Famílias de paraenses mortos na ditadura vão receber atestados de óbitos

Em um gesto de reparação histórica, o Estado do Pará se prepara para um momento de grande importância no mês de abril. Como parte da programação do seminário “As políticas de memória, justiça e reparação: as demandas dos desaparecidos, torturados e mortos pela Ditadura Militar no Brasil”, a Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Seirdh), por meio da Secretaria Adjunta, promove o evento que marcará a entrega das certidões de óbito de 10 paraenses mortos ou desaparecidos durante a Ditadura Militar de 1964.A sessão especial será realizada no Auditório João Batista, da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), às 9h, no dia 10 de abril. A cerimônia simbólica visa não apenas reconhecer a dor dos familiares, mas também reafirmar o compromisso com a memória e a justiça para aqueles que sofreram com a repressão política do período.Leia mais:Democracia ou ditadura? O que está acontecendo na Bolívia!Veja dez “heranças malditas” da ditadura militar no BrasilGolpe militar: o dia em que a democracia foi atacadaOs nomes dos 10 paraenses que terão seus familiares presentes na entrega das certidões de óbito serão destacados, com uma breve contextualização de suas histórias e o impacto que tiveram na sociedade paraense. As vítimas são Antônio Alfredo de Lima, Benedito Pereira Serra, Edson Luiz Lima Souto, Eiraldo de Palha Freire, Joaquim Alencar de Seixas, Lourival Moura Paulino, Manoel Raimundo Soares, Miriam Lopes Verbena, Pedro Ventura de Araújo Pomar e Raimundo Ferreira Lima.A secretária adjunta da pasta, professora e historiadora Edilza Fontes, explica que a entrega das certidões de óbito é uma forma do poder público reconhecer que as 10 vítimas foram presas e torturadas. Fontes destaca dois passos importantes para o reconhecimento das vítimas da Ditadura Militar, a partir do surgimento da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e também com a criação da Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012, durante o governo Dilma Rousseff.Quer ler mais notícias do Pará? Acesse o nosso canal no WhatsApp!TORTURAEm Belém, durante a Ditadura Militar, dois locais de tortura foram na Casa das Onze Janelas, no bairro Cidade Velha, e outro é atualmente um prédio da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), na rua Santo Antonio esquina com travessa Frei Gil de Vila Nova, local que funcionou como uma antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no bairro da Campina.“Muitos dos nossos estudantes hoje não possuem conhecimento do que é uma ditadura. Muita gente deixou o Brasil porque fugiu da tortura naquele período. Entregar as certidões é uma forma de admitir que houve paraenses que também foram torturados, mortos, desaparecidos e assassinados. A entrega das certidões é importante para nós porque se você conhece o passado, você entende o presente”, afirma Edilza Fontes.A ouvidora da Seirdh, Vera Tavares, explica que a entrega das certidões de óbito, por meio da programação do seminário, simboliza resgatar a histórias de pessoas que atuaram para combater a ditadura não somente no Pará, mas também em outros lugares do país. “É o resgate da memória que não pode morrer para que não se repitam os atos que ocorreram na ditadura. Porque é inadmissível alguém entender que a tortura é uma forma de obter interrogatório ou uma forma de você punir alguém”, destaca.“AINDA ESTOU AQUI”Além disso, a secretária adjunta e a ouvidora da SEIRDH destacaram a importância do filme “Ainda Estou Aqui”, obra nacional que retrata a história de luta de Eunice Paiva em busca do marido Rubens Paiva, desaparecido no período da ditadura.O filme ressaltou a dor da perda para a tortura e foi vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional.Como afirmam Fontes e Tavares, a obra é uma forma de relembrar esta história e a de outras pessoas que passaram por situação igual no nosso país.Vítimas paraenses1 – Antônio Alfredo de Lima (Antônio Alfredo de Campos). O paraense residia em São João do Araguaia, com sua mulher e três filhos. Era posseiro de uma pequena roça. Em 1972, conheceu o grupo do Destacamento A e passou a integrar a guerrilha, oferecendo aportes alimentícios e contribuindo para a locomoção pela região. Foi morto durante a operação Marajoara, sendo vítima de desaparecimento no mesmo período em que também sumiram André Grabois, João Gualberto Calatrone e Divino Ferreira de Souza.2 – Benedito Pereira Serra. Nascido em Bragança, era casado com Miracy Machado Serra e tinha seis filhos. Trabalhava como agricultor e era presidente da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Estado do Pará (ULTAP). Rotulado como perigoso elemento subversivo e como agitador comunista, sofreu forte perseguição política por parte do Estado em virtude de sua luta pela proteção dos direitos dos trabalhadores rurais. Morreu aos 50 anos de idade em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado no dia 16 de maio de 1964, no Hospital Militar de Belém, vítima de hepatite infecciosa viral, que fora contraída e agravada em virtude de graves torturas e péssimas condições carcerárias a que foi submetido.3 – Edson Luiz Lima Souto. Nascido em Belém do Pará, Edson Luiz Lima Souto pertencia a uma família pobre. Mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de buscar melhores condições de vida e dar continuidade aos estudos secundários. Começou a trabalhar como faxineiro em uma cooperativa e matriculou-se no Instituto Cooperativo de Ensino, onde funcionava um restaurante conhecido como “Calabouço”. Além de trabalhar e estudar, participava das manifestações pela melhoria das instalações da escola e do restaurante, frequentava assembleias do movimento estudantil e colaborava na confecção de jornais e murais. Morreu aos 17 anos de idade, durante uma