Especialista: Trump deveria fazer reforma tributária – 09/03/2025 – Mercado


O presidente Donald Trump poderia ajudar a aumentar a competitividade internacional dos produtos americano se promovesse uma reforma tributária nos moldes daquela que será implantada no Brasil a partir de 2027.

Essa é a avaliação da tributarista Melina Rocha, uma das pessoas que participaram da elaboração do novo sistema brasileiro, baseado no modelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), utilizado em mais de 170 países.

Trump, no entanto, decidiu atacar esse tipo de tributo, afirmando equivocadamente que o IVA equivale a uma tarifa sobre produtos americanos. Ele ameaça retaliar as nações que seguem esse modelo, com foco em países europeus e da América Latina.

“Na tarifa, você pode escolher uma alíquota maior ou menor dependendo da origem. No IVA, não. O produto tem a mesma alíquota [nacional ou importado]. Não há essa discriminação que tem sido colocada no debate de forma equivocada”, afirma a consultora internacional.

Melina explica por que os Estados Unidos não utilizam o IVA, como poderiam fazê-lo seguindo a solução encontrada pelo Brasil e como o sistema deles, baseado na tributação apenas na venda ao consumidor final, aumenta a carga tributária e onera as exportações americanas.

“O IVA é pró-exportação. Se o Trump quisesse aumentar a competitividade dos itens americanos, deveria, por exemplo, implementar um IVA. Isso desoneraria a cadeia produtiva, e eles exportariam produtos com um preço menor, sem tributo.”

Após seu doutorado sobre a reforma tributária no Brasil, ela estudou na Universidade de Toronto com o especialista em IVA Richard Bird. Lá conheceu a experiência do IVA Dual, que garante a separação entre o imposto que vai para o governo federal e para os estados, modelo adotado também na Índia.

No caso brasileiro, consumidores e empresas irão pagar dois tributos na mesma guia. Um irá para a Receita Federal. O outro, para um comitê formado por representantes de governadores e prefeitos, que se opuseram à criação de um tributo único.

O Brasil também terá um IVA, composto pela CBS, contribuição federal sobre bens e serviços, e pelo IBS, imposto gerido por um comitê formado por estados e municípios. Para ela, o comitê seria uma das soluções para viabilizar a reforma nos Estados Unidos, que também dá aos estados a competência de tributar o consumo.

O presidente Donald Trump está correto em dizer que o IVA é um tributo que discrimina a importação do produto americano?

O que foi colocado pelo presidente Trump, que o IVA estaria discriminando e sobretributando os produtos americanos, não é verdade. O IVA tributa de forma igual produtos nacionais e estrangeiros, por conta de dois princípios, do destino e da neutralidade.

Todas as importações são tributadas, porque o destino do produto é aquele país. As exportações são desoneradas, porque o consumo é em outro país, que, se tiver IVA, vai tributar a importação do produto lá. Esse princípio do destino também vai na linha da neutralidade: o produto do fornecedor nacional sofre a mesma tributação do estrangeiro.

É diferente de aplicar uma tarifa de importação.

Sim. O IVA não recai sobre produtos específicos de um país. Na tarifa, você pode escolher aplicar uma alíquota maior ou menor dependendo da origem. No IVA, não. O produto tem a mesma alíquota [nacional ou importado]. Não há essa discriminação que tem sido colocada no debate de forma equivocada. Pelo contrário, há uma equiparação da tributação entre o fornecedor não residente e o nacional.

É um atributo sobre o consumo. Quem está sendo onerado são os consumidores, europeus, brasileiros, por exemplo, tanto se consumirem produtos nacionais quanto se consumirem produtos estrangeiros. Essa é a lógica do IVA. Não há fundamento econômico, nem jurídico, nessa alegação de que o IVA seria um tributo discriminatório contra produtos americanos.

Por que os Estados Unidos não possuem um IVA?

Nos Estados Unidos, a competência para tributar o consumo é dos estados. Não há um tributo sobre consumo federal. Alguns estados possuem o que se chama de retail sales tax, uma espécie de imposto de venda a varejo. A diferença entre os dois tributos é que o IVA se aplica de forma plurifásica, em qualquer operação no meio da cadeia. Se aquele produto ou serviço foi adquirido para atividade econômica, o fornecedor, no meio da cadeia, toma crédito. O sales tax, em princípio, não incide no meio da cadeia, só na venda ao consumidor final.

O problema desse imposto no varejo é que, muitas vezes, as empresas no meio da cadeia não estão comprando mercadoria para revender. Eles têm consumo intermediário. O supermercado compra um software, e nesse software vai incidir o imposto, mesmo que seja utilizado na atividade, e ele não pode tomar crédito. A Tax Foundation estima que 40% do imposto a varejo arrecadado nos EUA vem do consumo intermediário, que não é recuperável e onera a produção. O grande problema desse imposto é essa cumulatividade.

