Regimes simplificados e pejotização – 10/03/2025 – Opinião


Os regimes simplificados, no Brasil, têm problemas de desenho que estão na base da chamada pejotização, que tem corroído a arrecadação da Previdência Social.

Por aqui, como nos outros países, as atividades econômicas podem se organizar sob formas jurídicas diferentes. Tome-se o exemplo de uma prestação de serviço. O mesmo serviço pode, muitas vezes, ser prestado por um funcionário celetista de uma grande companhia, por um profissional autônomo ou mesmo ser terceirizado para uma empresa, que pode, ainda, ser optante por um dos regimes simplificados —lucro presumido, simples ou MEI (microempreendedor individual).

O tema da terceirização sempre foi controverso. Antes da reforma trabalhista de 2017, poderiam ser terceirizadas apenas as atividades-meio. Uma construtora, por exemplo, poderia terceirizar os serviços de limpeza e segurança. Com a reforma, ela passou a poder terceirizar também serviços ligados à sua atividade-fim, como, por exemplo, concretagem e terraplanagem.

Com isso, a empresa deixa de precisar comprar equipamentos —muitas vezes, muito caros— e de ter que contratar profissionais especializados, e passa a poder contratar, para a prestação desses serviços, empresas especializadas. Dessa nova situação resulta um ganho de produtividade para o sistema.

Ocorre que, além de terceirizar atividades para empresas com funcionários e capital social relevantes, passou a ser prática comum no Brasil a contratação de micro e pequenas empresas (MPE) compostas apenas por seu sócio-proprietário. E muitas vezes a mesma atividade, antes desempenhada por um funcionário celetista, passou a ser desempenhada pelo sócio-proprietário de uma MPE, que continua mantendo vínculo de subordinação com seu antigo patrão, agora contratante.

Há um grande incentivo para que as coisas se passem dessa forma e a renda do trabalho seja convertida em renda do capital. Para serviços no valor de R$ 70 mil, a carga tributária que incidiria se ele fosse prestado pelo funcionário celetista de uma empresa seria de R$ 34.924,76, enquanto a carga tributária que incidiria se ele fosse prestado pelo sócio de uma empresa optante pelos regimes do lucro presumido e do simples (anexo V) seria de cerca de R$ 16.683,64 e R$ 12.713,84, respectivamente. E se ele fosse um MEI essa carga seria de R$ 910,80.

Se o faturamento pelos serviços fosse de R$ 700 mil, a diferença seria ainda maior. Enquanto a carga que incidiria sobre o serviço, quando prestado pelo sócio de uma empresa optante pelos regimes do lucro presumido e do simples, seria de cerca de R$ 119.562,64 e R$ 128,493,84, respectivamente, a carga que incidiria quando prestado por um funcionário celetista seria de aproximadamente R$ 397.643,43 —isto é, mais de 200% maior.

Esses números se explicam pela diferença na contribuição para a Previdência e nas contribuições de terceiros (salário-educação, Sesc/Senac, Incra e Sebrae), mas também pela diferença com relação à tributação da renda.

Enfrentar essa situação não é uma tarefa tão simples. Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o problema existe e a confusão que está sendo feita por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal nessa matéria. Em decisões recentes em sede de reclamação constitucional, estão sendo admitidas como legítimas situações nas quais empresas estão sendo constituídas com o único propósito de fraudar a lei trabalhista e em que estão presentes os requisitos de continuidade, subordinação e pessoalidade.

Mas, mesmo se corrigidos os casos extremos, o problema subsiste. Entre aqueles casos em que a terceirização é claramente legítima e aqueles em que o vínculo empregatício é evidente, há uma zona cinzenta com situações em que a resolução depende de uma avaliação sempre difícil. Resolver o problema pelo policiamento da zona cinzenta não é o melhor caminho.

Os regimes simplificados precisam ser repensados de forma que a diferença entre as cargas tributárias que o negócio pode assumir seja a menor possível e que sejam estabelecidos apenas em situações efetivamente justificáveis, de forma que a terceirização, quando ocorrer, decorra de fatores exclusivamente econômicos.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.