Avanço do mar ameaça praias do Rio de Janeiro – 06/03/2025 – Ambiente


A cada onda de ressaca, a faixa de areia entre Ipanema e Leblon cede e estreita aos poucos as icônicas praias da zona sul do Rio de Janeiro. “As mudanças já são visíveis e dá medo pelo que está por vir”, afirma o ambulante João Nogueira, enquanto ajeita sua barraca à beira da água.

O vendedor, que trabalha no trecho há 20 anos, viu o mar invadir as pistas da orla em eventos repetidos no ano passado, quando houve ondas de até 4 metros de altura que engoliram o calçadão e chegaram ao asfalto —já ocorrido em anos anteriores. “A sensação é de que cada vez mais, a praia desaparece”, diz.

Não é só uma percepção. Uma série de estudos recentes mostram que a combinação de ressacas mais intensas e o aumento do nível do mar, impulsionado pelo aquecimento global, está acontecendo em ritmo cada vez mais acelerado, ameaçando ecossistemas naturais.

O arco Ipanema-Leblon, por exemplo, sofre um déficit de cerca de 1,5 milhão de metros cúbicos de sedimentos, enquanto Copacabana enfrenta erosão intensa nos postos 4 e 6. As projeções são ainda mais alarmantes.

Luciana Prado, professora da Faculdade de Oceanografia da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), afirma que a taxa de elevação do nível do mar tem sido mais acentuada no oceano Atlântico Sul, que banha a costa do estado.

“Um relatório da ONU [Organização das Nações Unidas] divulgado ano passado revelou que a elevação média nessa região foi maior que a global nas últimas três décadas, causando contaminação de aquíferos [formações geológicas que armazenam água subterrânea] de água doce, erosão de linhas de costa, inundações e maior frequência de ressacas”, diz.

Um exemplo extremo de alterações na linha de costa ocorre em Atafona, em São João da Barra, no litoral fluminense. Ali, o avanço do mar já destruiu casas e mudou a paisagem do local.

A ONU alertou para o aumento sem precedentes dos níveis do mar em Atafona e na cidade do Rio de Janeiro. Nessas regiões, a estimativa é de que o nível da água pode subir de 12 cm a 21 cm até 2050.

Após o alerta, a Prefeitura do Rio criou um comitê para estudar a elevação do nível do mar e implementar ações preventivas. Entretanto, ambientalistas defendem a ampliação do escopo das iniciativas, protegendo ecossistemas frágeis e promovendo a renaturalização de áreas degradadas.

“O fato de o relatório ter citado essas duas cidades não significa que elas serão as únicas atingidas. Todas as regiões costeiras serão atingidas pela elevação do nível do mar, de alguma forma”, afirma a oceanógrafa.

O climatologista Carlos Nobre ressalta que o problema vai além da perda de território, afetando não apenas a economia e a infraestrutura, mas a segurança das pessoas que vivem nas áreas costeiras.

“É preciso tirar as pessoas das encostas que vão deslizar, das margens dos rios que vão ter muita inundação, das áreas costeiras em que há um risco muito grande do nível do mar chegar lá. Sou a favor de soluções baseadas na natureza, que a gente chama de infraestrutura verde, do que as de infraestrutura cinza, como a construção de diques gigantescos, porque é uma coisa muito perigosa”, explica o cientista.

Prado, da Uerj, frise que é urgente a valorização de barreiras naturais como soluções. “Restingas, manguezais e dunas desempenham papéis essenciais na proteção da costa. Sem investimentos nessas áreas, a vulnerabilidade aumenta”, afirma.

A Secretaria de Estado do Ambiente reconhece a emergência climática como uma realidade e afirma que um projeto sobre o tema está sendo desenvolvido. O Programa Rio Clima deve gerar dados e cenários atualizados sobre os impactos climáticos no estado, além de estabelecer metas setoriais de mitigação e avançar com um plano de descarbonização.

Especialistas destacam, no entanto, que o cenário no território fluminense é parte de um problema maior.

Pesquisas sugerem que um cenário de aquecimento de 2°C acima da média do período pré-industrial poderia levar à perda expressiva de gelo em quase toda Groenlândia e em boa parte da Antártida, desencadeando um aumento do nível do mar entre 12 e 20 metros, com potencial de comprometer o planeta ao longo de milênios.

Atualmente, o planeta já está 1,3°C mais quente do que antes da Revolução Industrial e, pelas condições atuais de emissões de carbono, a Terra se encaminha para um aumento de 3,1°C até o final do século.

“Se a gente continuar com as emissões de gases poluentes, podemos atingir a elevação da temperatura do mar em 2,5°C em 2050. Se isso acontecer, o nível do mar certamente vai passar muito de 1 metro [de elevação] em 2100. E as ressacas também vão ficar mais fortes”, afirma Carlos Nobre.

“Isso significa que até 2050, vamos ter que tirar milhões e milhões de brasileiros que moram hoje nessas áreas próximas”, completa.

Mapa interativo da organização Climate Central com zonas costeiras de risco indica que áreas da Região dos Lagos podem ser parcialmente inundadas em cenários de aumento de 2°C na temperatura global. No mesmo cenário, praias da zona sul do Rio, como Flamengo e Botafogo, podem desaparecer completamente. Copacabana, por sua vez, perderia metade de sua faixa de areia.

Uma elevação de temperatura acima dos 3°C teria efeitos ainda mais devastadores, com danos extensivos nas áreas costeiras, afetando os meios de subsistência de diversas comunidades que vivem nessas regiões em todo o mundo, alertam os pesquisadores.



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