Rever caso JK requer base jurídica, diz membro de comissão – 12/03/2025 – Poder


Representante do Ministério da Defesa na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), o advogado da União Rafaelo Abritta alerta para a necessidade de embasar juridicamente casos de grande repercussão política retomados pelo colegiado, como o da morte do presidente Juscelino Kubitschek, sob a pena de mais tarde ações do colegiado serem contestadas nos tribunais.

Extinta pelo governo Jair Bolsonaro, a comissão foi recriada no governo Lula, e a atual composição do grupo passou a reexaminar episódios históricos controversos. Além do acidente que vitimou JK, a comissão analisará a morte do educador Anísio Teixeira, sobre a qual também pairam dúvidas quanto à versão oficial.

Segundo a presidente da CEMDP, a procuradora Eugênia Gonzaga, é unânime entre os sete integrantes do colegiado a tese de que é possível reabrir casos de mortes na ditadura mesmo após o período fixado em lei, desde que o pedido tenha fins históricos –e não indenizatórios.

Na visão de Abritta, contudo, tal deliberação não assegura automaticamente a legalidade de um eventual reconhecimento dessas pessoas como vítimas da ditadura.

“Concordo com essa questão da memória histórica do nosso país, de buscar efetivamente a elucidação desses fatos todos. Mas, sendo bem franco, são o meu CPF e dos demais conselheiros que lá estão. Então, é temerário praticar qualquer ato antes de estarmos bem calçados, com uma tese que efetivamente nos dê sustentabilidade”, disse.

“Sou advogado com larga experiência atuando em nome da União junto ao Tribunal de Contas. Vi muitos casos em que o gestor, por mais boa vontade e correção que tivesse, agiu fora dos permissivos legais e respondeu por isso. Então a minha preocupação primeira é efetivamente conseguir construir uma tese que embase a atuação da comissão.”

Para o advogado, a própria extinção da comissão e sua posterior recriação mostra como o tema está sujeito a contingências políticas. “Hoje temos o governo do presidente Lula. Eu não sei se em 2027 teremos a continuidade do governo dele ou de um sucessor dele. Mas podemos ter também um opositor. Precisamos então estar muito bem respaldados em todos os atos que viermos a praticar.”

Abritta também integra a Comissão de Anistia, outro órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos. Na Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, ele foi designado correlator do processo de reabertura do caso JK –junto com a relatora original, a historiadora Maria Cecília Adão.

O advogado da União é um dos integrantes do CEMDP que defenderam a necessidade de ouvir parentes de JK e do motorista Geraldo Ribeiro antes de reabrir diligências sobre a morte. A presidente da comissão, entretanto, disse que uma eventual recusa de familiar não seria necessariamente impeditivo para novas investigações, já que se trata de figura cuja história tem inegável interesse público.

A postura cautelosa de Abritta e sua designação como correlator do caso suscitaram a desconfiança, entre quem defende a reabertura do caso JK, de que a comissão estaria sofrendo pressão dos militares ou demais críticos da reanálise.

Tanto Eugênia Gonzaga quanto Abritta negam pressões. “Com a maior franqueza do mundo: absolutamente ninguém da estrutura governamental militar entrou em contato comigo. Por conta da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], que muita gente deixa passar batido, é imperioso uma autorização familiar para acessar certos dados pessoais”, afirma o advogado.

Chefe da Assessoria Especial de Relações Institucionais do Ministério da Defesa, Abritta conciliou nas últimas semanas suas atividades nas comissões de Mortos e Desaparecidos e de Anistia com a campanha por uma vaga de ministro do STM (Superior Tribunal Militar), a ser aberta com a aposentadoria do ministro José Coêlho Ferreira.

Abritta apostava no apoio de José Múcio Monteiro, dos comandantes das Forças Armadas e de movimentos de direitos humanos, entre os quais integrantes da CEMDP e da Comissão de Anistia. Mas o presidente Lula acabou indicando a advogada Verônica Sterman, que foi advogada da ex-presidente do PT e nova ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.

A indicação foi uma vitória da nova presidente da corte, Maria Elizabeth Rocha, que fez campanha para que uma segunda mulher integrasse o STM –até aqui ela era a única na história.

Além das mortes nebulosas de JK e de Anísio Teixeira, há também a possibilidade de a comissão analisar a morte de João Goulart. Segundo a presidente do colegiado, Eugênia Gonzaga, não há ainda pedido nesse sentido. “Mas eu sei que há muitos anos o filho [João Goulart Filho] luta por isso [esclarecer se a morte foi natural ou um assassinato].”



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.