O Brasil tem o mesmo problema.

Exato. Tributos como ICMS, IPI e PIS/Cofins têm muita restrição ao creditamento, o que é um problema também do sales tax. Esse tributo pago no meio da cadeia que não é recuperado vai ser acrescentado ao preço final, vai ser exportado. Isso reduz nossa competitividade. A CNI [Confederação Nacional da Indústria] estima que o resíduo tributário nas exportações é de cerca de 10% na média. A gente exporta tributo, e isso também acontece com o imposto de varejo nos Estados Unidos.

O IVA é pró-exportação. Se o Trump quisesse aumentar a competitividade dos itens americanos, deveria, por exemplo, implementar um IVA. Isso desoneraria a cadeia produtiva, e eles exportariam produtos com um preço menor, sem tributo.

Com o novo IVA da reforma tributária, teremos um sistema melhor que o americano?

Sim. Com a reforma, o nosso IVA, o IBS e a CBS que incidirem na cadeia produtiva vão ser recuperados na forma de crédito. Também haverá devolução rápida de crédito acumulado dos exportadores e empresas que fizerem grandes investimentos. Tanto o creditamento quanto a devolução rápida de créditos vão fazer com que o Brasil seja mais competitivo internacionalmente.

Os Estados Unidos poderiam adotar o mesmo sistema?

Economicamente, se eles adotassem o IVA, teriam uma desoneração efetiva da cadeia, uma maior competitividade dos produtos americanos internacionalmente, por que esses tributos são incorporados no preço para exportação. Só que tem a questão legal.

Os Estados Unidos, assim como o Brasil, o Canadá e a Índia, são uma federação. Esses três países que adotaram o IVA e os Estados Unidos têm essa peculiaridade de que a competência para tributar o consumo é dos estados, é subnacional. Os Estados Unidos poderiam colher algo das experiências canadense, indiana e, principalmente, brasileira. Assegurar a competência dos estados com um comitê gestor centralizado que recolhe o IVA e repassa para os estados.

O modelo brasileiro pode ser vendido para uma federação como a americana, para manter a independência dos estados frente à União Federal. Esse entrave federativo-político pode ser superado com esses modelos, principalmente o brasileiro.

Uma empresa que vende para todos os estados americanos tem de se inscrever em cada um que tem o imposto de varejo. É um modelo muito ruim, com muita complexidade. Eles poderiam rever a tributação do consumo.

O sales tax também tem problema de sonegação?

A evasão fiscal é menor. Você tem uma formalização e um controle maior. Como o IVA incide no meio da cadeia a cada operação, você tem um controle de entrada e saída, em que os agentes [contribuintes] se controlam, porque você precisa ter a nota fiscal para ter o crédito. No sales tax, como só incide na última ponta do varejo, que é mais propensa para informalidade, compra em dinheiro, sem nota fiscal, a evasão fiscal é maior, e isso é calibrado na alíquota.

O Canadá também tinha um imposto sobre o varejo como o americano? Como foi a migração deles para o IVA?

O Canadá tinha um sistema nas províncias de retail sales tax. Muitas migraram para o IVA por conta desses problemas de cumulatividade, que aumenta o preço e diminui a competitividade dos produtos, porque tem uma maior carga tributária embutida. Eles experimentaram primeiro o IVA federal, em 1991, que foi para substituir uma espécie de IPI [imposto sobre produtos industrializados] federal. Naquele momento, as províncias tinham o imposto de venda a varejo igual aos Estados Unidos.

Em 1997, o governo então falou o seguinte, olha, se vocês províncias quiserem trocar o imposto a varejo pelo IVA, vocês podem se harmonizar com o meu imposto federal. Ou seja, deixem de cobrar esse tributo a varejo e eu vou cobrar no lugar de vocês [repassando a arrecadação]. Vocês podem colocar a alíquota. Aí as províncias aos poucos foram se harmonizando. Não foi tudo na mesma época. A última foi em 2013.

Há três províncias que não migraram e continuam com o retail sales tax, como os Estados Unidos, é o mesmo sistema. Uma delas, British Columbia, onde fica Vancouver, migrou, mas depois, por questões políticas, fake news, fizeram um referendo e voltaram atrás [um trabalho da autora mostra que, atualmente, cinco regiões possuem IVA em conjunto com o governo federal, uma (Quebec) tem um tributo próprio semelhante, três cobram sales tax e quatro não possuem tributos regionais].


RAIO-X | MELINA ROCHA, 41

1983, Rio Pardo (RS). Atua como Consultora externa para organismos internacionais (BID, OCDE, Banco Mundial), prestou assessoria à Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda pelo BID. Doutorado pela Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris 3, foi Diretora de Cursos da York University – Canadá, Professora da FGV-Direito Rio e consultora do BID, OCDE, Ipea, CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) e Banco Mundial.




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