A revolta dos vovôs – 15/03/2025 – Vinicius Mota


Velhinhos de um asilo na Flórida ganham uma recarga de energia rejuvenescedora quando vão tomar banho numa piscina. Extraterrestres, ao que consta, eram apenas coadjuvantes fictícios do filme “Cocoon” (1985), e não roteiristas com dons premonitórios sobre o que hoje acontece com um habitante quase octogenário do resort Mar-a-Lago.

Os líderes e os movimentos subversivos, aqueles que pretendem transformar de chofre “tudo o que está aí”, costumavam identificar-se com a juventude. No Comitê de Salvação Pública da Revolução Francesa, quem mandava cortar cabeças era Robespierre, 35, auxiliado por Saint-Just, 26.

Aos 35 Lênin influenciou os bolcheviques na revolução de 1905 na Rússia e aos 47 arrebatou o poder. Esse é mais ou menos o lapso etário de Hitler entre o golpe fracassado da cervejaria de 1923 e a ascensão a chanceler, dez anos depois. Mussolini marchou sobre Roma e se fez nomear premiê antes dos 40. Prestes tinha 27 quando comandou a coluna tenentista.

A hipótese não frusta o que se observa entre alguns primatas. A agressividade está em geral mais fortemente associada a jovens adultos machos nas disputas hierárquicas e por predomínio sexual. Conforme os indivíduos envelhecem, tendem a se tornar mais dóceis, diplomáticos e conformistas.

Nas sociedades humanas, participar de mobilizações e insurreições ou dispor-se a convencer as massas de que é necessário virar o mundo de pernas para o ar requer dedicação de energia e tempo típica dos jovens. Faz mais sentido investir em estripulias prometeicas quando se tem a perspectiva de desfrutar da nova ordem por um longo tempo no futuro.

Contrariando esse padrão, senhores eletrizados e eletrizantes tornam-se mais comuns na cena política atual. Em que águas estarão mergulhando os nossos velhos rebeldes?

Não se trata de revolta da poltrona nem fenômeno restrito às redes sociais. As procissões dos selvagens grisalhos da motocicleta e as prolongadas vigílias de tios e tias na frente de quartéis no Brasil entre o final de 2022 e o início de 2023 provam que a coisa vai além. A epifania depredadora do 8/1 contou com senhores e senhoras em ponto de bala, apesar de terem viajado centenas de quilômetros de ônibus para a festa da Selma.

Na Casa Branca um vovô de topete laranja mete o pé na porta. Em ritmo de tabelião brasileiro, assina decretos para chacoalhar o sistema. Demite servidores federais aos montes e exibe o tamanho das suas tarifas para o mundo, sem poupar os países que se julgam aliados dos EUA. Ameaça escorraçar os palestinos de Gaza e tomar a Groenlândia e o canal do Panamá. Muda num canetaço o nome do golfo do México e esbraveja sem parar.

Seu ministro da Saúde, aos 71 anos, enfrenta um surto de sarampo no peito e na raça. Para ele vacina é substância perigosa, bom era o método antigo, em que toda a comunidade se contagiava com o vírus e assim ficava mais forte e protegida. Tem recomendado nutrição saudável, vitamina A e óleo de fígado de bacalhau para reduzir a severidade da doença.

Por uma razão insondável, senhores ativistas contemporâneos são acometidos pela síndrome de Brás Cubas, o personagem de Machado convicto de ter encontrado um emplasto capaz de curar todos os males. Quem se lembra da cloroquina ou da “pílula do câncer”? Os testes científicos que não demonstraram eficácia não convencem muitos doutos anciãos.

Na ordem habitual das coisas e da política, cabia aos jovens tocar fogo no circo e aos mais velhos evitar e apagar os incêndios. Uns iam para a cadeia, outros pagavam a fiança. Uns pisavam no acelerador, outros puxavam o freio de mão, e assim se poderia vislumbrar um certo equilíbrio entre a necessidade de mudar e a de reduzir a violência desses processos.

Agora uma parte dos bombeiros debandou e está botando para quebrar. A ira dos vovôs não dá mostras de arrefecer.


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