que, comumente, se interpreta a presença de evangélicos na política.

Seu índice de governismo em relação ao terceiro mandato de Lula, por exemplo, é apenas 5% mais baixo do que o de deputados como Glauber Braga (PSOL-RJ). Nascimento é, antes de tudo, um profissional da política com quarenta anos de experiência. Em seu currículo constam três mandatos como vereador da capital paulista, dois como deputado estadual em São Paulo e quatro como deputado federal.

Quando foi eleito para seu primeiro cargo, como vereador em São Paulo em 1983, Bolsonaro sequer era capitão do Exército. E, quando a FPE foi fundada, em 2003, ele já era político há duas décadas.

As notícias sobre sua eleição para a presidência da FPE enfatizaram sua relação com Bolsonaro. Isso pode ter deixado para trás um dos principais fatos que cercaram a disputa pelo cargo e seu resultado.

Os deputados e senadores da Frente Parlamentar Evangélica elegeram um político tradicional, experiente e que, na maior parte das votações, não tem se colocado como antagonista do presidente Lula. Foi um voto no decano da FPE, uma aposta em quem sabe fazer política.

Enquanto as interpretações sobre a presença e atuação de evangélicos na política seguirem refletindo a fantasia do “evangelistão”, os fantasmas de quem tem medo dos evangélicos terão mais espaço do que as análises das nuances da atuação política desse grupo. E não é por falta de bibliografia: o jornalista Ítalo Rocha (Bancada da Bíblia) e Anna Virginia Balloussier (O Púlpito) lançaram livros em 2024 sobre esse tema.



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