Proteínas do bambu regulam organismo de pandas – 07/03/2025 – Ciência


Um dos maiores mistérios para os pesquisadores é como o panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca), animal carnívoro, alimenta-se exclusivamente de bambu —uma planta com alto teor de fibras e que tem a digestão dificultada no intestino de não herbívoros.

No passado, diversas pesquisas buscaram evidências analisando a anatomia do crânio, polegares e até a microbiota intestinal dos ursos para chegar a uma resposta.

Agora, uma nova pesquisa aponta para uma adaptação entre reinos, isto é, proteínas da planta do bambu têm um papel fundamental na regulação de genes envolvidos com funções fisiológicas que facilitam o seu consumo pelos animais.

O artigo, assinado por cientistas da Universidade do Oeste da China e do Centro Chinês de Pesquisa e Conservação de Pandas Gigantes, foi publicado no último dia 28 no periódico científico Frontiers in Veterinary Science.

No estudo, os pesquisadores colheram amostras de sangue de pandas machos adultos, fêmeas adultas e fêmeas jovens que vivem no centro de conservação em Chengdu (oeste da China) de maio a junho de 2022. Em seguida, eles sequenciaram o RNA (molécula simples do material genético, responsável por codificar genes e proteínas) de três partes do bambu que são as mais consumidas pelos animais: broto, raiz e folhas.

Após fazerem uma comparação das amostras de sangue dos animais com as sequências de plantas, eles encontraram 57 microRNAs (miRNAs) da planta presentes no organismo dos pandas. Esses fragmentos de RNA adentram a corrente sanguínea dos animais através de exossomos, pequenas vesículas que transportam substâncias entre as células.

Depois, eles encontraram diversas funções que essas pequenas moléculas das plantas exerciam no organismo animal, ajudando-os a se adaptar à sua dieta rica em bambu, como aumento da capacidade dos pandas de detectar sabores amargos, melhora da digestão do bambu resistente e atuação no mecanismo dopaminérgico (de recompensa) cerebral, aumentando o prazer no cérebro.

“O inovador é que isso mostra como a dieta pode ‘falar’ diretamente com os genes de um animal –um exemplo raro de plantas moldando a biologia animal”, afirma Feng Li, pesquisador da Universidade do Oeste da China e autor sênior do estudo.

Por exemplo, alguns dos miRNAs identificados têm como alvo genes envolvidos no paladar e no olfato, o que pode ajudar os pandas a detectar toxinas presentes no bambu e adaptando-os assim a uma dieta baseada na planta, explica Li. “Os miRNAs no bambu regulam a expressão de TAS2R3, um gene envolvido no paladar amargo, tornando os pandas-gigantes mais sensíveis a esse gosto. Isso lhes permite identificar toxinas e fazer escolhas mais seguras em relação à sua dieta.”

Em relação à regulação do metabolismo da dopamina, Li explica que ele está envolvido nos processos de seleção de alimentos nos pandas gigantes e também na metabolização mais lenta da dopamina.

A detecção de certos miRNAs do bambu associados a esse mecanismo indica capacidade de ligação a mRNAs-alvo no cérebro, aumentando as sensações prazerosas e influenciando a preferência dietética dos pandas pela planta. Outros miRNAs foram encontrados exclusivamente no sangue de machos adultos ou de fêmeas jovens, sugerindo ainda ações que podem ser desempenhadas de maneira diferente entre os sexos ou quanto à idade reprodutiva.

Segundo os autores, com base na teoria da regulação entre reinos da expressão gênica, é plausível que esses miRNAs derivados de plantas medeiem a transição do panda gigante de uma dieta carnívora para outra baseada exclusivamente em bambu.

“A pesquisa revela descobertas valiosas sobre a regulação gênica entre reinos, com implicações que vão muito além da conservação dos pandas. Agora, temos novas áreas para desvendar, como por exemplo se é possível manipular o miRNA na ração animal para melhorar a saúde, crescimento e produtividade dos animais”, afirma Li.

Entre outras áreas que podem ser destacadas estão a saúde humana e animal, o potencial biotecnológico —com a adaptação de miRNAs para terapias gênicas contra câncer, por exemplo— e a resposta imunológica a alérgenos presentes em plantas.

“Os próximos passos são elucidar as relações entre miRNA e genes-alvo em mais detalhes, investigar os efeitos a longo prazo desta regulação e ainda avaliar o impacto de fatores ambientais nesta cadeia”, diz Li.



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