manifestação no interior do restaurante Calabouço, em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado. Edson Luiz Lima Souto morreu no dia 28 de março de 1968, após ter sido atingido por disparo de arma de fogo durante uma manifestação no interior do restaurante Calabouço.4 – Eiraldo de Palha Freire. Nascido em Belém do Pará, Eiraldo Palha Freire tinha um irmão gêmeo, Fernando Palha Freire. Os dois tornaram-se militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Trabalhava na Caixa de Registro da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Eiraldo Freire morreu no dia 4 de julho de 1970. De acordo com a narrativa apresentada na ocasião pelas forças de segurança do Estado, foi baleado e preso no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, por militares da Aeronáutica.5 – Joaquim Alencar de Seixas. O paraense foi casado com Fanny Akselrud Seixas, com quem teve quatro filhos. Trabalhou como operário em diversos lugares e foi obrigado a deixar o emprego inúmeras vezes em função de sua militância política. Atuou como mecânico de aeronaves em empresas como Varig, Aerovias e PanAir. Foi demitido da Varig depois de denunciar a relação da empresa, cujos proprietários eram alemães, com o nazismo e com o governo de Getúlio Vargas. No Rio de Janeiro, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual esteve atrelado até 1953. Joaquim Alencar de Seixas morreu no dia 17 de abril de 1971, após ser preso e torturado por agentes da repressão.6 – Lourival Moura Paulino. O paraense vivia em Xambioá, hoje, estado do Tocantins, com a companheira e um filho. Atuava como barqueiro, vendendo e transportando produtos de primeira necessidade pelas localidades por onde navegava, inclusive, para os membros das forças guerrilheiras do Araguaia. Além do filho, teve também outra filha, na cidade de Marabá (PA). De acordo com o relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Lourival foi interrogado sob suspeita de subversão, na base militar de Xambioá (TO), torturado, levado à delegacia de polícia da cidade e, lá, encontrado enforcado em 21 de maio de 1972.7 – Manoel Raimundo Soares. Nascido em Belém do Pará, Manoel Raimundo Soares formou-se em aprendizagem industrial no Instituto Lauro Sodré e passou a trabalhar em uma oficina mecânica. Aos 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) e, em 1955 ingressou no Exército, alcançando o posto de segundo-sargento após quatro promoções. Manoel preocupou-se com a necessidade de organizar uma resistência ao golpe militar. Devido à manifestação de sargentos do Exército, em 11 de maio de 1963, no Sindicato dos Comerciários, no centro do Rio de Janeiro, Manoel Raimundo sofreu pena disciplinar e foi transferido para Campo Grande, no Mato Grosso. Em dezembro de 1966, Manoel Raimundo Soares foi morto, aos 30 anos de idade, em uma ação perpetrada por agentes da repressão do Estado. Seu corpo foi encontrado no Rio Jacuí, por dois moradores da Ilha das Flores, nas proximidades de Porto Alegre, com as mãos amarradas às costas, ficando conhecido como “o caso das mãos amarradas”.8 – Miriam Lopes Verbena. Miriam militava no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e, em 1972, morreu em um acidente de automóvel no interior de Pernambuco, com seu esposo, Luis Alberto Andrade de Sá e Benevides, dirigente do PCBR. O suposto acidente ocorreu na BR-432, entre Cachoeirinha (PE) e São Caetano (PE), em 8 de março de 1972. O casal viajava em carro emprestado por Ezequias Bezerra da Rocha, amigo de Miriam, que seria morto sob tortura pelo DOI do IV Exército, em Recife (PE), logo após a morte do casal.9 – Pedro Ventura de Araújo Pomar. Era filho de Felipe Cássio Pomar, pintor e escritor peruano. Sua mãe, Rosa, era maranhense. A família de Pedro mudou-se para Nova York em 1918, seus pais se separaram e, um ano depois da separação, ele e sua mãe voltaram a viver na cidade de Óbidos, no Pará. Com 13 anos, Pedro foi estudar em Belém, onde se envolveu com a movimentação política da década de 1930. Em setembro de 1932, participou da organização de um levante armado em apoio à Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Viveu um tempo no Rio de Janeiro, hospedado na casa da escritora Eneida de Moraes, militante comunista, a convite de quem entrou no Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1933, voltou para Belém e, aos 19 anos, ingressou na Faculdade de Medicina. Aos 22 anos, em 1936, Pedro Pomar foi preso pela primeira vez. Saiu da prisão em junho de 1937 e passou a viver na clandestinidade. Morreu aos 63 anos de idade, executado por agentes do Estado, no episódio que ficou conhecido como “Massacre da Lapa”.10 – Raimundo Ferreira Lima. Raimundo Ferreira Lima, sindicalista e agente pastoral, pai de seis filhos, mais conhecido na região como Gringo – por conta de sua estreita relação de amizade com dom Pedro Casaldáliga. Estudou por conta própria, cursou aulas de prática veterinária com um médico de Marabá. Mais tarde, tornou-se agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desenvolvendo um intenso trabalho de conscientização dos posseiros envolvidos na luta pela terra. Foi preso diversas vezes durante o período da Guerrilha do Araguaia, por conta de sua proximidade com alguns dos guerrilheiros. No dia 29 de setembro, quando retornava de um encontro de líderes sindicais na cidade de São Paulo, Raimundo Ferreira Lima foi sequestrado dentro do hotel onde pernoitava, em Araguaína, hoje estado do Tocantins. Gringo foi levado até uma estrada fora da cidade, onde foi torturado (seu braço foi quebrado) e morto, pelas costas, com dois tiros calibre 32.As informações foram obtidas por meio do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, o qual registrou mais de 400 desaparecidos durante a época da Ditadura Militar.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.